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Fernando Martins

O mito do homem bom e do homem mau (Parte 1)

O ser humano é bom ou mau por natureza? A resposta a essa pergunta, tão antiga como o homem, moldou todas as instituições políticas e econômicas atuais e a forma como elas nos governam. Também ajudou a reforçar mitos dos quais a sociedade atual não consegue escapar.

O filósofo inglês Thomas Hobbes (1588–1674) entendia que o homem é naturalmente egoísta. Para ele, sem um Estado forte que limite as pretensões individuais, haveria uma guerra de todos contra todos. Suas teorias justificaram o absolutismo dos reis europeus, e, posteriormente, todas as formas de autoritarismo e totalitarismo. Mas as idéias "atenuadas" de Hobbes de certa forma também inspiram nações democráticas que crêem no papel de um governo forte para definir os rumos de uma sociedade.

A resposta a Hobbes veio de outro pensador inglês, John Locke (1632–1704), para quem o ser humano tem uma índole boa e tenderia a viver sem conflitos sociais. O Estado, segundo ele, deveria apenas garantir a paz, punindo aqueles que transgredissem a lei natural da harmonia entre os homens. Esse pensamento fundou o liberalismo, do qual resultaram as democracias modernas.

A história moderna é um pêndulo entre uma ou outra visão de mundo. Na economia, por exemplo, a crise financeira internacional acaba de substituir o liberalismo de Locke por um modelo "simpático" a Hobbes, em que a mão do Estado será mais forte. Já no campo político, os países costumam oscilar entre ditaduras à Hobbes e democracias inspiradas em Locke.

O problema dessas duas formas antagônicas de ver o mundo é tratar com maniqueísmo a natureza do homem, desconsiderando que o ser humano pode ser bom e mau ao mesmo tempo. A crença no "homem bom" ou no "homem mau" e na sociedade que resulta dessas naturezas tão díspares acaba criando mitos que cegam a compreensão da realidade.

Até ontem se acreditava piamente na boa índole dos mercados, capazes de se auto-regular. Era o mito do neoliberalismo. Hoje, clama-se por mais governo na economia. E corremos o risco de sermos novamente seduzidos pelo mito do intervencionismo puro, que na década de 70 fez a inflação internacional explodir e os países estagnarem.

Até mesmo a democracia vive de crenças suspeitas. As nações democráticas ao longo do século 20 geraram mais riqueza aos seus povos do que as ditaduras. Criou-se o mito do fim da história, de que a democracia havia triunfado sobre todas as formas de governo. O risco dessa crença é descuidar da própria democracia; de os representantes eleitos distanciarem-se tanto da população ao ponto de as pessosas serem seduzidas pela promessa de redenção de um "grande líder" – na verdade, um ditador. O mundo está cheio de casos assim.

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