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O filósofo grego Sócrates costumava dizer que Atenas, sua cidade, era uma como uma égua preguiçosa – não queria discutir e rever seus costumes, conceitos, instituições. Grande questionador disso tudo, ele se definia como um mosquito que picava o lombo da égua para que ela se mexesse.

O Brasil não tem um Sócrates. Nem precisa. O Aedes aegypti nos incomoda há décadas causando epidemias sucessivas de dengue. Mas o país é um cavalo muito indolente. Pouco se mexeu nesse período. Agora, o resultado da negligência: o mosquito virou o vetor de mais duas ameaças, a febre chikungunya e o vírus zika – este, responsável por casos de microcefalia de bebês.

O descaso histórico com a proliferação do Aedes aegypti, mais do que uma questão de saúde pública, diz muito sobre os brasileiros e nossas autoridades. O combate ao mosquito, afinal, depende de uma ação individual em benefício da comunidade: eliminar recipientes com água parada no seu imóvel. É a lógica da coisa pública – em algumas questões, todos têm de dar sua contribuição pelo bem da coletividade.

O descaso histórico com a proliferação do Aedes aegypti diz muito sobre os brasileiros e nossas autoridades

Mas uma parcela expressiva da população ainda tem problemas para entender isso. Basta pegar um carro e sair pelas ruas para ver isso se materializar no desrespeito às leis de trânsito.

As autoridades tampouco deram a importância que o assunto exigia. O mais grave é que o país chegou a erradicar o mosquito, em 1955. E parece ter se esquecido de como conseguiu fazer isso.

O esforço nacional para eliminar o Aedes aegypti começou em 1927 – quando uma epidemia de febre amarela, também transmitida pelo mosquito, chegou ao Rio de Janeiro, a capital federal à época. Ou seja, a picada só incomodou quando chegou ao centro do poder.

Apesar disso, as ações planejadas pelo governo funcionaram. E tudo já começou da forma certa: foi fechada uma parceria com a Fundação Rockefeller, dos Estados Unidos, que tinha experiências bem-sucedidas na erradicação do Aedes.

Houve resistências, porém. Autoridades sanitárias brasileiras apostavam no fumacê – aspersão de inseticida nos locais com maior infestação (estratégia ainda usada hoje em dia). Os técnicos estrangeiros eram contra. Diziam que o fumacê não funcionava para erradicar o mosquito. Venceram a disputa.

A estratégia adotada foi visitar todas as casas para matar os mosquitos por meio da dedetização. Em paralelo, a população era imunizada contra a febre amarela.

Havia metas diárias de residências a serem visitadas. E os agentes da saúde pública ganhavam bem pelo serviço. Também houve persistência: foi uma luta de quase 30 anos que chegou a todos os rincões do país. Funcionou. O mosquito só voltou no fim dos anos 60, início dos 70. Isso porque países vizinhos não fizeram sua parte e o Aedes entrou no Brasil pelas fronteiras.

A experiência que deu certo poderia inspirar nossas atuais autoridades. Hoje há mais conhecimento e tecnologia para combater o mosquito. Mas não há uma ação nacional eficiente de eliminação do vetor.

Talvez o drama das gestantes ameaçadas de terem bebês com microcefalia seja a picada que falta para os políticos e a população se mexerem.

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