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 | Jonathan Campos/Gazeta do Povo
| Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo

A ciência diz que o dia mais longo é o do solstício de verão – que coincidentemente em 2016 cai nesta quarta-feira. Para os cientistas, pode ser. Não para o piá que fui nalguma véspera de Natal perdida na infância que não volta mais. Desde que acordava, só uma ideia passava pela minha cabeça. E o tempo simplesmente não passava. Café da manhã? Não, quero presente! Almoço? Não, já disse: pre-sen-te! Lanchinho da tarde? NÃO! Vou desenhar para ficar mais claro: PRE-SEN-TEEEE!!!

Qualquer ansioso sabe do que estou falando: a expectativa faz o tempo passar mais devagar (e para alguns pode ajudar na dieta). É como se o tic-tac fosse tiiiiiiiiiiiiiiic-taaaaaaaaaaac.

Aqueles foram definitivamente os dias mais longos de minha vida. Solstício coisa nenhuma. O curioso é que, quando chegava a hora de abrir as caixas de brinquedo, vapt-vupt: o tempo voava. Sempre é assim. O prazer acelera o relógio.

O tempo sempre foge, por mais que tentemos controlá-lo com relógios, calendários, agendas

Não tinha consciência disso, mas ainda guri havia esbarrado no problema filosófico do tempo. Mas o tempo não é um problema, você pode dizer. Ah, tenha certeza: é, sim! Um problemão. Ou por acaso você nunca se pegou agindo como um guri ansioso pela chegada do Papai Noel? Vivendo num futuro que ainda não chegou? Divagando sobre o que virá? Ou então pensando no passado que já era e não volta mais? E, de repente, se deu conta de que o presente está escorrendo pelos dedos?

Esta é a questão: o tempo sempre foge, por mais que tentemos controlá-lo com relógios, calendários, agendas. Algo de que a gente costuma se dar conta em dezembro. Mais um ano se foi, enfim. E então fazemos promessas, resoluções de ano-novo. Um jeito de aproveitar melhor os momentos que nos restam. Mas, como o tempo está fora de nós e não mandamos nele, costumamos fracassar em grande parte de nossos intentos.

Muita pestana já foi gasta para desvendar o enigma do tempo – e fazer com que possamos viver melhor. Uma boa resposta veio de Agostinho de Hipona (354-430). Esqueça que ele foi um santo. Agostinho também é considerado um dos principais pensadores da história da humanidade. Então, sigamos o raciocínio...

Agostinho simplesmente inverteu a ordem dos fatores – ou dos tratores, como se dizia nos meus dias de guri na escola. Ele colocou a ampulheta de ponta-cabeça. O tempo, dizia, não vive fora de nós. Mas dentro de nossas almas (se preferir, use a palavra “mente”). Assim, ele é subjetivo. Psicológico. E pode correr ora mais rápido, ora mais lento – como ocorria àquele piazinho na véspera de Natal.

Opa, agora começamos a ter uma perspectiva nova. Mas vamos em frente. Futuro e passado, do modo como corriqueiramente pensamos neles, externos a nós, simplesmente não existem. O futuro ainda não é. E o passado já foi. Só existe o presente. Tudo é o presente, inclusive o que consideramos ser o passado e o futuro. Segundo Agostinho, o passado só existe como lembrança presente do que já se foi. E o futuro é a expectativa e a esperança presente do que virá.

Assim, se nosso tesouro está onde está nosso coração, podemos também dizer que nosso tempo fica onde estão nossas atenções. Saber disso pode ser libertador. Se conseguirmos dominá-las, poderemos aproveitar melhor os momentos que vivenciamos. É como tomar posse do relógio de nossas vidas. E chegar ao ponto de dizer como Claudinho e Buchecha: “Controlo o calendário sem utilizar as mãos”. E aí é correr para o abraço: “Só love, só love”.

Dito tudo isso, volto ao começo para lembrar que é tempo de Natal. De ganhar presente. E talvez possamos dar a nós mesmos o melhor presente: o presente. Saber viver mais intensamente o agora. Não se aborrecer com o passado; ele já foi. E não se preocupar em demasia com o futuro. Saber desfrutar as memórias – e saber que elas são só isso: memórias. E aproveitar, agora, a esperança do futuro – reconhecendo humildemente que ela é só isso: esperança.

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