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O jurista alemão Carl Schmitt (1888-1985) é considerado um dos principais ideólogos do nazismo. Sua principal tese é de que a política caracteriza-se por ser a guerra entre dois grupos que veem no outro a ameaça real ou potencial de deixarem de existir. Há uma distância enorme entre a Alemanha de Hitler e o Brasil dos tempos atuais. Mas é preocupante que o discurso público no país caminhe em direção à lógica de Schmitt.

O mundo ocidental democrático se assentou sobre o liberalismo político. A base do pensamento liberal, por sua vez, é a ideia de que, por mais que haja divergências entre os homens, a humanidade é uma só. E o que a torna una é a razão. Ou seja, por meio da discussão racional é possível chegar a acordos, convergências entre os diferentes.

Schmitt era um detrator do liberalismo. Achava que a doutrina liberal mascarava o conflito inerente à natureza humana, o desejo de eliminar o oponente. Dizia que o liberalismo é uma ideologia antipolítica. Ele admitia que, numa lógica mercantil e econômica, até é possível que haja dois ganhadores. Mas não na política. Assim, dois partidos que disputam o poder não poderiam ser nada mais do que inimigos. Na análise de Schmitt, se um deles sente-se ameaçado de acabar, estaria justificada a guerra.

É preocupante que o discurso público no Brasil caminhe em direção à lógica de Carl Schmitt

Há alguns anos o país viu um bate-boca político muito próximo dessa lógica. O ex-senador Jorge Bornhausen, do DEM de Santa Catarina, prometeu “acabar com a raça” do PT. Logo depois, o ex-presidente Lula falou em “extirpar o DEM” da política brasileira.

Na ocasião, o discurso dos líderes políticos não chegou a contaminar a população. Mas isso mudou. O atual clima de beligerância instalado no Brasil – de ambas as partes – pode comprometer a convivência democrática. Por ora, o acirramento está mais restrito ao debate verbal. Mas, em vários pontos do país, já há ação de grupos que se enfrentam fisicamente para defender sua posição.

O Brasil não vai virar nazista ou fascista em função disso. Mas é preciso ficar atento. A democracia se corrói aos poucos. E a ideia de que não há diálogo possível entre os diferentes contribui para isso.

Ademais, o pensamento de Schmitt tem sido retomado nos círculos intelectuais, tanto à esquerda quanto à direita, de forma “revisitada”. Além da doutrina da política como guerra, disseminada em ampla parcela da opinião pública, há quem defenda outra tese de Schimitt: a de que, em determinadas situações, o governante pode tomar decisões à revelia das leis – especialmente se o direito não consegue acompanhar a realidade. O jurista do nazismo pensava, dessa forma, em solucionar os impasses do Parlamento alemão do pós-Primeira Guerra Mundial – período que ficou conhecido como República de Weimar. Os legisladores discutiam muito e decidiam pouco. É uma crítica, aliás, corriqueira à atuação do Congresso brasileiro.

Outra proposição de Schmitt é de que a guarda da Constituição tem de ser política e não judicial. Ou seja, caberia ao governante – e não à Suprema Corte – a palavra final sobre o que é constitucional ou não. Tal proposta é distante da realidade brasileira. Mas não deixa de ser um sinal de alerta que o STF e o Judiciário de uma forma geral sofram pressões políticas. Há algo de Schmitt nessa atitude.

Entro em férias e volto a escrever neste espaço em maio.

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