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 | Goya/Wikimedia Commons
| Foto: Goya/Wikimedia Commons

O Museu Oscar Niemeyer abre amanhã a exposição "Os Caprichos", uma série de 80 gravuras do pintor espanhol Francisco de Goya (1746-1828). Os desenhos retratam de forma satírica a Espanha do fim do século 18, imersa em superstições religiosas e em costumes arcaicos. Dentre tantas figuras da mostra, uma única vale a visita pelo seu simbolismo. Nela, o autor se retrata cercado de animais selvagens, adormecido sobre uma bancada na qual se lê: "El sueño de la razón produce monstruos" (O sono da razão produz monstros).

A gravura sintetiza o espírito da época. O iluminismo queria varrer da vida social e política a superstição e a religião. Em seu lugar, propunha substituí-los pela razão. O despertar da racionalidade, prometiam os iluministas, levaria a humanidade à Idade da Luz.

O sonho daqueles pensadores logo se concretizaria. O absolutismo, fundado no direito divino dos reis, sucumbiu no Ocidente. A religião perdeu sua centralidade. A ciência – filha dileta da razão – desenvolveu-se proporcionando conforto nunca antes visto. A modernidade havia nascido. Com ela vieram inúmeros benefícios.

Mas o projeto iluminista deixou de entregar parte expressiva da utopia prometida. A racionalidade tirou a espiritualidade do homem, mas não colocou nada no lugar, deixando um vazio existencial. Tampouco a razão passou a comandar toda ação humana. Quem muito bem percebeu isso foi Freud: por trás de uma casca de consciência, a mente ainda se guiava por instintos selvagens.

As revoluções que à força buscaram implantar a razão na política, assim como as que tentaram criar um novo homem, banharam a terra de sangue. A tecnologia que salva vidas também serviu ao horror bélico. O mundo concluiu, após as duas grandes guerras do século 20, que a racionalidade é despida de moral. Que é tão-somente o melhor modo de fazer algo – seja para o bem ou para o mal. O sonho da razão, de construir uma era de iluminação, também havia produzido monstros que prometia combater.

Goya parecia já antever isso em sua máxima. Em espanhol, "sueño" pode significar tanto "sono" quanto "sonho". E os "Caprichos" do artista, na temática e na estética, sintetizam os limites da razão. Parte das gravuras é realista. Outras distorcem os personagens, retratando-os monstruosos como seus vícios. Todas são marcadas por uma forte oposição entre claro e escuro, entre as luzes da razão e as sombras do obscurantismo.

Ao que tudo indica, Goya percebia que a racionalidade está condicionada à natureza dual do homem: um ser racional; mas ainda assim um animal, sujeito à selvageria e ao irracional. Reconhecer essa ambiguidade e os limites da razão, sem desprezar seus méritos, parece ser a chave para o futuro. Este é o desafio da pós-modernidade: equilibrar racionalidade com valores éticos, morais e espirituais, sem abrir brecha para qualquer tipo de fanatismo.

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