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A Idade Média tinha costumes que hoje parecem completamente estranhos e bizarros. Assim como homens e mulheres, os animais – porcos, galinhas, cachorros, cavalos – podiam ir a julgamento e ser condenados até mesmo à morte. Isso ocorria, por exemplo, quando os bichos destruíam plantações ou causavam danos materiais a alguém.

Também não havia o hábito de tomar banho com frequência. Às vezes, era um único por ano. E muita gente se lavava na mesma tina de água na mesma ocasião. Era um ritual que seguia uma rígida hierarquia: primeiro se banhavam os homens mais velhos, depois os mais novos, seguidos das mulheres; só depois vinham as crianças. Ao fim, a sujeira dentro da bacia era tão grande que o bebê da família poderia nem mesmo ser visto quando fosse mergulhado – fato que gerou a expressão “não jogar o bebê fora junto com a água do banho”.

O trote medieval era uma reprodução violenta de uma sociedade dividida rigidamente em classes desiguais. É isso que queremos perpetuar?

Mais repugnante e aviltante era o jus primae noctis – o direito da primeira noite. Embora haja controvérsia se era mesmo um costume amplamente disseminado, o tal direito previa que o senhor feudal poderia passar a noite de núpcias com a noiva de qualquer homem que vivesse em suas terras.

Tais práticas, se reproduzidas atualmente, seriam motivo de forte repulsa. Mas, curiosamente, há hábitos medievais que persistem hoje e que deveriam ser alvo da mesma reação. Mas são vistos com naturalidade por muitos, em pleno século 21. Inclusive por parte daqueles que, teoricamente, são os que mais teriam de estar na vanguarda: os jovens.

É o caso do trote violento dos calouros – corriqueiros neste período de início do ano letivo nas universidades.

A origem do termo “trote” tem a ver com o andar do cavalo. Esse é um passo que tem de ser ensinado ao animal; não é natural. O trote universitário buscava (e busca) “educar” o calouro, também corriqueiramente chamado de “bicho” – outro termo herdado da Idade Média. Essa “educação”, para que ele andasse na linha como um cavalo, rotineiramente era feita à força. Há relatos de calouros em universidades europeias sendo obrigados a beber urina e a comer fezes no século 14.

O que o novato “aprendia” à força, porém, era submeter-se ao status quo, à hierarquia que diz que os veteranos têm privilégios apenas por terem chegado antes à universidade. No fundo, o trote era uma reprodução violenta de uma sociedade dividida rigidamente em classes desiguais: nobres e servos. Cada qual tinha seu lugar no mundo e deveria saber disso.

Não faz sentido no mundo contemporâneo, em que um dos principais valores sociais é a igualdade – embora o Brasil ainda seja na prática um país profundamente desigual. Nesse sentido, manter a tradição do trote violento (físico ou psicológico) é reforçar essa desigualdade. É isso que queremos perpetuar?

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