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Olimpíada é um prato cheio para quem gosta de simbolismos. (E a vida é menos dura por causa deles: muitas vezes são um jeito de dizer ou sugerir algo que não pode ser dito de outra forma). A chama olímpica é, sem dúvida, o símbolo maior dessa competição. É uma luz que clareia algumas coisinhas... Se me permitem o suspense, daqui a pouco chego nisso.

Os Jogos do Rio foram particularmente felizes no jeito como a pira foi acesa no Maracanã. Na escolha de quem a acendeu: Vanderlei Cordeiro de Lima. Um atleta que vencia a maratona de Atenas e foi atacado por um maluco quando liderava a competição. Que tinha de tudo para olhar para baixo e desistir. Mas que ergueu a cabeça e completou a prova. Os organizadores também foram bem sucedidos na forma de acender a pira. Uma pira acanhada para os padrões olímpicos. Humilde mesmo. Que recebe a fagulha.Sobe. E, surpresa: se transforma num sol a iluminar a noite carioca – e, por que não, do mundo.

Do sol ao sol, pensei. Pouco mais de 100 dias antes, noutra cerimônia, a chama era acesa na Grécia com o calor solar captado por meio de um espelho.

E aqui começa a história propriamente dita do significado da chama olímpica. Ela remete ao mito grego do roubo do fogo sagrado pelo titã Prometeu. Havia sido ele que criara o homem. Tomou um pedaço de terra. Misturou-o à água. Com o barro, esculpiu o primeiro ser humano. E deu-lhe o porte ereto. Uma primeira insolência: assim andavam os deuses. E assim caminharia a humanidade: enquanto os animais têm os olhos voltados ao chão, o homem pode mirar o céu e as estrelas. Basta levantar a cabeça.

Levantar a cabeça como fez Vanderlei em 2004. Como agora fez a judoca de ouro Rafaela Silva, que pensou em desistir do esporte por ter sido humilhada por preconceituosos após fracassar na Olimpíada de 2012. Levantar a cabeça como fazem tantos atletas que nem mesmo ganham nada.

Voltemos ao mito. Após criação dos homens, coube a Epimeteu, irmão de Prometeu, garantir-lhes os dons para sobreviver. Mas Epimeteu havia gastado tudo com os outros animais. Afeiçoado à sua criação, Prometeu não podia deixar a humanidade desvalida. Queria presenteá-la com o fogo dos céus. Zeus – o poderoso chefão do Olimpo – disse não, talvez irritado com o titã por ter criado os homens à semelhança dos deuses.

Prometeu achou a ordem despótica. Injusta. A humanidade tinha afinal o direito de sobreviver. Então a ignorou. Subiu aos céus. Roubou uma centelha do sol. Entregou-a aos homens. E ensinou-lhes a manusear o fogo. Assim, os seres humanos tornaram-se superiores a todos os animais. Tinham um meio de cozinhar alimentos. De forjar ferramentas para cultivar a terra e de produzir armas para se proteger. Podiam ainda se aquecer no frio. E iluminar as noites escuras.

Desde então, o fogo aproxima os homens dos deuses. Liberta-os de suas limitações naturais. Permite-lhes serem mais do que são. E não é essa a grande lição do esporte? A luta pela superação dos limites impostos pela natureza, pelo corpo. A luta para se ser mais do se é. Para ser mais forte. Pular mais alto. Chegar mais perto do céu.

Porém, isso tem um preço. Na nossa história, Zeus ficou furibundo com Prometeu. Acorrentou-o numa montanha. E determinou um castigo eterno: uma águia, todos os dias, iria visitar o titã para lhe devorar o fígado – que se iria se regenerar na manhã seguinte, para um novo suplício. Mas Prometeu poderia se livrar da punição. Bastaria se submeter a seu opressor – exigência típica dos autoritários.

Ele disse não. Ao roubar o fogo e recusar-se a se curvar diante de Zeus, Prometeu virou um herói da humanidade. Um símbolo da luta contra a tirania. Da resistência à injustiça. A personificação do sofrimento nobre e desafiador.

É tudo isso que a chama olímpica evoca ao brilhar durante os Jogos. Uma pequena centelha de sol a iluminar a escuridão da humanidade.

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