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Aos sábados, minha filha mais velha e eu costumamos sair por aí, bem cedo, à caça de borboletas amarelas. Difícil encontrá-las. Neste último fim de semana, por exemplo, não achamos nenhuma. Em compensação, no parquinho do Passeio Público, centenas de folhas de plátano, douradas, caíam sobre nossas cabeças. Foi bom.

Enquanto a menina se balançava, seus tênis iam varrendo, de leve, a areia debaixo dela. Ali, uma cova antiga se aprofundava, aberta, ao longo dos anos, pelo vaivém de milhares de pezinhos. Um balanço, aliás, é um pouco isso: uma máquina lúdica de escavação, lenta, quase educativa. Ou um simulador de decolagens frustradas. As crianças, no entanto, ao contrário de nós, nunca se cansam dessas aventuras pendulares.

De olho nelas, um homem barbudo, suado, tomava sol no grande banco de pedra junto ao brinquedo. Deitado sobre um cotovelo, curtia o sobe-e-desce das correntes, imóvel como um lagarto. Um punhado de folhas de plátano, presas à cola suja de seus cabelos, lhe dava ares de poeta laureado. Mas logo vi que tal arranjo era obra do acaso. O vento é que o tinha coroado, e não a vaidade.

O dia, para uns, é uma paçoca

Surgiu uma moça vendendo paçocas. Teria, no máximo, 15 anos, e me ofereceu seus doces sem informar o quanto custavam. Eu tinha fome, admito, e uma nota de 50. Imaginando que a moça não teria troco para tanto, agradeci e recusei a oferta. Fui prático. Ela, porém, insistiu: compra, moço, pra ajudar. Me desculpei, jurando não carregar dinheiro algum, embora soubesse, de antemão, que a moça não acreditaria em mim, nem aceitaria minhas desculpas. Deus te abençoe, ela disse, e seguiu em frente. Desde então, sou este mentiroso abençoado.

Distraída, ou ingênua, a vendedora também abordou o homem barbudo: paçoquinha, moço? Desacostumado a tamanha deferência, o cara se ergueu do banco, entre honrado e atônito. Aquilo, para ele, era novidade. Não escutei bem o que falaram, mas o vi apalpar, um a um, os muitos bolsos ao redor de sua cintura. Havia, no mínimo, 30 abismos a vasculhar, pois o homem vestia casacos, camisas e calças demais, um guarda-roupa completo, traje sobre traje, fantasia dentro de fantasia, uma boneca russa de disfarces – palhaço, espião, mendigo. Todos os seus bolsos, entretanto, se revelaram vazios.

Não tenho nada, disse ele, divertindo-se com a multiplicidade de sua miséria, e então sorriu para a moça, um sorriso de neném, de gengivas desarmadas. Sempre séria, com um comprido suspiro de desânimo, ela averiguou seu pote de doces, ainda longe de esvaziar-se, e deu ao barbudo uma paçoca, grátis. Não pediu a Deus que o abençoasse, e nem ouviu, do outro, qualquer palavra de agradecimento. Apenas foi embora.

O homem voltou a ocupar seu posto sobre a pedra. Não deitou, preferiu sentar-se. Desfez com calma o pacotinho, cuidando para não desperdiçar a flor de farelo que desabrochava entre seus dedos. Meteu-a na boca e, aí sim, o dia ganho (o dia, para uns, é uma paçoca), esticou-se de novo no banco, o corpo paralisado, exceto a mandíbula e o olhar de pêndulo, religando-se ao voo das crianças.

Elas, por sua vez, se balançavam, os pés varrendo a areia. Nunca se cansam, vocês sabem. Debaixo delas, as covas, se aprofundando.

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