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Na Mariano Torres, há um velho muito velho. Brinca de estátua consigo mesmo, no meio da ciclovia. Fica lá, de pé, um bom tempo. Só se mexe quando vê passar um sujeito correndo, se exercitando. Uma presença fugaz, essencialmente jovem e atlética, que o desperta da inanição. O velho se ouriça, o que não quer dizer que rejuvenesça. Na verdade, o ataca uma súbita nostalgia das competições, e ele decide aderir também à correria, aproveitar o vácuo do outro. Aguenta cinco metros e, arfante, desiste. Mas ainda dá um jeito de gritar, ou gemer, para o atleta que se distancia: espera, espera o véio!

Em vão. O atleta não espera. Vai treinar no Passeio Público, nem notou que o chamavam, tem seus compromissos, quem sabe até o patrocinem e seja pago para não esperar. Tudo bem. Cansado, o velho volta a petrificar-se, precisa poupar bateria. Perdeu a corrida, desperdiçou um estímulo, mas fundamental é competir, e sobreviver talvez seja só isso, insistir em participar, questão de teimosia.

Sobreviver talvez seja só isso, insistir em participar, questão de teimosia

O velho, portanto, se recolhe, na expectativa de novas oportunidades. E está com sorte: um segundo corredor não demora a despontar na ciclovia. Vem no sentido oposto ao do primeiro, acaba de sair do Passeio Público. Novamente acionado pelo movimento alheio, o velho busca interceptá-lo, estende as mãos diante dele, mas seus braços são de vento, e seu arbítrio, um vapor de baixa densidade. O corredor o dissipa e segue em frente, surdo aos apelos do corcundinha que, aos arrancos, o persegue: espera o véio, espera o véio!

Nada feito. Dois ciclistas voam por ele, e depois um guri de skate, uma moça com fones de ouvido, e três caras de regata branca, calção justo e aspecto militar, todos trotando. O velho tenta acompanhá-los, se fazer ouvir e enxergar, acelera, freia, acelera, e muda de direção uma vez, e outra, e mais outra, direita, esquerda, direita, e corre pra lá e pra cá atrás dos moços, e atrás até de cães, borboletas, drones e aviõezinhos de papel, amigos e dispositivos imaginários. Pede que o esperem, e já nem sei se está bêbado, confuso, senil, esperançoso ou otimista, tanto faz, pois o resultado é sempre igual: ninguém o espera, e nem eu, que passo devagar e não quero ouvi-lo.

A despeito de tais fracassos, a vida segue e os treinos se sucedem, assim como os corredores. Cada qual com seu cronômetro. No fundo, nada muda, tudo está sob controle, as instituições preservadas, é o que celebram por aí, é só verificar. As tirivas matraqueiam nas paineiras do Largo Bittencourt e escavam suas bagas, lançando sementes voadoras por toda parte. Os alfeneiros estão de novo roxos e pensos, maio acabou, e as últimas florações das árvores-da-china murcharam. Tudo certo.

Preocupado, vou ao banco, mas registro que sua porta giratória continua funcionando à perfeição, comendo e cuspindo, sem distinção de gosto, investidores e inadimplentes, assalariados e desempregados, clientes e contínuos. Para um banco tudo é saboroso, podemos serenar. Do céu, nos vigiam os helicópteros; na terra, as manifestações avançam em círculos. No ar, já se vão esvanecendo todas aquelas coisas belas e misteriosas com que jamais sonharão os nossos inúteis sistemas de elucidação do mundo.

Tudo vai bem. E, no entanto, no meio da ciclovia, um velho pede que o esperem.

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