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Não faz muito tempo, um cronista se deitava na rede, olhava a escuridão do céu e via estrelas. Cantava ventos e constelações, barcos de pesca e mares se encrespando, com faróis e ilhas ao fundo. Ser lírico era aceitável. As epifanias davam em árvores e alimentavam os passarinhos, e todo dia era dia de idílio. Hoje não. É raro avistarmos a lua sobre a grande cidade, e o que haveria de novo nisso? Ela sempre foi redonda e branca, e é preciso escrever sobre outras esferas, mais mundanas e urgentes.

Sorte da lua, algum leitor logo dirá: agora ela está livre, escapou à órbita incerta dos poetas. Tudo bem, não vou discutir literatura aqui. Concordo, é triste brilhar tanto para acabar numa crônica de jornal, e é mesmo um crime grave impor ao luar uma utilidade, digamos, literária. Mesmo assim, peço licença para agir criminosamente. Porque hoje escreverei, sim, sobre a lua, e quem continuar lendo será meu cúmplice querido.

Dado o alerta, vamos à contravenção. Noite dessas, havia lua cheia sobre Curitiba. Era tarde e eu, feito um personagem romanesco do século 19, vinha sozinho do teatro até minha casa, na Ébano Pereira. Andava pela XV vazia, rumo à Boca, quando virei à direita na Riachuelo. Foi na Praça Generoso que a vi – não a lua, que já me guiava desde a Santos Andrade, mas uma senhora solitária que está sempre ali, em geral pela manhã, lagarteando ao sol ou ao mormaço, cercada de lixo, pombos e trouxas.

À luz do dia, tudo o que ela faz é sentar na pedra, as roupas recendendo a uma mistura misteriosa de sujeira e açúcar queimado. Jamais abre mão do paletó de lã masculino, remendado nos cotovelos, as ombreiras cômicas. Usa três ou quatro saias compridas sobrepostas e um chapéu de palha desfiado. Fuma e come pipoca doce sem parar. Deve ser bastante velha, embora digam que chegou há pouco do mato e mal sabe o português. Tem um nome indígena clássico, mas infelizmente o esqueci, paciência.

Pois naquela noite de lua, ela estava acocorada à beira de um dos chafarizes da Generoso, as costas para mim. Apesar da hora e do frio, lavava suas roupas, sem sabão, no repuxo desligado. Batia as peças na borda da fonte e as torcia com perícia e força, uma a uma, camisas, blusas, vestidos. Esticava tudo no calçamento, quem sabe se na esperança de que, ao amanhecer, já estivessem secas e pudessem ser recolhidas antes de a praça se encher de gente.

Nem percebeu minha chegada, atenta a algo que descobriu na água. Era como se espreitasse um peixe extraviado, uma moeda rara perdida, submersa, mas ao alcance de seu braço firme, de caçadora. Ensaiou um bote e, de repente, desabou na fonte, sumindo de vista. Demorou a emergir e, preocupado, corri até lá, já me sentindo um canastrão no papel de salva-vidas.

Eu a encontrei boiando no raso, rodeada de panos imundos, olhos fechados e boca aberta, a expressão de quem sonhava. Sobre o corpo magro, o reflexo da lua cheia, um medalhão de prata em seu peito chato. Na hora, achei bonito imaginar que daquele falso afogamento em breve nasceria uma flor nova, uma vitória-régia urbana e poderosa, capaz de restaurar o sentido de nosso romantismo. Mas não, ainda não vi disso por aqui, uma flor que brotasse do desejo ou da emoção de alguém.

Na verdade, é melhor confessar: estou mentindo. Aquela mulher era uma bêbada que desmaiou dentro do chafariz, só isso. Mas a lua estava lá com ela, juro. Não tinha culpa de nada, consciência nenhuma, mas estava lá, sim, bonita e insinuante, pedindo para ser raptada. Não resisti e a trouxe até vocês.

E agora, comparsas, o que faremos com essa luz?

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