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Minha vizinha é uma fã tão entusiasmada do Chico Buarque que pendurou um pôster dele na parede do escritório que mantém em casa. Lá está ele, de bigode, cabelos encaracolados, uma camisa marrom estampada, em um típico visual dos anos 70. Na internet, encontrei quatro capas de discos em que ele aparece de bigode, todos daquela década: Sinal Fechado (1974), Chico Buarque & Maria Bethânia (1975), Meus Caros Amigos (1976), Milton & Chico (1977). Nem é das imagens mais veneradas dos olhos azuis mais famosos da MPB, mas o pôster na parede da Celeste mostra que tem fãs para todas as fases dele. Ao ver a foto do bigodudo, falei por falar: "Ele faz 70 anos este mês". Celeste assumiu um ar de desamparo. É admiradora do Chico há tanto tempo que se sente velha ao perceber que ele envelheceu. Calculo que ela tenha pouco mais de 50 anos. Natural que se lembre de Chico desde que era criança, já que ele começou a gravar muito cedo. Sem querer, joguei Celeste em um estado meditativo.

Olha, Celeste, não é só você que se sente assim. Ver que o tempo passou para figuras públicas, que conhecemos desde sempre, faz a gente se perguntar: e eu? Por essas e por outras que a morte prematura de ídolos populares tem um lado caridoso. Os fãs não têm o choque que Celeste teve, e novos fãs se sentem atraídos pela figura eternamente jovem. É o caso de Jim Morrison, Kurt Cobain, Michael Jackson e Amy Winehouse. A figura pública se livra de ter sua aparência da juventude esfregada em seu nariz constantemente ao longo da vida. No filme Ela Vai, Catherine Deneuve corajosamente enfrenta na tela uma referência jocosa à beleza física estonteante que marcou sua juventude: na cama, com um rapaz muito mais jovem, ela ouve dele: "Enquanto fazia amor, fiquei pensando em como você foi bonita". Um golpe cruel, muito cruel, que certamente não foi colocado por acaso no roteiro daquele filme.

Outro amigo, o Carlos Eduardo, lá de Londrina, vai a Cannes todo ano cobrir o festival de cinema. Este ano voltou exibindo, no celular, uma foto de Sophia Loren. Às vésperas de completar 80 anos, ela tem a mesma elegância e figura longilínea que enlouqueceu várias gerações de homens mundo afora. A saúde e a cinturinha ainda fina de Sophia são um consolo para os fãs. Mas nem sempre é assim. O mesmo Carlos Eduardo viu Gregory Peck subir ao palco, em Cannes, anos atrás, para receber uma homenagem. Era um velhinho curvado com dificuldade para subir os degraus. Foi um choque para a plateia. Antes de falar, ele se alongou e recobrou um pouco da velha imagem. E o Carlos Eduardo, lá na plateia, sentiu o impacto; estava na frente dele o grande ator de A Conquista do Oeste. E de O Sol é Para Todos – acrescento eu –, um de meus filmes favoritos.

A obra desses artistas é como aquela carteira de identidade feita aos 18 anos e que congela o portador na juventude. O fulano amadurece, envelhece, mas na identidade ele continua sempre o menino bonito. Vale para a Sophia Loren, para o Chico, para o Gregory Peck e para outros aniversariantes octogenários de quem amamos a obra.

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