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 | Ilustração: Felipe Lima
| Foto: Ilustração: Felipe Lima

Segundo os artistas que se mobilizam contra as biografias, tem escritor ganhando milhões escrevendo livros sobre a vida alheia. Como não conheço nenhum escritor brasileiro, excluindo o Paulo Coelho, que tenha ficado milionário com a venda de seus livros, duvido da informação.

O problema é que do jeito que andam as coisas no Brasil, só dá para escrever sobre si mesmo. Da minha parte, estou empenhada em buscar algumas diretrizes para uma autobiografia de sucesso, que me renda uns trocados. Anotei algumas, que divido com vocês. Fiquem à vontade para testá-las e, se fizerem melhorias, me avisem.

• Quando o assunto é gente de verdade, o leitor não gosta de super-heróis. Nem sonhe em só falar de suas glórias e atos nobres. Ninguém é perfeito e até o leitor mais ingênuo sabe disso.

• Vasculhe sua vida em busca dos altos e baixos. Quanto mais elevado o "alto" e mais profundo o "baixo", melhor. Uma vida equilibrada vai exigir muito esforço para render um livro interessante. É verdade que o conceito de alto e baixo varia muito. Para alguns, aquele período em que o sujeito não tinha emprego nem dinheiro e passava o tempo lendo gibis e ouvindo um único LP ou CD pode parecer o mais interessante.

• Ainda sobre os períodos de baixa: nada de autopiedade. Ela dá um tom lamurioso e piegas ao relato. Fuja da autopiedade como o diabo foge da cruz.

• Sexo. Se não está disposto a falar disso, nem comece a escrever. A não ser que a autobiografia seja um presente para os netos no próximo Natal. Se pretende fazer um autorretrato de verdade, tem de falar do assunto pelo menos um pouco. Se quiser vender milhões, fale bastante. No século 18, Rousseau abordou sua vida sexual com total franqueza logo nas primeiras páginas da sua autobiografia (Confissões) e só depois partiu para outros temas. Dá um susto nos desavisados, mas não mata ninguém.

• Aproveitar a chance para revelar os podres de amigos e parentes? Se o seu parente for o Pelé ou a falecida princesa Diana, vai lá. Caso contrário só vai servir para arrumar encrenca.

• É preciso parecer bem-sucedido? Não. A maioria das biografias de pessoas de sucesso mostra que o sujeito penou muito e teve uma vida dura. Salinger, um dos escritores mais festejados dos nossos tempos, trabalhava como uma mula e nunca teve uma vida glamurosa. A supracitada Diana, segundo sua biografia mais completa, aceitou fazer aquela viagem desastrada com o Dodi Al-Fayed porque iria passar o verão sozinha em Londres, sem os filhos e sem amigos. Os leitores das biografias de Winston Churchill se surpreendem ao saber que, entre os altos e baixos, ele cavoucava o jardim para tentar relaxar. Apesar do papel que ganhou na História, em vida o primeiro-ministro teve mais momentos "baixos" do que glórias e passou muito tempo cavoucando...

• Contar tudo ou editar? Ninguém quer saber tudo. Na hora de editar, seja cruel consigo mesmo. Se tentar sair bem na foto, você vai estragar o relato.

• Antes do ponto final, uma última checagem: as outras pessoas citadas na sua autobiografia parecem mais ridículas que você, mais patetas que você? Se a resposta for sim, rasgue tudo e comece de novo. Seu livro deve estar muito chato.

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