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 | Ilustração: Felipe Lima
| Foto: Ilustração: Felipe Lima

Ninguém ouve os pescadores. Só pode ser isso. Há anos se queixam de que a pesca não anda boa, que onde pegavam um dourado de dois metros agora só dá um minúsculo lambari, que onde havia pacus carnudos há lixo, garrafas de água mineral e sacos plásticos do mercadinho da esquina. Ninguém dá bola para o que contam naquelas conversas de fim de tarde ao lado dos barcos.

Outros contam a mesma coisa, com outro vocabulário, e também não conseguem repercussão. Cientistas americanos e ingleses dizem que a quantidade de animais que vivem na água doce diminuiu 75% nos últimos 40 anos. Isso mesmo, setenta e cinco por cento. E os pescadores reclamam, mas ninguém dá bola para eles mesmo.

As pessoas se importam com o pescado, se está fresco, se pode ser usado para sushi, qual tem mais ômega 3. Mas ninguém acredita na testemunha ocular do estrago já feito. "Fala, pescador!", deveria dizer o senhor ministro da Pesca e levar o sujeito para falar em rede nacional de rádio e tevê. "Conte aí como era e como é."

Os bichos que vivem na água doce são os mais ameaçados do planeta. O que é o mesmo que dizer que os rios são o ecossistema mais ameaçado pela nossa ação. Não tem meteoro gigante para levar a culpa. Quem está levando várias espécies à extinção é o ser humano mesmo. O próprio. Nós.

Todas as ações para manter o estilo de vida que consideramos ideal terminam lá, nos rios. Seja por causa do desmatamento, do uso intensivo da água, da não reciclagem dos restos de tudo que fazemos no dia a dia. Todos os rios correm para o mar e todos os nossos descuidos e relaxos e exageros correm para os rios.

É uma tristeza. Várias espécies vão acabando sem nem serem conhecidas. O Brasil não é um especialista em peixe. Pouco sabemos sobre a bicharada que desliza suavemente, silenciosamente, nas águas dos riachos e dos grandes rios, nas lagoas e nas correntezas. Eles ficam lá, quietinhos, sem incomodar ninguém, e por isso ninguém presta atenção neles. Estamos na fase de descobrir que existem – ou que estão deixando de existir.

Dizem os cientistas da Sociedade Zoológica de Londres e do Fundo para Proteção da Vida Selvagem, que fizeram o balanço da bicharada divulgado esta semana, que consumimos peixes de água doce e dos oceanos em uma velocidade maior que o tempo que a natureza leva para repor o que tiramos. O consumo de pescado é grande em alguns lugares do mundo (no Brasil, ainda é modesto, mas está crescendo). Mas o problema não é só o consumo. O problema é que em todo lugar existe consumismo, consumismo de tudo, inclusive do que não precisamos.

Tem um peixe chamado cará (ou acará) que só tem sido encontrado no Paraná, depois de desaparecer nos estados vizinhos. O nome científico dele é Gymnogeophagus setequedas. Seu sobrenome, como se vê, já o condena ao desaparecimento. É ameaçado pela sujeira na água, pelo avanço das cidades e pelo aparecimento de peixes estranhos, exóticos, que disputam o seu território. O "setequedas" tem uns 10 centímetros e é daqueles peixes que cuidam dos filhos, que ficam cercando os bichinhos até eles tomarem corpo para se virar sozinhos. Quase mais nada se sabe sobre ele. Pode sumir sem deixar vestígios nem informações.

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