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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

Na praia coisas estranhas acontecem. Mas ninguém acha muito estranho. Ou, se acha, não faz muito barulho por isso. Talvez porque se convencionou que na praia há mais liberdade ou porque lá a maioria de nós está de passagem e não domina bem o território, as regras locais. Em outras palavras, excluídos aqueles milhões que vivem nas grandes cidades do litoral, somos todos veranistas bissextos. Não estamos, portanto, habilitados a dizer se aquilo que nos parece estranho é normal por lá. Quem sabe é a última moda?

Na praia senhoras e moças que se vestem com recato em suas cidades de origem permitem-se colocar umas roupinhas minúsculas e exibem com displicência partes de seu corpo que nem o digníssimo cônjuge vê com frequência, muito menos à luz do sol. Senhores igualmente recatados, que passam a semana de terno e gravata, exibem suas barrigas arredondadas, aparentemente muito à vontade.

Dizem que a praia é o espaço mais democrático do Brasil. Em se tratando de postura em relação ao corpo, é verdade.

Nesta época do ano o sonho do brasileiro é passar uns dias no litoral. Nem todos, é claro. Como tudo o mais em se tratando de preferências, há quem ame e há quem odeie aquele pedaço de areia entre as serras e a imensidão do mar. Eu arriscaria dizer que uns 80% dos brasileiros querem estar no litoral no verão. Não que cheguem a amá-lo como um todo, já que alguns detestam areia, outros fogem do sol, tem a turma que tem nojo da água do mar. Mas mesmo entre esses, muitos querem rumar para as praias. Por que essa fascinação? Acho que porque a praia oferece um festival de sensações físicas agradáveis: o sol na pele, o pé descalço, o banho de mar. E gente para ser observada.

Quer melhor passatempo que ver o desfile despreocupado de humanos de todas as formas e tamanhos, desde os graciosos pimpolhos em suas fraldas descartáveis até senhores e senhoras sem pretensão de exibir boa forma? E passando, naturalmente, por bonitões e bonitonas que, sejamos realistas, são a minoria. Aliás, todo mundo gosta de ver gente bonita, mas também é reconfortante saber que quase ninguém se enquadra na categoria "gente bonita" se a avaliação for muito severa. Ponto para a praia, onde não se esconde a verdade sob roupas de bom caimento.

Brasileiro que se preza vai à praia desde pequenininho. Tem até aquela expressão usada para apresentar uma pessoa esperta: "Tem muitos anos de praia".

Eu não tenho muitos anos de praia, literalmente. Passo anos sem estender a toalha na areia. Por isso, quando reapareço por lá, como aconteceu recentemente, coisas absolutamente banais me chamam a atenção. Prin­­cipalmente a exposição de corpos seminus – o que é muito banal, em se tratando de praia. Nada contra os corpos seminus, é que como cidadã urbana nunca tenho oportunidade de ver tanta gente desfilando na minha frente cobrindo apenas o essencial. Uma vez visitei o Xingu e nas aldeias onde estive todos os índios andavam nus. Foi estranho, a princípio. Mas a estranheza logo deu lugar para a naturalidade.

Também estive em praia de nudismo e aí a estranheza foi maior. Eu estava lá como repórter e não precisei tirar a roupa, mas tinha que entrevistar homens e mulheres pelados. Fitava os entrevistados nos olhos para não descuidar e desviar o olhar para os chamados Países Baixos. Ingenuamente, achei que assim disfarçaria meu embaraço, até que um entrevistado me disse: "A primeira vez em uma praia de nudismo é difícil. Ficamos encarando as pessoas para evitar olhar para o corpo delas, como você está fazendo". Pronto, fui desmascarada. Melhor assim, tratei de encarar a realidade (sem nenhum trocadilho, caro leitor) e me senti melhor.

Na praia, sob a luz forte do sol que deixa os brancos mais brancos, os obesos mais obesos e os flácidos mais flácidos, somos todos desmascarados. É um susto, mas não faz mal pra ninguém.

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