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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

A verdade é que quem tem objetos demais não aproveita o que tem. O excesso se transforma em entulho. No caso dos ex-presidentes da República, vira suspeita. Quando é armazenado em galpões pagos por fontes suspeitas, é caso de polícia. Fernando Henrique Cardoso explicou esta semana para o juiz Sergio Moro que um ex-presidente é dono dos presentes que ganha durante o mandato, mas que esses itens são considerados de interesse público e parte do patrimônio cultural brasileiro. Fernando Henrique fala com facilidade dessas regras porque elas foram definidas em um decreto assinado por ele, que se somou a uma lei anterior sancionada por Fernando Collor de Mello.

O que me admira é que eles se disponham a guardar tantos objetos, souvenirs de seus anos no poder, como se alguém que foi presidente de uma república difícil como a brasileira precisasse de algo que lhe recorde os “anos dourados”.

Fernando Henrique contou que necessita de ajuda para bancar o acervo e por isso recorre a patrocinadores, através da Lei Rouanet. Lula lotou um galpão em São Paulo com suas coisas durante cinco anos e o gasto com aluguel passou de R$ 1 milhão. Itamar Franco guardou seu acervo em Juiz de Fora, onde permanece. Dilma saiu de Brasília com três caminhões. Segundo uma reportagem recente, ela mora em um apartamento em Porto Alegre, com uma sala abarrotada de caixas.

Seria interessante saber o que constitui o tesouro pessoal dos ex-presidentes

Além da ausência de desprendimento, a eficiência das transportadoras e a falta de tempo de quem está finalizando o mandato determinam, na minha opinião, a dinâmica do acúmulo. Tudo que está dentro do imóvel e que pertence ao presidente é empacotado e levado para o novo destino. Chegando lá, ele deveria abrir caixa por caixa e decidir o que vai manter. Provavelmente nunca faz isso. Simplesmente guarda. Vai ficar tudo de herança para os filhos e renderá brigas ou piadas, dependendo do humor da família.

Acompanhei recentemente alguns vizinhos fazendo mudança para novos endereços. A equipe da transportadora empacota tudo e os donos da casa, se quiserem, não precisam mexer um dedo. Em compensação, passam meses procurando espaço no novo endereço para as tranqueiras que descobrem quando as caixas são abertas.

Se nem lembramos que temos um determinado objeto, será que precisamos dele?

Seria interessante saber o que constitui o tesouro pessoal dos ex-presidentes. Segundo a regra, são presentes dados por cidadãos, empresas e entidades. Os presentes dados por representantes de outros países em cerimônias oficiais ficam com a União. Pode-se supor que o que eles levam para casa e deixam eternamente arquivado sejam peças de artesanato, quadros, livros, diplomas, placas e moedas comemorativas, imagens sacras, facas, insígnias. Para evitar desconfianças, as listas de objetos que saem do Palácio da Alvorada deveriam ser tornadas públicas. Isso preservaria os próprios ex-presidentes de especulações maldosas.

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Na Europa, era comum reis e rainhas encherem os cofres com presentes que ganhavam de outros mandatários. Agora a coisa mudou: gastar dinheiro público para agradar uma cabeça coroada é gesto démodé. Não se deve ver mais situações como a da rainha Elizabeth II, que tem em seu cofre peças com águas-marinhas que foram presenteadas por três presidentes brasileiros: Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e Costa e Silva. As pedras são tão grandes que dificilmente veremos a rainha usando todas ao mesmo tempo. A velha dama não suportaria o peso.

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