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Da janela do meu quarto, vejo um pequeno bosque de araucárias. Sempre que estou cogitando me mudar, penso que não ver mais aquela paisagem seria uma pena, que teria uma beleza a menos na vida. Mas a vista da minha janela está se modificando e tenho medo de que um dia ela não seja mais uma razão para eu morar ali. A visão das árvores do Barigui e do Cascatinha influencia na qualidade dos meus dias.

Será que outras pessoas citariam a paisagem como um elemento que torna a vida boa? Talvez não, porque o ser humano se acostuma com tudo. Com a paisagem bonita e com a ausência dela quando a janela está voltada para um paredão de concreto. Só não sei se nos acostumamos com a feiura. Tem uma pista em Quarto de Despejo, aquele livro delicioso que já citei aqui. A autora, Carolina de Jesus, se queixa da paisagem feia do lugar onde vive, uma favela de São Paulo ao lado de uma rua movimentada. O tempo passa e ela não se habitua com a feiura. Acostumar-se com algo é sinônimo de nem percebê-lo mais. "Virou paisagem", dizemos sobre algo que se tornou tão comum que ninguém mais nota.

Essa expressão "virou paisagem" resume nossa relação com os cenários que estão pelo caminho. No Brasil, onde há abundância de terras e natureza, somos perdulários com a beleza natural. As paisagens vão mudando e isso gera pouca ou nenhuma reação. O progresso justifica tudo. Moradores das cidades às vezes protestam contra projetos imobiliários ou urbanísticos que fazem grandes intervenções. Mas é pouca reação se levarmos em conta o desprezo das administrações municipais e das empresas privadas com a memória e com a beleza das cidades. As paisagens naturais ou as rurais (onde há intervenção humana), essas vão mudando sem que ninguém se dê conta. Não vai ser sempre assim. Um dia choraremos as paisagens que se foram.

Na Europa, paisagem é tema de estudos nas universidades. Provavelmente isso é reflexo da industrialização e da urbanização que tornam uma imagem campestre, com rio, bosque e estradinha, uma raridade ameaçada de extinção.

A alemã Claudia Bieling, professora da Universidade de Freiburg, fez um trabalho a partir da pergunta que usei no título deste texto: o que torna a vida boa? Ela queria saber se as pessoas relacionam seu bem-estar com o meio ambiente e pediu para moradores de duas regiões da Alemanha (Floresta Negra e Lusácia) contarem como a paisagem está relacionada ao bem-estar. Os entrevistados responderam com expressões como "me sinto em casa", "conexão com o lugar", além dos mais óbvios "beleza" e "tranquilidade". Raramente alguém relacionou a paisagem com a produção de alimentos. Conclusão da professora: o bem-estar gerado pela paisagem não é uma construção social. É um fato. E quanto mais as pessoas se relacionam com a natureza, através de caminhadas, por exemplo, mais se sentem beneficiadas por ela.

Em Londres há uma preocupação com a paisagem urbana que se transformou em orientação para o crescimento da cidade. Algumas paisagens são tombadas. Não é um edifício ou um bairro que é tombado para ser preservado, mas a vista que se tem em um ponto da cidade e ao olhar para uma dada direção. O ponto de referência da maioria das 13 paisagens tombadas de Londres é a Catedral de Saint Paul. Funciona assim: a partir de um local, geralmente um parque, a vista até a catedral tem de estar liberada, o que gera um corredor urbano onde não podem ser construídos edifícios altos. Por causa disso, um prédio de 47 andares, o Leadenhall, está sendo erguido com o formato de uma cunha (mais largo na base e cada vez mais estreito, conforme vai subindo). Assim, quem está na Fleet Street continuará vendo a catedral apesar de o prédio muito alto estar no meio do caminho.

O que torna a vida boa? Cada um de nós tem a sua lista. A paisagem pode entrar em todas elas.

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