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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

Os pais torcem para que um dia os filhos não precisem mais deles. Mas ficarão contentes se os filhos precisarem, para alguma coisinha pelo menos...

Os filhos esperam um dia não precisar mais dos pais para nada, mas suspiram aliviados se os pais estiverem lá, de plantão, disponíveis e operantes.

Se o filho não precisa mais dos pais é porque consegue se sustentar, se relacionar, zelar por sua saúde. "Que bom, meu filho, eu te criei bem e hoje você é independente", diz o cérebro. A boca manifesta o pensamento. O que a boca não manifesta é o que diz o coração. "Agora, meu filho, é hora de me querer para as situações agradáveis, para conversar, para um cafezinho, para pedir um conselho."

Pedir conselho, sim. Pedir dinheiro, não. Porque quando o filho que já deveria ser independente pede dinheiro para os pais é sinal de que algo não vai bem. A negativa – se vier –, que pode soar como mesquinharia dos pais, é resultado do instinto de sobrevivência dos humanos, aquele instinto que nos influencia mais do que gostaríamos. Como a leoa que deixa os filhotes por perto para verem como ela mata a zebra. "Você também terá de matar zebras, leãozinho, ou nossa espécie desaparecerá. Não vou poder caçar para sempre."

Não vou poder caçar para sempre. Não vou poder trabalhar para sempre. O mundo ao redor mudou, mas o que move os animais é o primitivo instinto de sobrevivência.

Dizem que cada vez mais os filhotes humanos adiam a independência. Os avanços tecnológicos fazem o ser humano crer que domou a natureza, que o instintivo e o ancestral são obsoletos, desnecessários. "Não estamos vivendo muito mais, morrendo muito mais tarde? Então podemos prolongar todas as etapas da vida, não é? Inclusive a infância e a adolescência." É o cérebro que pondera, mesmo sem traduzir as novas crenças em palavras.

Um dia, os filhos que cresceram dizem a si mesmos, orgulhosos: "Me viro sozinho. Estou tocando a minha vida, rompi a dependência que tinha dos meus pais". Passado o deslumbramento, vem a vontade de tirar algo mais do pai e da mãe. Tirar um abraço, um olhar. Morreríamos por um sorriso amistoso do nosso pai, da nossa mãe, naquela etapa da vida em que não precisamos mais deles como fonte de sustento e segurança. Agora só precisamos de amor.

Os pais também só querem amor nessa etapa. Também morreriam por um sorriso amistoso do filho, da filha. Por um abraço e por um carinho. Esperam não precisar dos rebentos para nada, esperam ser totalmente independentes, mesmo na mais avançada idade. "Não quero dar trabalho para ninguém." Mas o abandono... Ah! O abandono também é sinal de que algo deu errado, de que há mágoas ou falhas de caráter.

Alguma coisa está fora da ordem quando a independência dos filhos também significa o abandono emocional dos pais, dos velhos, dos coroas – chame como quiser. Porque agora a relação está livre das barreiras impostas pela necessidade de educar, de ensinar limites, de impor respeito. Agora somos iguais. Adultos. Nessa etapa, os animais selvagens se separam para sempre de seus filhotes para que eles não disputem entre si a caça ou o comando do grupo. Mas lembra que os humanos criaram todas aquelas tecnologias para neutralizar as restrições impostas pela natureza? Lembra que não somos mais obrigados a agir guiados pelo instinto de sobrevivência? Podemos continuar juntos, pais e filhos, independentes e iguais, um adulto com outro adulto. Juntos não porque precisem de ajuda para sobreviver, mas porque gostam de sorrisos e abraços. Porque vivemos mais, mas não somos eternos.

PS: O Malu se foi e com ele suas histórias, que divertiram os nossos sábados por tanto tempo. Deixa saudades.

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