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 | Ilustração: Felipe Lima
| Foto: Ilustração: Felipe Lima

Sabe-se lá por que razão, recebo um impresso que registra as atividades de uma igreja norte-americana. Abro o belo catálogo e passo os olhos pela lista dos temas debatidos ao longo do primeiro semestre de 2010. Chama minha atenção a quantidade de referências à fofoca. A fofoca, está muito claro, é um grande inimigo da convivência dentro da congregação, seja no Havaí ou em Montana, em Nova York ou em Ohio. Duvido que os seguidores da tal igreja sejam mais fofoqueiros que qualquer outro grupo. São humanos e, portanto, fazem fofoca. Onde há vida em comunidade, há fofoca. O tuaregue volta para sua barraca, no deserto do Sahara, e conta à esposa que durante a última caravana o colega bebeu demais e passou a noite sabe lá com quem. O advogado nova-iorquino comenta com o colega que o chefe anda muito atencioso com a gerente do Financeiro. E a moça curitibana vai a um casamento e depois diz às colegas que a mãe do noivo chorou demais, estranhamente demais... Ao falar, ela não pode usar as reticências que eu uso aqui para insinuar malícia, mas capricha na pronúncia do "demais" e deixa os olhos semicerrados e os lábios apertados, como fazemos quando nos esforçamos para matar uma charada. Na realidade, ela acredita que já matou a charada (a família do noivo é contra a união), mas prefere insinuar, para não se comprometer e, também, para deixar o relato mais emocionante. Afinal, fofoca não é nada sem certo clima que insinue que há algo de podre, já que a informação em si nunca tem relevância.

Aliás, fofoca é sempre feita em torno de informações da mais alta irrelevância. Por que, então, perder tempo repassando-as para frente? Pelo prazer de contar algo que os outros não sabem e – aí entra a maldade humana – pelo prazer de relatar algo que inferioriza alguém. A vítima da fofoca é sempre inferiorizada. Aos olhos do mundo, a gerente do Fi­­nanceiro não parecerá mais poderosa porque estaria sendo paquerada pelo chefe: parecerá mais frágil, mais vulgar, talvez.

O pior, como devem ter notado aqueles religiosos dos Estados Unidos, ninguém, mas ninguém mesmo, pode afirmar que não faz fofoca uma vez ou outra. Por mais consciente e cuidadoso que seja, aqui ou acolá a pessoa deixa escapar uma "informação" que não tem utilidade ou razão de ser, afora a curiosidade que provoca.

Claro, há diferentes categorias de fofoqueiros. Há os fofoqueiros compulsivos, que se interessam pela vida alheia e, principalmente, em falar dos outros, por conta de algum desvio de personalidade ou caráter. Há também fofoqueiros ocasionais, que são tentados a falar o que não deveriam quando testemunham, ou pelo menos percebem, uma situação que ninguém mais percebeu – é quase um "desperdício" guardar só para si uma história tão interessante. E há os bem-intencionados que resistem quase sempre e só sucumbem à tentação de vez em quando. Mas, na hora de falar da vida do outro, todos nos igualamos. Não há intenções nobres que minimizem a situação: abri a boca para falar da vida alheia = fiz fofoca.

Infelizmente os sermões (chamavam-se "cartas à comunidade") dos pastores americanos não apontavam nenhuma saída definitiva para controlar esse comportamento. Acabei lendo todos (eram cinco, de um total de 21 cartas à comunidade). Mostram que a fofoca sempre fere alguém e deixa uma mancha de inferioridade no fofoqueiro. Aliás, sutilmente, os pastores insistem nesse ponto: você, fofoqueiro, é uma criatura lamentável, deplorável e sem força de caráter. Não prometiam aos linguarudos o fogo do inferno, mas sim a humilhação de se sentir um invejoso (sim, o fofoqueiro tende a ser invejoso) e um medíocre.

Caso eu volte a receber o catálogo da igreja e perceba nele algum sinal de que a congregação reagiu bem aos sermões, superando o lamentável (ainda que às vezes divertido) hábito da fofoca, me comprometo a publicar aqui alguns trechos inspirados. Mas adianto que, com todo respeito pela capacidade daquelas pessoas de fé lá do Norte, a missão dos pregadores é das mais árduas.

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