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Todos esperavam que a construção sobre o túmulo da família Escobar fosse a réplica de uma capela. Havia outras no cemitério, pertencentes a décadas passadas.

Hermenegildo Escobar era um homem antigo. Não abria mão do chapéu de feltro, da calça com friso impecável, do suspensório e do paletó. Se não exibia gravata, mantinha o colarinho da camisa sempre abotoado. Nem depois da morte da mulher, ele descuidou da aparência. Parece até que passou a caprichar mais.

Diariamente, ele seguia logo depois do almoço para o cemitério. Isso começou no início da construção do novo túmulo, uma semana após o enterro da esposa.

Quando o pequeno edifício tomou corpo, a primeira suspeita. Não lembrava nem de longe uma capela. E, antes do final da obra, ficou evidente que o túmulo era o modelo reduzido de uma casa com telhado de duas águas. Uma casa sem janelas, apenas com uma entrada. No momento de pôr a porta, a falação cresceu. Ela era feita de chapas de aço, com uns furos mi­­núsculos para a entrada de ar.

A pintura também foi outro capricho do senhor Hermenegildo. Escolheu a cor de alumínio, que ninguém mais usava. E algumas teorias foram surgindo.

"A mulher dele quis sempre mudar de casa, ir para uma construção mais moderna, mas o marido mantinha-se preso à casa colonial que pertencera a seus avós."

"O alumínio na parede externava o amor puro do viúvo."

"Ele mandara construir aquela casinha sobre o jazigo da família porque não deixaria descendentes. Sinalizava o fim de uma linhagem."

Ninguém se aventurou a perguntar nada ao senhor Hermenegildo, que não permitia intimidades. Ele tinha fama de agressivo, falavam de seu passado. Que no começo do casamento surrava a mulher com chicote. Havia encomendado muitas mortes de pessoas que contrariaram seus interesses. Etc.

Apesar desses boatos, era sereno e educado o homem que caminhava à tarde para o cemitério, dispensando o táxi. Com o carro próprio não ia, porque nunca aprendera a dirigir. O carro descansava na garagem desde a morte da mulher – era ela quem fazia as vezes de motorista. Alguns dizem que permaneceu com a chave na ignição e com o vidro aberto. Tudo do jeito que ela deixara.

Se o senhor Hermenegildo se revelava educado, quem o conheceu não nega que ele tivesse um olhar duro. Talvez isso despertasse tanto temor.

Assim, todos acompanhavam com interesse, mas à distância, o projeto do senhor Hermenegildo. O túmulo ficou pronto e ele continuou com as visitas. Chegava sem pressa, rondava a construção, co­­mo se estivesse inspecionando uma casa para alugar, e entrava discretamente.

Um ou outro curioso, esticando o pescoço e firmando bem as vistas, jurava identificar coisas no interior do túmulo. Estaria cheio de flores, de imagens dos antepassados, um até falou que conseguira ver crânios humanos num altar. Ali seria um templo para rituais de magia negra, falaram. Para muitos, no entanto, ele se trancava naquele local apenas para rezar pelos seus.

Os cidadãos já estavam habituados aos passeios do viúvo no início da tarde quando deixaram de vê-lo. A empregada continuou indo trabalhar na ausência do patrão. Foi ela quem avisou uma vizinha. O senhor Hermenegildo viajara sem avisar ninguém. A vizinha ainda brincou:

"Avisar a quem? Ele não tinha parentes."

E as duas riram. Mas se espalhou o caso. O bom viúvo viajara. Talvez tivesse ido visitar amigos distantes. Outros diziam que ali tinha rabo de saia. Estava em férias com alguma sirigaita.

"Desavergonhado, não faz nem um ano que a esposa morreu, construiu aquele túmulo horroroso para ela, fingiu de apaixonado indo lá todos os dias e agora de safadeza com uma amante", comentou outra vizinha.

No terceiro dia, a empregada viu que não podia ser viagem. Não levara roupa. Se tivesse dado uma fugidinha, teria voltado. Avisou então a polícia. Outros boatos. Haviam sequestrado o velho e pediam R$ 1 milhão de resgate. A empregada parou de ir à casa, entregando as chaves ao prefeito. Estava com medo dos sequestradores. E também de algum ladrão que poderia se aproveitar da ausência do dono.

Uma semana depois do desaparecimento, o zelador do cemitério sentiu um cheiro forte ao passar pelo túmulo da família Escobar. Ele conhecia muito bem aquele odor. Era de defunto. E estava já bem podre.

A notícia se espalhou pela cidadezinha. O senhor Hermenegildo se matara dentro do túmulo. Tinha tomado veneno. Não, diziam outros, foi um tiro no céu da boca. Ele sempre andava armado.

Em poucas horas, juntou uma multidão em torno do jazigo. Alguns usavam lenços para proteger o nariz. O delegado chegou com dois soldados e uma picareta. Rapidamente, arrancaram a porta de aço.

O interior do túmulo não tinha quase nada, nem o nome dos mortos. Apenas um banco de alvenaria, com um colchonete revestido de napa azul. Sobre ele, deitado de costas, o senhor Hermenegildo morto, os ossos do rosto já visíveis sobre a carne apodrecida. Usava gravata. E sapatos novos e brilhantes.

O médico da cidade disse que, pela expressão e posição do cadáver, tinha sido um enfarte.

Uma mulher que estava no meio do tumulto, concluiu:

"Ergueu este cômodo para poder dormir algumas horas ao lado da esposa."

Bem nesta hora, o delegado man­­dou que todos voltassem imediatamente para suas casas.

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