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Bataclan, fantasiado de borboleta 88, fazendo propaganda de cigarro em campo de futebol, em 1937 |
Bataclan, fantasiado de borboleta 88, fazendo propaganda de cigarro em campo de futebol, em 1937| Foto:
  • Pé Espalhado fazendo pose para fotografia no Passeio Público, em 1936
  • Cercado instalado na escada da porta da agência bancária, na Boca Maldita
  • A escada da porta do banco voltou a servir o pessoal, que ali se abanca até hoje. As fotos são do final da década de 1970
  • O cercado foi transformado em galinheiro pelos frequentadores da Boca

Que nós curitibanos somos fechados todo mundo sabe, predicado mui destacado pelos forasteiros que aqui resolvem se alojar. Entretanto, não é bem assim. O humor curitibano, a gaiatice e a gozação estão presentes nas mais diversas aprontações – quer individual, quer coletiva.O passado está cheio de figuras folclóricas, gente simples que se divertiam e divertiam quem deles se acercasse. O negro Pé Espalhado foi um deles. Humilde prestador de serviços, era fissurado num guardamento e, defunteiro por excelência, não perdia um; principalmente durante a noite. Prestativo – arrumava as flores, aparava os pavios das velas –, fazia uma boca no café com mistura. Em geral os velórios eram realizados nas casas dos falecidos. Pé Espalhado adorava ficar na porta de entrada dos corredores escuros, cumprimentando os que chegavam.

– Cuidado com o degrau! Quem ia entrando, para não tropeçar no tal degrau, ia arrastando os pés... ao chegar junto do falecido, descobria que não passara por nenhum degrau. Lá estava o gaiato na porta, sempre prestativo, avisando os chegantes sobre o dito degrau. No enterro, o Pé Espalhado se encarregava de levar a coroa mais vistosa que existisse.

Conheci o Pé Espalhado e mais um seu auxiliar, também negro, quando trabalhavam como limpadores de chaminés. Ambos de fraque e cartola, tudo mal-ajambrado em cima de seus corpos, eram Charlie Chaplin e Buster Keaton em versão ébano. Cheguei a presenciar uma de suas operações limpa-chaminés.

Como ferramentas portavam uma porção de traquitanas, além de uma longa escada. A intervenção começava pelo fogão, dali partiam para o lado de fora junto ao respiro da chaminé. Cutuca com ferro, põe fogo em jornal e nada de desentupir a chaminé que estava travada pelo picumã. Pé Espalhado fica em baixo e manda o auxiliar subir ao telhado com um paralelepípedo amarrado na ponta de uma corda.

Lá no alto, o ajudante segura a pesada pedra na boca da chaminé. – Largo?

E o Pé, aqui em baixo, grita: Larga! Largou. Quando a fuligem do picumã se dissipou tudo estava negro igualzinho ao Pé Espalhado. A dona da casa, que, curiosa, acompanhava e fiscalizava o serviço, ficou irreconhecível, toda negra de fuligem.

Pronto, dona! A chaminé está desentupida e acabou o nosso serviço. Acabou o serviço? O corridão que a dupla levou foi digna de um filme de pastelão. Até hoje, passados mais de 60 anos, quando lembro da cena me dá ataque de risos.

Outra figura negra que divertia o curitibano com suas peripécias era o Cândido José dos Santos. Nascido em Santa Catarina e radicado no Rio Grande do Sul, fazia suas incursões por Curitiba nos anos 1930-40 como propagandista de rua, na época designado como reclamista. Ainda na década de 1970, frequentou a cidade como adepto vegetariano e da cultura física. Cândido se destacou na década de 1920 no Rio de Janeiro, no teatro com a Companhia de Revista Negra Bataclan. Foi com o apelido de Bataclan que ficou sendo conhecido. O atleta-propagandista morreu em 1990, vítima de um derrame.

Para não ficar muito extensa esta nossa história de gozações e pilhérias, vamos citar um fato mais recente, acontecido na Boca Maldita há uns vinte e tantos anos: Uma agência de atendimento 24 horas tinha, e ainda tem, na sua entrada uma escada com três degraus que o pessoal que ali frequenta ainda usa para se abancar, ou simplesmente sentar. Por ser ali um banco, não o de sentar, os acomodados estavam atrapalhando o fluxo dos correntistas.

Algum aspone bancário resolveu acabar com aquele poleiro de indolentes, fazendo um cercado com grades de ferro. Aqui ninguém mais deposita o seu traseiro, deve ter pensado o solerte funcionário.

Boca Maldita, quem não tem o que fazer faz ali. Passados dois dias apareceu uma galinha dentro do cercado, bem servida de milho e água. Zás-trás, Sim-Sala-Bin! O cercado desapareceu, a galinha também. Dizem que o Ali Chaim a transformou num suculento guisado. Hoje, quando se passa por ali, o pessoal continua ocupando os degraus para descansar. Ah! Um aviso! O local ficou conhecido como Rampa de Lançamento, pois a maioria que ali descansava hoje descansa na glória do Senhor.

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