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| Foto: Divulgação/Site pessoal

Abro o site da BBC e reencontro, encantado, a história do músico americano Daryl Davis, personagem que conheci há alguns anos ao assistir a um documentário sobre pessoas que dedicam a vida a fazer coisas extraordinárias. Davis é, realmente, extraordinário: um homem negro nascido e criado no sul dos Estados Unidos, que há mais de 20 anos colocou como missão pessoal o diálogo, veja só, com os membros da Ku Klux Klan.

A simples perspectiva de propor diálogo a um opressor desse nível é, per se, algo digno do maior respeito, muito mais se pensarmos que a resposta mais simples, direta e historicamente justificável à opressão é a da reprodução da retórica e da prática opressiva. A velha irresistível vontade de fazer chover enxofre sobre aqueles que nos fazem sofrer.

A “cortesia precisa” é uma atitude de seriedade e serenidade em relação ao tema e aos interlocutores

Davis, porém, não segue o padrão histórico. Não incorpora uma postura belicosa, o que causa espanto e indignação em brancos e negros de sua comunidade. Ele se comporta mais como um filósofo dado à maiêutica. Quando encontra o ambiente propício – como, coisa interessante, nos encontros da própria KKK dos quais é convidado a participar –, assume o que define como “cortesia precisa”, uma atitude de seriedade e serenidade em relação ao tema e aos interlocutores.

A partir daí, escuta os argumentos e, quando se depara com coisas com que não concorda, como a ideia de que os negros seriam “naturalmente” menos inteligentes ou mais agressivos que os brancos, pede apenas ao outro que explique melhor o ponto de vista. E é aí, muitas vezes, que surgem as fragilidades, que podem redundar tanto em explosões de fundamentalismo da parte expositora – picos causados pela percepção da fraqueza dos próprios argumentos, que são recebidos com tranquilidade por Davis – quanto, mais raramente, em uma abertura a uma reflexão mais sofisticada sobre o tema. Esses são os momentos de ouro, que, ao longo do tempo, têm levado um número não desprezível de antigos “homens da Klan” a trocar a crença supremacista por uma perspectiva mais humana. Um grupo que, se fosse peitado à moda clássica de “olho por olho”, não moveria um grão de mostarda das próprias crenças.

Daryl Davis, enfim, fornece uma estratégia válida para a superação de um problema que há séculos é fonte de grande sofrimento; e, de quebra, deixa uma lição bacana – de disposição ao diálogo, cortesia precisa, serenidade e paciência – para a lida com as diatribes medíocres em que nos envolvemos todos os dias.

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