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O universo jurídico e seus dilemas parecem entrar de vez no rol de especulações apaixonadas da opinião pública brasileira, ampliando seu vocabulário e preocupação. Descobre-se a importância de direitos e de seus limites, de processos e de tribunais, não apenas nas desdobras infringentes do mensalão, mas em acalorados debates acerca de poodles a beagles, de mascarados trogloditas às biografias não autorizadas, a abarcar as mais diversas contendas. E não é sem dor que se vai constatando que a democracia deve ser um regime de leis e não de pessoas.

Ainda com algum assombro, constata-se que direito também implica normas internacionais, de eventual feitura externa, pois não elaboradas por nossos legisladores, mas igualmente a vincular-nos, tanto pessoas quanto empresas. São normas que nascem de tratados, indevidamente chamados de internacionais, em notável pleonasmo já incorporado ao dizer jurídico, pois, afinal, não há tratados nacionais.

Até 1980 o Brasil havia firmado, em toda a sua história republicana, cerca de 150 tratados. Já no ano de 2010, a Divisão de Tratados do Itamaraty registrava mais de 3 mil deles em vigor, com as mais diversas denominações e conteúdos: concordata com o Vaticano, convenções com a OIT, acordos com a OMC, decisões no Mercosul, pactos com a OEA, além de tantos tratados ordinários com os demais países. Talvez essa aceleração seja a face jurídica da globalização e seu cortejo de novidades, adensada pela crescente presença internacional dos países. E, cada vez com mais constância, toda uma gama dessas normas adentra o direito brasileiro, seguindo o rito previsto na Constituição. Uma vez incorporadas, com a publicação em Diário Oficial, passam a compor o ordenamento jurídico como se brasileiras fossem, o que soa estranho à antiga visão de mundo, com países fechados pelas muralhas da soberania.

Vivemos, por certo, o que o jurista sueco Ulf Linderfalk denominou "a era dos tratados", em que temas cruciais vão paulatinamente passando da esfera estatal à disciplina internacional, a exemplo do que ocorre com comércio, direitos humanos, meio ambiente e propriedade intelectual, dentre outras agendas do admirável mundo novo.

Sobre tribunais internacionais, sempre criados por tratados, há em voga duas ideias conflitantes, mas por igual equivocadas. A primeira confunde tribunais internacionais com tribunais estrangeiros. De fato, desde que reconhecidos, passam a ser nacionais como todos os outros, atuando como projeções das justiças nacionais para fora do território. A outra falsa impressão é a que crê em poderes supranacionais dessas cortes, como se estivessem acima de Estados, na forma de instâncias revisoras e disciplinadoras de justiças locais. À exceção do direito adotado na União Europeia, ainda claudicante e impreciso, como se verifica na crise do euro, não há de se falar de ordens jurídicas superiores àquelas estatais. Logo, a supranacionalidade não existe. Estados permanecem indevassáveis, autônomos e independentes se quiserem, contra os quais decisões não são impostas, senão adotadas por consenso e, se for o caso, por unanimidade.

Nesse sentido, é pouco provável que, no mundo real – sempre distante das aspirações românticas da academia –, Estados sejam obrigados, que cortes supremas sejam desautorizadas, que parlamentos sejam constrangidos, sem adesão voluntária ou livre cooperação. Como podemos observar, em matéria de poder, desde Hugo Grotius, um jurista pragmático como todos os holandeses, autor das linhas mestras do direito entre Estados, vigentes há 350 anos, pouca coisa de essencial mudou.

Jorge Fontoura é doutor em Direito Internacional e especialista em política externa

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