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Parece mentira que estou pisando o solo sagrado no qual as palavras mágicas do grande mestre Luis Fernando Verissimo passeiam quando ele não está em férias. Mas o destino e as fadas do dente realmente existem e esse desejo me foi realizado. Começo, então, minha reflexão domingueira com uma citação de Verissimo, para garantir pelo menos elogios a esse trecho do texto. Disse ele: "Sempre escrevemos para recordar a verdade. Quando inventamos, é para recordá-la mais exatamente".

Sou professor de História e minha prática tem dois senhores formadores, dois balizamentos fundamentais: Heródoto e Tucídides. Há entre eles diferenças que aproximam o primeiro do contador e o segundo do cientista. Para Heródoto, a história oral e o testemunho foram a base do seu trabalho, convertido em uma narrativa rica e sedutora, uma Sherazade aos ouvidos curiosos e surpresos dos jovens gregos. Tucídides, por sua vez, considerava a memória frágil, a narrativa falha e os testemunhos confusos. História, para ele, se fazia com a reconstituição crítica dos acontecimentos, fundamentados no critério de verossimilhança e por meio de uma linguagem sóbria e pertinente. Era como o acadêmico que pesquisa e expõe, demonstrando os fatos e destacando permanências e mudanças, causas e consequências, estruturas e conjunturas. Ou seja, sai o cronista, entra o analista. E a emoção, o prazer, o maravilhoso são, muitas vezes, obscurecidos pelo rigor e pela racionalidade técnica. Sai a oralidade e suas variações e entra a escrita como garantidora da versão oficial. Para Heródoto, o passado é contado para os presentes; para Tucídides, para o futuro.

Conto histórias para os presentes e parto sempre das perguntas do presente. As eleições de hoje, por exemplo, permitiram-me falar aos meus alunos sobre nossos parcos períodos democráticos, as crises de Getúlio, Jânio e Jango, o drama de Collor. Também permitiram-me falar de nossos momentos de esperança e utopia, como a anistia, as Diretas Já, a Constituição "cidadã". E conto com a cabeça nos fatos, mas um pé na crônica e outro no conto. Aumento um ponto, enfeito um pouco, amplio a tensão, dou vez ao humor de uma brincadeira ou uma frase de duplo sentido, o que é pouco diante dos tantos sentidos das coisas.

Sinto que o importante não é propriamente o conteúdo que meus alunos aprendem, mas a sensação de pertencimento a estas histórias que os envolve e motiva. Misturo um pouco o que aconteceu e o que poderia acontecer, um pouco do passado que já foi e um pouco do presente que ainda é e, portanto, está aí para ser mudado.

Não penso haver sentido em imaginar a ficção literária como uma mera "versão" dos fatos, uma "leitura" do autor e, portanto, uma referência não científica, incapaz de abordar de maneira "adequada" determinado campo de saber. O texto escrito (ou narrado em uma sala de aula) é, irreversivelmente, "literário". A narrativa que conta algo busca o encontro do ouvido ávido por sentido e graça. E, quando encontra, repercute, faz a história ganhar vida e força na cadeia de transmissão das coisas que se tornam merecedoras de replicação entre as pessoas. E vai mais um ponto ao conto. Tessituras.

Como lembrou o historiador inglês do século 19 Arthur Helps, "se você pretende compreender a sua própria época, leia as obras de ficção produzidas nela. As pessoas, quando estão vestidas em fantasias, falam sem travas na língua".

Ou seja: volta logo, Verissimo!

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