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Zapear pelos canais da TV a cabo que mostram filmes antigos pode ser uma experiência emocional. Você volta e meia é tragado por um buraco negro e cai num lugar do passado que já tinha esquecido, e o revive com uma intensidade doida. Ou doída. Foi o que me aconteceu quando dei com uma reprise de "Gilda" (Charles Vidor dirigindo Rita Hayworth e Glenn Ford) na TV, há dias. Meu tombo no passado foi longo, não vou dizer de quantos anos. E cai em Caxambu, Minas Gerais. Onde o único cinema da cidade – já que se tratava de uma cidade turística, uma estação de águas – não seguia com muita rigidez as leis da censura da época, e onde, portanto, pela primeira vez vi um filme proibido até 18 anos. Era "Gilda".

Grande sensação. "Nunca houve uma mulher como Gilda" era a principal frase promocional do filme. Diziam que Hollywood nunca fizera um filme como "Gilda" também. Era ousadíssimo. Tinha cenas "fortes". Falava-se até numa cena de "strip-tease" da Rita Hayworth. Não preciso dizer que entrei no cinema em grande estado de excitação premonitória. Ver um filme "até 18", eu que ainda não vira um "até 14", que mal podia ver os "até 10", era um feito de sonho. Senti que depois daquilo eu não seria mais o mesmo. Que estava entrando para uma ordem privilegiada. Que os signos e os segredos da nova ordem me seriam revelados durante o filme – e ai se eu contasse para os da minha idade o que se passava num "até 18".

Durante dez, quinze minutos, nada acontecia no filme que merecesse ser escondido das crianças. E então aparecia a Rita. Antes de entrar no seu quarto, o marido, que quer apresentá-la ao Glenn Ford, pergunta "Gilda, você está decente?". E ela faz a mais sensacional entrada em cena, e na iconografia do século, de uma atriz, apenas levantando o tronco e a cabeça para ocupar a tela e dizendo "Eu?". E depois que vê o Glenn Ford: "Sim, eu sou decente", uma frase que passa a desmentir pelo resto do filme. Com a Gilda na tela o cinema não era, decididamente, um lugar para menores de 18.

E ainda tinha o "strip-tease". Com o vestido tomara-que-caia mais tomara-que-caia de todos os tempos, Gilda canta e dança e começa a tirar a roupa. Primeiro, lentamente, uma luva, depois... Bom, só tira a luva. Quando pede para alguém da platéia ajudá-la a abrir o zíper do vestido a dança é interrompida e o resto do "strip-tease" acontece na imaginação do espectador. Pelo menos aconteceu na minha.

Nos longos anos que separam o "Gilda" visto há dias do "Gilda" visto em Caxambu mudou a moral, mudaram os costumes e mudaram as crianças, mas nenhuma mulher ficou nua na tela como a Rita Hayworth não ficou. Nunca houve e nunca haverá outra mulher como Gilda.

Tchau

Vou tirar férias. Sem foguetes, por favor. Volto no dia 2 de novembro.

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