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A sessão, que teve início na quarta, julgou o direito da mulher de optar por interromper a gravidez de feto anencéfalo | José Cruz/ABr
A sessão, que teve início na quarta, julgou o direito da mulher de optar por interromper a gravidez de feto anencéfalo| Foto: José Cruz/ABr

Saiba como cada ministro se posicionou sobre os fetos anencéfalos

Após dois dias e cerca de 13 horas de discussão, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram, por oito votos a dois, pela descriminalização do aborto em caso de fetos anencéfalos. O julgamento foi realizado nas tardes de quarta (11) e desta quinta-feira (12).

Antes do início das votações, na manhã de quarta-feira, o ministro José Antonio Dias Toffoli se declarou impedido de votar porque quando era advogado-geral da União, manifestou-se favorável à interrupção da gravidez no caso de anencéfalos. Na sequência, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, também defendeu o direito de as gestantes interromperem a gravidez nos casos em que há fetos anencéfalos.

O ministro e relator do processo, Marco Aurélio Mello, foi o primeiro a proferir sua decisão, favorável, após ler o relatório do processo. O ministro foi favorável à interrupção da gravidez no caso de fetos anencéfalos, mas esclareceu que a decisão deve deixar escolha para a gestante. Segundo ele, motivos religiosos não devem interferir nas demais decisões. Já na parte da tarde, a ministra Rosa Weber retomou a sessão e seguiu a decisão do relator do processo, dando mais um voto favorável à descriminalização do aborto em casos de fetos sem cérebro. Segundo ela, a manutenção da gravidez "viola o direito fundamental da gestante, já que não há direito à vida nesses casos". A ministra defendeu ainda que a interrupção da gravidez, nesses casos, não deve ser interpretada como aborto.

O ministro Joaquim Barbosa não fez a leitura de seu voto, mas antecipou sua decisão, também favorável à interrupção da gravidez.

O ministro Luiz Fux foi o quarto a votar, com decisão favorável à interrupção da gravidez de fetos anencéfalos. Fux argumentou não ser justo condenar uma mulher à prisão por decidir interromper a gravidez de um feto com quase nenhuma chance de sobrevivência. Atualmente, o aborto é legal somente quando a gestação resulta de estupro ou coloca em risco a vida da gestante. Fora essas situações, a mulher pode ser condenada de um a três anos de prisão, e o médico, de um a quatro.

"É justo colocar essa mulher no banco do júri como se fosse a praticante de um delito contra a vida? Por que punir essa mulher que já padece de uma tragédia humana?", indagou. "O aborto é uma questão de saúde pública, não do direito penal", acrescentou.

Na quinta a proferir seu voto foi a ministra Cármen Lúcia. "É a escolha do possível dentro de uma situação extremamente dolorosa. Quando se faz uma escolha dessa, não é fácil, é uma escolha trágica sempre", disse.

Na sequência, o primeiro voto contrário à descriminalização do aborto nesses casos foi o ministro Ricardo Lewandowski, que afirmou que qualquer decisão envolvendo tema de tamanha relevância e complexidade deveria ser precedida de um amplo debate público e submetida ao crivo do Congresso Nacional. Ele também disse que já há dois projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional a respeito da interrupção da gestação nesses casos.

Segunda parte da sessão

Na tarde de quinta-feira, o julgamento foi retomado com o discurso do ministro Carlos Ayres Britto, que seguiu o voto da maioria da Corte e se disse favorável à interrupção da gravidez em casos de fetos anencéfalos. Ele justificou sua decisão afirmando que, em casos de gravidez de anencéfalo, o que a mulher carrega no ventre é um natimorto cerebral, sem expectativa de vida extrauterina. "Se os homens engravidassem, a interrupção da gravidez de anencéfalo estaria autorizada desde sempre", disse.

O ministro ainda reforçou que nenhuma mulher será obrigada a interromper a gravidez caso esteja gerando um feto anencéfalo. "Levar esse martírio às últimas consequências, contra a vontade da mulher, equivale a tortura, a martírio cruel", disse.

Na sequência, o ministro Gilmar Mendes, que também deu seu voto favorável, justificou sua decisão lembrando que esse caso se assemelha ao aborto em caso de estupro, autorizado pela lei, porque visa proteger a saúde psíquica da mulher. O ministro ainda citou que, dos 194 países vinculados à ONU, 94 permitem o aborto quando verificada a ausência parcial ou total do cérebro.

O ministro Celso de Mello foi o penúltimo a proferir seu voto, favorável à interrupção da gravidez, e justificou que a questão não pode ser tratada como uma disputa entre "fé e razão". Segundo ele, "a presente controvérsia jurídica não pode nem deve ser reconhecida como disputa entre Estado e Igreja, entre fé e razão, entre princípios jurídicos e teológicos", disse. Mello ainda reiterou que a decisão dos ministros não autoriza práticas abortivas. "Não estamos com esse julgamento legitimando a prática do aborto. Essa é outra questão que eventualmente poderá ser submetida a essa corte", afirmou. Após o voto do ministro Celso de Mello, a Corte interrompeu o discurso do ministro Cezar Peluso para discutir sugestões de como viabilizar o aborto em casos de anencéfalos. Mello e Gilmar Mendes sugeriram que o Ministério da Saúde e o Conselho Federal de Medicina adotem medidas que viabilizem o aborto nos casos de anencefalia, para as mulheres que fizerem esta opção. Para eles, é necessário que haja certeza na identificação do problema e de que o médico que fará o aborto não seja o mesmo que fez o diagnóstico.

O ministro Cezar Peluso, que preside a corte, foi o último a dar seu voto, e ressaltou que esse foi o julgamento mais importante da história do STF. Peluso justificou a decisão contrária à descriminalização do aborto em casos de fetos anencéfalos dizendo que a vida humana não pode ser "relativizada" segundo "escala cruel" para definir quem tem ou não direito a ela. "O feto anencéfalo tem vida e, ainda que breve, sua vida é constitucionalmente protegida".

Discussão final

Após o final da votação, que terminou com oito decisões favoráveis e duas contrárias à descriminalização, os ministros começaram a discutir se deviam ou não recomendar que o Ministério da Saúde e o Conselho Federal de Medicina adotassem medidas para viabilizar o aborto nos casos de anencefalia para as mulheres que optassem pela interrupção da gravidez.

Segundo alguns ministros, o importante é ter certeza na identificação do problema e que o médico que fará o aborto não seja o mesmo que fez o diagnóstico.

"Podemos nesse caso, se não legitimarmos a cautela, legitimar verdadeiros açougues", afirmou Gilmar Mendes, que propôs exigência de atestado de anencefalia assinado por dois médicos que não sejam o mesmo responsável pelo aborto do feto e, além disso, o consentimento da gestante por escrito. O ministro Luiz Fux, porém, defendeu que o Supremo tem que se ater ao que é objeto do julgamento e não definir detalhes sobre a aplicação da decisão.

Após o debate, Peluso proclamou o resultado do julgamento, em que a Corte decidiu que aborto de feto sem cérebro não é crime.

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