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Com veto a jogos violentos, Senado quer regulamentar esportes eletrônicos
| Foto: Bigstock

O mercado de games vem crescendo exponencialmente no Brasil e no mundo, já superando a soma do que é movimentado pela indústria da música e do cinema, por exemplo. E as competições de esportes eletrônicos, os e-sports, contribuem, e muito para esse crescimento. Milhões de pessoas estão envolvidas em competições profissionais ou amadoras, equipes e, até torcidas. E o Senado está de olho neste público. Tramita, desde 2017, projeto de lei para regulamentar os e-sports no Brasil, reconhecendo-os como um esporte tradicional e seus praticantes, como atletas. Entre as questões polêmicas, o veto a jogos considerados violentos e a criação de federações.

De iniciativa do senador Roberto Rocha (PSDB-MA), a proposta prevê, ainda, o reconhecimento de federações e confederações como organizadoras das competições. Emenda apresentada ao projeto ainda veda o status de esporte para jogos considerados violentos, como os de tiro. A proposta aguarda apenas a aprovação de emenda de redação nas comissões para ser apreciada pelo plenário, mas a senadora Leila Barros (PSB-DF), que se tornou uma porta-voz da comunidade gamer durante a tramitação, tenta fazer com que a Comissão de Assuntos Econômicos discuta o projeto.

Em 2018, os games se tornaram globalmente mais lucrativos que a indústria cinematográfica e a indústria musical combinadas: foram US$ 138 bilhões em receita ao redor do mundo naquele ano, segundo a Newzoo, instituto global de pesquisa focado em games e e-sports. De acordo com esses dados, o cinema alcançou a marca de US$ 42 bilhões, enquanto a indústria musical obteve uma receita de US$ 19 bilhões no mesmo período.

Ex-atleta de vôlei, Leila Barros afirma que é preciso aprofundar o debate antes que qualquer regulamentação do esporte eletrônico seja feita no Brasil. “Em geral, a comunidade gamer desaprova qualquer tentativa de regulamentação. Eles entendem que o Estado quer interferir em uma atividade que está consolidada e funcionando muito bem. Não podemos criar algo que engesse o crescimento do setor. Ele gera empregos e aquece a economia”, sustenta.

Burocracia e federações

O ponto principal do projeto é o reconhecimento das competições de jogos eletrônicos como uma modalidade esportiva e de seus praticantes como atletas. Mas mesmo essa medida, que poderia ser benéfica à comunidade gamer, por facilitar, por exemplo, patrocínios e acesso a leis de incentivo ao esporte, por exemplo, não é consenso entre jogadores, produtores de jogos e organizadores de competições. Assim, vincularia o esporte ao Superior Tribunal de Justiça Desportiva, por exemplo, e imporia a contratação dos atletas pelas equipes via Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), com amarras burocráticas incompatíveis com os e-sports.

Já a proposição mais polêmica da proposta inicial, e que ganhou ainda mais repercussão pelo fato de o vice-presidente da Confederação Brasileira de Desporto Eletrônico, Roberto Rocha Junior, ser filho do senador Roberto Rocha, autor da proposta, é a que estabelece a Confederação e as Federações como organizadoras das competições. A comunidade gamer é contra essa vinculação a uma entidade organizadora de competições. Empresas desenvolvedoras de jogos, publicadoras, times e organizadores de campeonatos sustentam que, diferentemente do que ocorre com os esportes tradicionais, os eletrônicos são jogados numa plataforma que é um produto cuja propriedade intelectual pertence a empresas, sendo delas a responsabilidade pela organização das competições. Eles também contestam a legitimidade das confederações e federações existentes no Brasil.

Jogos violentos

Ao tramitar pela Comissão de Educação, Cultura e Esporte, o projeto ainda recebeu uma emenda do senador Eduardo Girão (Podemos-CE) para impedir que jogos violentos sejam considerados como e-sport. Jogos táticos de tiro, como Rainbow Six e Counter-Strike são algumas das principais modalidades de esportes eletrônicos. Ao propor a emenda, Girão ligou a prática de jogos violentos a casos de massacres cometidos por adolescentes.

Em audiência pública, jogadores apresentaram diversos estudos mostrando não haver relação entre jogos e atos de violência. Além disso, os jogadores mostraram que jogos de tiro só podem ser praticados por maiores de 18 anos. A emenda foi mantida.

Antes de começar a pandemia, o senador Roberto Rocha deu entrevista à Gazeta do Povo para explicar melhor o projeto:

Qual o objetivo do senador em apresentar a proposta?

Roberto Rocha: Estabelecer uma segurança de integridade para o mercado institucional do e-sports, muito em especial para o atleta e os times que entendam que deverão estar incluídos no e-sports institucional, e isso não os impedirá de maneira alguma continuarem nos seus eventos privados.

As emendas apresentadas não desvirtuam a proposta inicial?

Roberto Rocha: Algumas emendas apresentam propostas que interferirão possivelmente num melhor aproveitamento do status do atleta no esporte eletrônico institucional, mas estamos trabalhando para resolver de maneira melhor esse ponto. Ressalto que o projeto original é completamente democrático, estava aí desde 2017 e todos tinham ciência e isso foi noticiado nas mídias desde aquele ano. Ele é neutro, não favorecendo de maneira alguma essa ou aquela entidade, atleta ou time.

Como vê a tentativa de restringir os jogos de tiro, por exemplo?

Roberto Rocha: Esse é um assunto bastante polêmico entre alguns senadores. Existem estudos, inclusive de mais de década de acompanhamento de jovens feita pela Universidade de Oxford, que comprovam a não influência negativa de jogos na formação do caráter dos jogadores. Estamos falando de regulamentação do esporte eletrônico de alto rendimento e não da liberação ou não de jogo A ou B. Existe uma confusão em relação ao que é jogo e ao que é e-sport. Estamos trabalhando para elucidar qualquer dúvida que algum parlamentar possa ter em relação a isso.

A regulamentação não burocratiza demais uma atividade que vem funcionando bem autorregulamentada? Mesmo questões simples do projeto inicial como o reconhecimento como esporte e o dos praticantes como atletas, não podem causar situações como a submissão ao STJD, vinculação á CLT?

Roberto Rocha: O ponto de vista da autorregulamentação é para qualquer categoria, e não há burocratização, pois nada muda para quem já pratica. Pelo contrário, tanto os praticantes que serão federados, quanto os que não desejam se federar ganham com isso, pois são assim reconhecidos como atletas. Não há burocracia em se reconhecer alguém pelo que ele faz por direito. E muito menos cria qualquer vínculo com o reconhecimento. Há uma tremenda desinformação quanto a essa questão. Se submete ao STJD e à Câmara de Resolução de Litígios e o que mais existir em qualquer categoria desportiva somente e tão somente aqueles que pertencem ao sistema Federativo e em especial e exclusivamente quando atuantes nos eventos dessas instituições federativas. Os eventos privados, sejam eles quais forem, permanecem como são – privados – e não se submetem a ninguém ou qualquer órgão se não aqueles já submetidos da justiça normal.

E a exigência à submissão a federações e confederações? Não seria mais natural que as empresas produtoras dos games organizem as competições?

Roberto Rocha: Como poderia haver submissão? Outra desinformação ou omissão de fatos. E os fatos são: constitucionalmente há livre associação, afilia-se ao sistema confederativo/federativo quem desejar. Qualquer Confederação ou entidade dessa categoria de qualquer esporte somente tem autonomia perante seus afiliados, membros e eventos. Assim como qualquer outra empresa de eventos e não necessariamente a produtora. Correto? Além das desenvolvedoras/publicadoras, outras empresas diversas, shopping centers, programas de tv e centenas de empresas diversas fazem eventos de e-sports, as federações/confederações farão e já fazem o mesmo, estão na mesma seara.

O fato de o filho do senador ser vice-presidente da confederação não tira a credibilidade da proposta?

Roberto Rocha: Felizmente como se vê, o "filho do senador" em nada teve a ver com o projeto de Lei que foi iniciado em 2015 em um estado de nossa federação, e diga-se de passagem já temos o projeto de lei, sancionado em 6 estados diferentes, portanto o nosso é a nível federal. Certamente é uma alegria tê-lo dentro de uma confederação, legítima, legalizada, dentro do que é necessário e exigido no sistema nacional do desporto brasileiro e com total infraestrutura, e em nada interfere, só agrega ao PL mais conteúdo e propriedade. Orgulho para mim como pai e para ele como filho. E esse senador jamais carregou para qualquer evento, menos ainda em espaço público do legislativo, uma única entidade, e, se assim quiséssemos, iriamos convidar a todos igualitariamente, mesmo sabendo distinguir as diferenças entre uma confederação devidamente formada e legitimada de outras que ainda caminham nesse sentido.

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