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 | Henry Milleo/ Gazeta do Povo
| Foto: Henry Milleo/ Gazeta do Povo

Os desafios da nova Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres de Curitiba não podem ser subestimados. Recém-criado por decreto pelo prefeito Gustavo Fruet (PDT), o órgão tem pouca autonomia administrativa e financeira – "o orçamento é zero", diz a nova secretária, a ex-vereadora e presidente do PT em Curitiba, Roseli Isidoro.

Também não possui sede e por enquanto ficará no mesmo local onde funciona o Conselho Municipal da Condição Feminina, no Centro Cívico. E deve, nos primeiros anos, elaborar projetos para concorrer em editais com órgãos que já existem há mais tempo, já que Curitiba foi a última capital brasileira a criar uma secretaria da mulher.

A nova secretária terá de lidar, já no início, com o problema da violência doméstica. Em janeiro, veio à tona o caso de uma mulher vítima de estupro coletivo cujo atendimento foi negado pela Delegacia da Mulher da capital.

Curitiba também não aderiu ao Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher, e portanto não recebeu recursos da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) do governo federal. Para ter acesso a convênios, é preciso protocolar a adesão e enviar projetos.

Em entrevista à Gazeta do Povo, Roseli prometeu elaborar projetos com o intuito de angariar verbas com o governo federal, por meio da SPM. Entre as promessas estão uma nova casa-abrigo, dois centros de referência para atendimento de mulheres vítimas de agressão, mais capacitação de profissionais da prefeitura que atendem os casos e a criação de um protocolo de atendimento para acompanhar as denúncias e compilar informações.

Qual será o foco da secretaria neste primeiro momento?

Vamos aderir ao Pacto Na­­cional de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher e seguir as diretrizes apontadas pelo governo federal na área, firmando um compromisso na área de combate à violência contra a mulher, que tem deixado a desejar. Na audiência que tivemos com a ministra da SPM, eu propus um projeto de modernização da rede de atendimento à mulher em situação de violência, porque, apesar de haver essa rede, eu percebi que há lacunas neste trabalho, pois ela opera sem que os órgãos conversem entre si. E há falhas já na porta de entrada, seja na unidade de saúde, seja na delegacia da mulher. Não há um acompanhamento desta mulher, para saber o que ocorreu depois da denúncia. Faltam informações. Aliás, muitas vezes ela chega com a denúncia de ameaça e há um processo de ‘desestímulo’ no registro ou na representação.

Qual sua análise sobre a forma como a delegacia vem conduzindo os trabalhos, em especial depois da denúncia de que uma vítima de estupro coletivo não foi atendida pelo órgão?

Eu falo como leiga, mas acho que quando a delegacia, ao receber uma denúncia, remete o caso a uma Delegacia de Furtos e Roubos e diz que isso é principalmente uma questão patrimonial, é um equívoco. Discordo totalmente da delegada Maritza [Haisi, titular da Deam] nesse ponto. Ela deve ter seus argumentos do ponto de vista legal, questões de encaminhamento e hierarquia, mas a mulher deveria ter sido atendida mesmo assim.

Qual é o diagnóstico que você faz da rede como um todo, não só da delegacia?

Quando conversei com pessoas da rede, me pareceu que tudo é muito positivo, que é um mar de rosas. Mas quando converso com as mulheres que dependem da rede, o cenário é outro. Eu visitei uma mulher que foi violentada, e ela me disse que o atendimento na delegacia, no IML, até o atendimento por psicólogos na FAS [Fundação de Ação Social, da prefeitura] é deficiente. E ela é uma mulher esclarecida, de classe média. Imagine como deve ser quando a mulher é menos favorecida do ponto de vista econômico e da informação.

Qual sua avaliação sobre o Centro de Referência de Atendimento à Mulher?

A estrutura está bem deficitária. Hoje, o centro é administrado pelo estado e a prefeitura garante o atendimento psicossocial. Sabemos que há demanda, por isso queremos criar mais centros, sob a administração do município.

E quantos centros seriam? De onde viriam esses recursos?

Seriam dois, e já há sinalização do governo federal quanto a isso. Depende do envio de projetos da nossa parte. Seria um na Região Sul, que é onde se concentra a maioria dos registros de casos violentos, e outro na Região Norte.

E quanto às casas-abrigo? Hoje, muitas mulheres têm de fugir para se esconder dos maridos, enquanto a lei garante que sejam protegidas nesses locais.

Os editais para o envio de projetos abrem no dia 1.º de março, e eu pretendo registrar um projeto em relação a uma casa-abrigo e aos dois centros, além de outros dois, um que trate da capacitação de pessoal e outro que crie uma ouvidoria municipal, que eu pretendo criar em parceria com as universidades, que têm experiência na área de coleta de dados. A SPM me colocou que serão liberados em torno de R$ 300 mil para cada projeto.

Como você lida com o machismo que ainda existe nos partidos, mesmo os de esquerda? Como convencer os colegas secretários sobre a importância da secretaria?

Já conversei com outras secretarias e mostrei que ela será uma articuladora dos programas que se dirigem à mulher. A secretaria não pode ser vista como uma ameaça, mas como uma parceira em relação aos programas que são voltados às curitibanas e que não estão tendo resultado.

Qual é o orçamento para a secretaria? Criar uma secretaria já simboliza algo, mas não pode ficar só no papel.

O orçamento é zero. Eu tenho tentado deixar claro que a secretaria foi criada por decreto e que é necessário mandar um projeto de lei à Câmara de Vereadores para que ela passe a fazer parte da estrutura da prefeitura e tenha maior segurança, já que decreto pode mudar, mas com uma lei é mais difícil.

Onde a secretaria vai funcionar? E quais as áreas prioritárias de atuação?

A princípio, a sede funcionará no Palácio Garibaldi, ali no Largo da Ordem. Isso é o que foi acordado com a Secretaria de Governo, à qual ainda estamos vinculados. Haverá quatro coordenações temáticas: Enfrentamento da Violência, Saúde e Educação, uma que trate da questão da mulher e o mundo do trabalho, além de uma coordenadoria de elaboração de projetos para fazer o diálogo com a SPM.

Qual sua posição em relação ao aborto?

Este é um tema polêmico e mesmo dentro do PT nunca houve e não haverá consenso. Eu sou a favor da descriminalização para todos os casos. É uma questão de saúde, de cuidado com o corpo da mulher. Por um lado, eu diria que sou contra o aborto, pessoalmente não faria. Mas entendendo e respeitando o contexto de cada mulher, eu acredito que isso tem de ser tratado como uma questão de saúde, não pelo enfoque religioso.

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