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O julgamento sobre o decreto do Conanda foi feito de forma virtual.
O julgamento sobre o decreto do Conanda foi feito de forma virtual.| Foto: Fellipe Sampaio / STF

A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) considerou inconstitucionais algumas das mudanças feitas pelo presidente Jair Bolsonaro no Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes (Conanda). Nove ministros acompanharam o voto de Luís Roberto Barroso, relator da ADPF 622, ação que questionou o Decreto nº 10.003 de 2019, que tentou mudar a composição e o modus operandi do Conselho. O único voto divergente foi o do ministro Marco Aurélio de Mello.

No ato, de setembro de 2019, Bolsonaro reduziu de 28 para 18 o número de integrantes do Conanda e definiu que os 9 representantes da sociedade civil teriam de passar por processo seletivo público. O número de reuniões do Conselho foi reduzido. Para os próximos anos, Bolsonaro definiu que os integrantes do conselho teriam direito a apenas um mandato, de dois anos, sem possibilidade de recondução.

Na época, Bolsonaro também dispensou todos os representantes que estavam no Conanda, determinação que foi revertida em dezembro de 2019, em caráter liminar, pelo ministro Roberto Barroso, já no âmbito da ADPF 622. Esses integrantes do Conanda votaram, por exemplo, a favor da autorização de visita íntima para adolescentes infratoras (a partir dos 12 anos de idade).

Em seu voto, Roberto Barroso considerou inconstitucionais as alterações do decreto, com exceção de duas: a redução de 28 para 18 pessoas no conselho e a impossibilidade de recondução ao cargo. O entendimento foi seguido pelos ministros Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Edson Fachin, Ricardo Lewandowski, Luiz Fux, Kassio Nunes Marques, Rosa Weber e Gilmar Mendes. O ministro Marco Aurélio divergiu de Barroso e não viu inconstitucionalidade no decreto de Bolsonaro – os outros ministros ainda não votaram.

Barroso critica populismo e cita “constitucionalismo abusivo”

Em seu voto, Barroso citou os conceitos de “constitucionalismo abusivo”, “legalismo autocrático” e “democracia iliberal”. A tese sobre o constitucionalismo abusivo, do jurista David Landau, diz respeito a governantes que se utilizam dos próprios instrumentos constitucionais, previstos em regimes democráticos, para enfraquecer aquela mesma democracia.

Sem citar nomes ou fazer referências diretas, o ministro critica o que considera ser uma tentativa de enfraquecer os demais poderes e modificar o ordenamento jurídico para permanecer no poder. Barroso salienta ainda a existência de líderes eleitos pelo voto popular que rejeitam discursos que protegem minorias.

“Todos esses conceitos aludem a experiências estrangeiras que têm em comum a atuação de líderes carismáticos, eleitos pelo voto popular, que, uma vez no poder, modificam o ordenamento jurídico, com o propósito de assegurar a sua permanência no poder. O modo de atuar de tais líderes abrange: (i) a tentativa de esvaziamento ou enfraquecimento dos demais Poderes, sempre que não compactuem com seus propósitos, com ataques ao Congresso Nacional e às cortes; (ii) o desmonte ou a captura de órgãos ou instituições de controle, como conselhos, agências reguladoras, instituições de combate à corrupção, Ministério Público etc; (iii) o ataque a organizações da sociedade civil, que atuem em prol da defesa de direitos no espaço público; (iv) a rejeição a discursos protetivos de direitos fundamentais, sobretudo no que respeita a grupos minoritários e vulneráveis – como negros, mulheres, população LGBTI e indígenas; (v) o ataque à imprensa, quando leva ao público informações incômodas para o governo”.

Já em sua manifestação, o ministro Marco Aurélio alegou que o decreto presidencial é constitucional, já que parte da prerrogativa do presidente da República é editar decretos. Em sua argumentação, Mello citou o artigo 84, inciso VI, alínea “a”, da Constituição Federal, na redação conferida pela Emenda nº 32/2001: “Compete privativamente ao Presidente da República (…) VI – dispor, mediante decreto, sobre: a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos”.

Mello também explicou que a legitimidade do presidente da República para editar decretos faz parte da democracia e cumpre a vontade da maioria da população manifestada pelo voto. “Significa assegurar a formação e a captação da opinião pública, para que os rumos do Estado acompanhem as manifestações da soberania popular. É a condição da própria existência. (…) A soberania popular não é, necessariamente, autora das decisões fundamentais, e sim legitimadora do papel desempenhado pelos representantes escolhidos mediante o voto em eleições periódicas, nas quais observado o sufrágio universal em processo justo e igualitário de escolha”, afirmou.

O ministro afirmou ainda que compete à Administração, mediante a atuação das pastas ministeriais, decidir sobre a organização dos colegiados e que a interpretação em outro sentido implicaria a supressão ou limitação das atribuições essenciais do chefe do Executivo.

“A República assenta-se no postulado da separação dos poderes, os quais devem, considerado o relacionamento recíproco, observar a independência e harmonia, predicados cuja adequada concretização pressupõe a atuação de cada qual na área reservada pela Constituição Federal – artigo 2º. Cumpre ter presente a tríplice reserva institucional, sob pena de não se alcançar patamar civilizatório aceitável”, prosseguiu Mello, divergindo do relator e julgando o pedido improcedente.

Carga ideológica nos conselhos impede diversidade de pensamento, diz governo

A justificativa do governo ao editar o decreto que alterou diretrizes do Conanda é que o conselho em questão, a exemplo de outros, teria uma estrutura com muito poder nas mãos de poucas pessoas que não foram escolhidas pela população e que interferem fortemente nas decisões tomadas por autoridades legalmente instituídas nas eleições. Fazem parte do Conanda representantes de diversas entidades não governamentais a exemplo da Central Única Dos Trabalhadores (CUT), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

De acordo com o entendimento do governo, há forte carga ideológica em conselhos e comissões federais, que são configurados de tal forma a não permitir a entrada de representantes da sociedade civil com ideias diferentes. Uma reportagem publicada pela Gazeta do Povo mostrou as dificuldades enfrentadas pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) para reverter o viés ideológico esquerdista de conselhos com relação às políticas para direitos humanos.

Um dos exemplos mais claros disso ocorreu em função da polêmica resolução do Conanda que autorizou visitas íntimas a menores infratores em unidades socioeducativas e permitiu que casais formados entre adolescentes nessas unidades possam permanecer “no mesmo alojamento, sendo levado em conta o direito ao exercício da sexualidade, da afetividade e da convivência”.

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