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| Foto: Pedro Serápio/Gazeta do Povo

Levante do comércio tentou impedir o calçadão

Mesmo com a tática da prefeitura para construir o calçadão, os comerciantes organizaram formas de retaliação: um abaixo-assinado e a contratação de advogado para embargar a obra. O profissional procurado se destacara um ano antes, quando conseguiu impugnar uma emenda do então governador Leon Perez contra o antigo MDB em plena ditadura militar. "Esse caso obteve uma repercussão muito grande. Fui procurado por comerciantes para entrar com uma medida contrária à pedestrianização", conta o advogado René Ariel Dotti.

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Trechos

O calçadão como se vê hoje – da Praça Osório à Presidente Faria – foi concluído apenas em 1976. Confira a data de realização de cada parte:

1971 – O projeto é finalizado.

Maio de 1972 – São realizadas obras da Barão do Rio branco até a Marechal Floriano.

Dezembro de 1972 – Continuação da Marechal Floriano até a Doutor Muricy.

Janeiro de 1973 – Avenida Luiz Xavier recebe as pedras de petit-pavé.

Janeiro 1973 – Implantação do mobiliário urbano. Os moldes serviram de base para outras construções da cidade, como a cobertura empregada nos terminais de ônibus.

1976 – Conclusão do trecho entre a Barão do Rio Branco e Presidente Faria. A praça Tiradentes recebe mobiliário urbano, incorporando-se ao paisagismo do calçadão.

1991 – Primeira grande recuperação de toda a Rua das Flores: da praça Osório à praça Santos Andrade. Adjacências, como a Monsenhor Celso, também são recuperadas.

1999 – Nova revitalização completa: da Santos Andrade à Praça Osório.

  • Operários trabalharam como raios. Resultado: obras em 72 horas, como o então prefeito Jaime Lerner desejava
  • A velocidade da obra evitou um possível embargo judicial proposto pelos comerciantes
  • Já nos primeiros dias, a XV recebeu o aval da população

Da noite para o dia, toneladas de pedras petit-pavé apareceram na Rua XV de Novembro como se brotassem da terra. Nas hábeis mãos de centenas de operários, um quebra-cabeças em preto e branco foi moldado entre a madrugada de sexta e o entardecer de segunda-feira. Havia pressa, e o motivo não eram as horas-extras. Levar a cabo a obra num fim de semana foi a estratégia da prefeitura para contornar um inevitável embargo judicial. Assim, num despiste às vozes contrárias, nascia o primeiro calçadão do Brasil, uma via exclusiva para pedestres no centro nervoso de uma cidade predestinada a revoluções urbanísticas.

Em 20 de maio de 1972, Curitiba amanheceu com novo sorriso, como se tivesse passado por uma cirurgia plástica. O calçadão da Rua XV deu início ao processo de construção da auto-estima do curitibano. Faltava, até então, algo de que se orgulhar. Os cariocas tinham o Cristo Redentor e o Pão de Açúcar; os paulistanos, a Avenida Paulista. Com um espaço pensado para o diálogo, o curitibano começou a desconstrução do estigma de frio e antipático. Tinha, finalmente, o que mostrar.

A transformação da Rua XV, ao contrário das obras, não foi intempestiva. Estava prevista havia seis anos. A lei municipal 2.828, de 1966, previa novidades que se tornariam as referências urbanísticas de Curitiba, como as canaletas do ônibus expresso, a Cidade Industrial de Curitiba (CIC), além do calçadão. Na década de 1960, o ápice dos congestionamentos estava justamente na principal via da capital. No trânsito bloqueado, os motoristas observavam dos carros as vitrines das lojas, sem descer para ir às compras. Tratava-se de uma relação platônica entre o curitibano e a Rua XV.

O trânsito congestionado refletia diretamente nas vendas do comércio, em queda livre. Ao ingressar na década de 1970, a prefeitura revelou suas intenções para a XV, estabelecendo parte da Boca Maldita como estacionamento (o Proparq). O efeito foi o oposto do esperado: sem a passagem de carros, o movimento diminuiu ainda mais. Foi um daqueles movimentos aparentemente incoerentes, mas que abrem oportunidades futuras, como em uma partida de xadrez. "Com o estacionamento, a XV parecia um deserto abandonado", lembra o arquiteto, urbanista e autor do projeto do calçadão, Abrão Assad.

Em 19 de maio de 1972, o calçadão ganhou as primeiras curvas. No baixar das portas do Judiciário, o petit-pavé ganhou a Rua XV. Ciente da contestação dos comerciantes, o prefeito Jaime Lerner levou quatro meses de conversa com o secretário de Obras para planejar a execução do projeto em 72 horas. Primeiro, queria tudo pronto em 48 horas, o secretário pediu quatro meses; depois, bateu o pé nas 48 horas, o secretário baixou para dois meses. Por fim, o consenso: 72 horas. Das ruas Barão do Rio Branco e Marechal Floriano, da madrugada de sexta à noite de segunda-feira. O calçadão completo, da Praça Osório à Presidente Faria, foi concluído em 1976.

O prefeito estava convicto de que essa demonstração já bastava para ganhar a população e calar as críticas dos comerciantes e da imprensa. "Era necessário construir rápido para evitar a demanda judicial. Caso contrário, a obra poderia ser embargada e nunca teria saído do papel", explica Lerner. "No projeto, caracterizei quadra a quadra quais seriam as vocações. Não bastava fechar a rua, era necessário implantar o mobiliário urbano e recuperar o movimento", relata Assad. Mesmo antes de ser concluída, na manhã de 20 de maio, a Rua das Flores era visitada e recebia os primeiros aplausos.

Opiniões

Em 12 de maio, a Gazeta do Povo informava sobre a remodelação da Rua XV e mostrava a intenção de transformá-la num espaço menos "sisudo", mais atrativo. Quatro dias depois, publica o editorial "Reino das Máquinas", discutindo os prós e contras da mudança para o trânsito. Até esse momento, os jornais paranaenses não aprofundavam as críticas. Matérias pontificavam o fracasso da Rua das Flores por se basear em moldes europeus. "O projeto saiu da cabeça do arquiteto. É a sua obrigação apresentar propostas inovadoras. Jamais em minha vida fiz obras baseadas em alguma coisa, a Rua XV foi concepção do nosso talento e nossa inspiração", garante Abrão Assad.

Em 18 de maio, o jornal

O Estado do Paraná faz crítica no editorial "A Nossa rua XV". Dizia o texto: "Depois de ter transformado a Rua 15 de Novembro em parque de estacionamento, os técnicos do município estão agora projetando transformá-lo numa rua-praça, avenida-jardim, ‘boulevard-logradouro’, ou coisa que o valha. E esse absurdo é justificado com argumentos pseudo-urbanísticos, falando-se muito na ‘humanização’ do centro urbano. (...) Os técnicos pretendem, em suma, presentear Curitiba com uma rua que seja uma festa. Seria conveniente, entretanto, que se perguntasse ao curitibano se ele quer realmente essa rua festiva".

Após a inauguração, o susto passou e a reação agradável da população norteou a cobertura mais amena da imprensa.

No próximo domingo, as mudanças para o comércio e o duelo atual com os shoppings.

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