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Os ministros Gilmar Mendes e Carmem Lúcia, durante sessão do STF. Plenário deve ser acionado para deliberar sobre celebrações religiosas presenciais na pandemia.
Os ministros Gilmar Mendes e Carmem Lúcia, durante sessão do STF. Plenário deve ser acionado para deliberar sobre celebrações religiosas presenciais na pandemia.| Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Kassio Nunes Marques de liberar em todo o país a realização de cultos religiosos presenciais em meio à pandemia de Covid-19 abriu uma crise na Corte em plena semana santa e feriado de Páscoa. Os demais ministros têm questionado a legitimidade da liminar do colega e estudam como levar o caso rapidamente para ser deliberado em plenário. Já Nunes Marques tenta segurar o processo em suas mãos, justamente para evitar uma derrota.

A crise foi aberta no sábado (3), quando Nunes Marques saiu na frente de Gilmar Mendes e autorizou, liminarmente, a realização de celebrações religiosas em todo o país, desde que respeitado os protocolos sanitários de combate à Covid-19, como distanciamento social e limite à capacidade de público. Ele atendeu a um pedido da Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure), que alega que a suspensão dos cultos e missas viola o direito fundamental à liberdade religiosa e o princípio da laicidade estatal.

Gilmar é relator de outros dois processos que também pedem a liberação de cultos, mas ele preferiu se manifestar somente após o feriado de Páscoa. Nunes Marques, então, liberou as celebrações em todo o país a tempo das celebrações católicas sobre a ressurreição de Jesus Cristo, comemorada neste domingo (4). A decisão vai ao encontro do que prega o presidente Jair Bolsonaro.

Na sua decisão, Nunes Marques afirmou que reconhece o contexto pandêmico, mas diz que, justamente por vivermos momentos tão difíceis, "se faz necessário reconhecer a essencialidade da atividade religiosa, responsável, entre outras funções, por conferir acolhimento e conforto espiritual”, escreveu.

A liminar, rapidamente, gerou repercussão. O prefeito de Belo Horizonte (MG), Alexandre Kalil, disse na noite de sábado que não ia cumprir a decisão. Ele voltou atrás neste domingo (4), após Nunes Marques intimá-lo a cumprir a liminar. O presidente da Frente Nacional dos Prefeitos (FNP), Jonas Donizette, pediu, portanto, que o comandante do Supremo, ministro Luiz Fux, se manifeste esclarecendo os prefeitos se eles devem cumprir ou não a determinação de Nunes Marques.

Já o decano do STF, ministro Marco Aurélio Mello, foi à imprensa criticar a decisão do colega na Corte. Outros ministros, reservadamente, também questionaram à legitimidade da liminar. "O novato, pelo visto, tem expertise no tema. Pobre Supremo, pobre Judiciário. E atendeu a Associação de juristas evangélicos. Parte legítima para a ADPF? Aonde vamos parar? Tempos estranhos!", disse Mello ao Estadão. Nunes Marques virou ministro em novembro de 2020, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro, após aposentadoria de Celso de Mello.

Dúvidas acerca da legitimidade da decisão de Nunes Marques

Os ministros têm levantado duas principais dúvidas acerca da legitimidade da decisão de Nunes Marques. A primeira é se ela contraria ou não a decisão do plenário da Corte de que estados e municípios têm autonomia para adotar medidas de isolamento social e restrição da atividade econômica para conter o avanço do novo coronavírus, inclusive definindo quais atividades essenciais podem funcionar durante a pandemia.

Segundo ministros da Corte ouvidos reservadamente pelos jornais O Globo e Folha de São Paulo, a liminar de Nunes Marques vai contra o entendimento do plenário de que os entes da federação têm sim autonomia para decidir sobre as restrições na pandemia. Esse foi o mesmo entendimento do prefeito de Belo Horizonte e da Frente Nacional de Prefeitos, que entraram com recurso.

“Pedimos ao STF e ao presidente Luiz Fux que se manifeste urgentemente, orientando qual decisão precisa ser seguida […] A decisão do plenário, que determinou que os municípios têm prerrogativa de estabelecer critérios de abertura e fechamento das atividades em seus territórios ou essa liminar?”, disse Jonas Donizette, prefeito de Campinas.

Nos bastidores, Nunes Marques tem afirmado que a sua decisão não contraria a jurisprudência da Corte, porque a autonomia não é só de estados e municípios, é compartilhada também com a União. Ele alega, ainda, que a Corte decidiu pela competência dos entes sobre determinar medidas de isolamento, mas não analisou a legalidade de cada um dos atos.

No caso de celebrações religiosas, o ministro entende que a restrição afeta a "garantia constitucional". "A lei, decreto ou qualquer estatuto que, a pretexto de poder de polícia sanitária, elimina o direito de realizar cultos (presenciais ou não), toca diretamente no disposto na garantia constitucional", escreveu.

Outra dúvida sobre a legitimidade da decisão de Nunes Marques diz respeito à Associação Nacional dos Juristas Evangélicos (Anajure), quem moveu a ação a qual o ministro se manifestou. Há um entendimento entre alguns ministros e constitucionalistas que a associação não teria legitimidade para ser a autora do pedido para liberar cultos religiosos. O partido Cidadania já pediu ao presidente do STF que derrube a decisão devido à suposta falta de legitimidade da Anajure.

A ação movida pela Anajure foi feita através de uma ação de descumprimento de preceito fundamental (ADPF). Em ocasiões similares anteriores, conforme lembrou a Folha de São Paulo, o Supremo entendeu que a associação não cumpre os requisitos necessários para questionar a constitucionalidade de leis e decretos, pois não é uma entidade de classe. Ela é formada por juristas evangélicos.

O próprio advogado-geral da União, André Mendonça, afirmou em outra ação sobre o mesmo tema (liberação de cultos religiosos presenciais durante a pandemia) que a Anajure não poderia ser parte da ADPF. Ele voltou atrás após a decisão de Nunes Marques no sábado (3).

Além desses dois principais questionamentos, o ministro Marco Aurélio questionou à Folha a urgência adotada pelo magistrado no processo. Ele afirma que decisão liminar em ação constitucional pressupõe que haja seis votos nesse sentido no plenário da Corte, caso contrário não deveria ser dada, já que não é período de recesso do judiciário nem férias coletivas.

Outro questionamento que tem sido levantado é se Nunes Marques poderia ter estendido os efeitos da liminar para todo o país, já que a Anajure tratou em sua ação dos decretos editados pelos prefeitos de João Monlevade (MG), Macapá (AP), Serrinha (BA), Bebedouro (SP), Cajamar (SP), Rio Brilhante (MS) e Armação dos Búzios (RJ) e pelos governadores dos estados do Piauí e de Roraima.

Caso deve ser decidido em plenário; resta saber quando

Fato é que toda essa polêmica deve fazer o caso ser decidido em plenário para que haja uma pacificação sobre o tema. A questão é como e quando. Nunes Marques é que tem a prerrogativa de soltar a ação para ser referendada ou derrubada pelo conjunto de ministros.

A interlocutores, segundo relatos à imprensa, o magistrado já avisou que não tem previsão para liberar o processo. Ele tem afirmado que vai aguardar parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR). Só depois deve decidir quando enviará o caso para que o presidente do STF inclua a pauta no plenário. O objetivo de Nunes Marques é evitar uma reversão da sua decisão, que atende aos interesses do presidente Jair Bolsonaro.

Gilmar Mendes pode forçar ida do processo ao plenário

Uma alternativa que tem sido estudada por ministros da Corte é forçar a ida do processo para o plenário. Para isso, bastaria que o ministro Gilmar Mendes, relator de outras duas ações sobre o tema que correm na Corte, dê um parecer diferente da liminar de Nunes Marques. Se aberta essa divergência, Fux teria autonomia para pautar o tema para ser pacificado em plenário.

Uma ação foi movida pelo Partido Social Democrático (PSD), que pediu a liberação de celebrações religiosas no estado de São Paulo. O ministro Gilmar Mendes decidiu se manifestar somente depois do feriado de Páscoa. Nunes Marques, então, aproveitou a brecha e liberou as celebrações, na ação movida pela Anajure.

A outra ação com o mesmo pedido da ação do PSD foi movida pelo Conselho Nacional de Pastores do Brasil (CNPB). O pedido conta com o apoio da Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional. Na ação, o conselho se baseia no decreto de São Paulo, mas pede que o STF avalie a situação também em outras regiões do país. Gilmar Mendes também ainda não se manifestou nesse caso.

O presidente da Corte, Luiz Fux, pode se manifestar ainda nos pedidos do Cidadania e do prefeito de Belo Horizonte. Mas, segundo apurou a Folha de São Paulo, a tendência é que Fux se abstenha e aguarde uma manifestação de Gilmar Mendes ou a liberação do processo pelo próprio Nunes Marques, já que a pressão nos bastidores é grande.

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