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Os atores José de Abreu e Wagner Moura são críticos das mudanças propostas para a Lei Rouanet.| Foto: Reprodução/Twitter e YouTube

Houve um tempo em que a ideia de democratizar o uso do dinheiro público era, ao menos em teoria, apoiada pela esquerda, que zelava por sua imagem de aliada dos setores marginalizados da sociedade. No mundo das artes no Brasil, isso parece fazer parte do passado. Nos últimos meses, o anúncio de diversas mudanças para democratizar o acesso à Lei Rouanet gerou consternação em alguns artistas, que atacaram publicamente as propostas, alegando que o governo federal pratica censura e age com autoritarismo.

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As críticas, direcionadas particularmente à Secretaria da Cultura, chegaram a ser levadas por movimentos de esquerda, em dezembro, à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que integra a Organização dos Estados Americanos (OEA), em uma audiência da qual participaram o ator Wagner Moura, a cantora Daniela Mercury e o músico Caetano Veloso. As celebridades e outros ativistas de esquerda tentaram comunicar a ideia de que artistas no Brasil estariam sendo vítimas de perseguição e censura, mas a exibição não pareceu impressionar as autoridades da OEA presentes na videoconferência, que pode ser vista no YouTube.

O secretário Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura, André Porciuncula, que também estava na live, sugere um motivo para a reação quase desinteressada das autoridades da OEA: “O sujeito está ali, normalmente, investigando assassinatos de manifestantes em Cuba, prisões arbitrárias na Venezuela, pessoas morrendo de fome com a ditadura venezuelana, e chegam o Wagner Moura, o Caetano Veloso e a Daniela Mercury com a palhaçada de que estariam sendo censurados e tendo seus direitos humanos violados”.

Nas falas dos artistas criticando mudanças na Lei Rouanet, não faltaram referências à ditadura. Daniela Mercury, por exemplo, disse que o atual governo adota uma “tática inédita, que substitui a censura direta imposta na ditadura” e “paralisa o setor cultural para barrar o acesso a financiamento e crédito, postergar a aprovação de projetos críticos ou não subservientes ao governo, e autorizar apenas aqueles alinhados com determinada pauta de costumes ou com apoiadores políticos”.

Em 2022, as críticas de artistas às mudanças na Lei Rouanet continuam. Desde o começo do ano, Porciuncula tem anunciado, aos poucos, várias novas mudanças no programa de incentivo à cultura. Na quinta-feira, por exemplo, o secretário disse que os beneficiados da Lei Rouanet terão verba para publicidade reduzida. Em meio a esses anúncios, que são feitos via Twitter, ele tem sido um dos principais alvos dos palavrões do ator José de Abreu.

O que vai mudar na Lei Rouanet?

A novidade sobre a redução na verba publicitária é a última, segundo Porciuncula, da série de mudanças que ele tem anunciado via Twitter nos últimos dias, e que ainda não foram oficializadas. Os captadores de recursos, que antes podiam destinar 30% da verba obtida pela Lei Rouanet a peças publicitárias, terão agora um limite de 5% para isso, e um teto de R$ 100 mil.

“Por muito tempo, a lei foi utilizada como uma muleta, como uma substituta do mercado. Mas a lei não serve para divulgar uma empresa ou um projeto. Ela serve para fomentar, para dar a base, o alicerce de um projeto. E não faz parte dessa base uma propaganda em massa do projeto. Nosso objetivo é que a lei atinja as classes mais necessitadas, os pequenos projetos, que não precisam de grandes mecanismos de divulgação na mídia, porque são locais, regionais, bem segmentados. Não é uma lógica de mercado, em que o marketing necessariamente faz parte. É uma lógica de fomento”, diz o secretário.

Outra mudança importante anunciada nos últimos dias é a diminuição do teto estabelecido para a maioria dos tipos de projetos beneficiados pela Lei Rouanet: a verba máxima passará de R$ 1 milhão para R$ 500 mil. Esse limite não valerá para projetos cuja natureza exija gastos mais altos, como aqueles ligados a museus, patrimônios históricos, orquestras, projetos de formação e alguns tipos de patrimônios imateriais, como certas festas tradicionais.

Porciuncula também anunciou que haverá redução no teto do cachê para artistas, de R$ 45 mil para R$ 3 mil. Questionado pela Gazeta do Povo sobre a agressividade dessa redução, que é de 93%, o secretário se justifica ressaltando que “a lei não é um substituto no mercado”.

“Qualquer coisa acima de R$ 3 mil por apresentação é muito dinheiro para 99% dos artistas no Brasil. Eu não posso ignorar 99% dos artistas para privilegiar o 1% que acha pouco R$ 3 mil reais por apresentação. Isso é muito dinheiro para a imensa, a esmagadora maioria dos artistas. Não se pode exigir que o Estado banque isso”, afirma. “Não estou falando de R$ 3 mil por mês. São R$ 3 mil por apresentação. Se a pessoa trabalhar cinco dias na semana, vai ganhar R$ 15 mil. Isso é muito dinheiro!”, acrescenta.

O secretário refuta a tese propagada por alguns veículos de comunicação de que o dinheiro da Lei Rouanet provém de empresas, e não do Estado. “Ao contrário do que se diz, o dinheiro é, sim, do Estado. É dinheiro público, sim. É renúncia fiscal, é dinheiro que iria para saúde, educação, infraestrutura, e que está indo para outra atividade, que é a cultura. O que eu não posso é substituir o mercado e bancar cachês estratosféricos.”

Outra novidade é que as empresas patrocinadoras da Lei Rouanet que destinem a partir de R$ 1 milhão ao programa de fomento serão obrigadas a destinar 10% do valor investido a projetos iniciantes. A ideia é acabar com o monopólio de empreendimentos artísticos maiores.

Porciuncula também anunciou recentemente que o valor dos aluguéis de teatro terá um teto, o que não ocorria antes. O preço máximo do aluguel será de R$ 10 mil. "Tinha um projeto aqui em que o sujeito queria R$ 2 milhões para alugar um teatro. Imagina botar R$ 2 milhões do dinheiro público em aluguel de teatro. O que estava ocorrendo era uma grande especulação financeira nos teatros por conta da Lei Rouanet, já apostando na Lei Rouanet. Isso estava elevando, inflacionando para preços completamente fora do padrão do mercado. O que a gente fez foi trazer razoabilidade."

O governo ainda vai eliminar a obrigatoriedade de contratar escritórios de advocacia para assessorar os projetos. Para projetos que optem por contratá-los, será obrigatório utilizar a tabela da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para pagar as despesas. Em dezembro, quando a Secretaria de Cultura já havia indicado a ideia de modificar a Lei Rouanet nesse ponto, a OAB entrou com uma ação contra as diversas mudanças propostas pelo governo na lei, alegando que há um “contexto de violações em série”.

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