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Francisco Neto, de 71 anos: “Quem não sabe ler, aprende a decorar”. | Giuliano Gomes/Gazeta do Povo
Francisco Neto, de 71 anos: “Quem não sabe ler, aprende a decorar”.| Foto: Giuliano Gomes/Gazeta do Povo

Paraná quer erradicar analfabetismo em 28 municípios este ano

Em todo o estado, o programa Paraná Alfabetizado pretende atingir o índice menor do que 4% de analfabetos, considerado pela Unesco, órgão da Organização das Nações Unidas que busca a excelência em educação, cultura e ciência, como referência para território livre do analfabetismo. Conforme Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílio (Pnad), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2007, 5% da população do estado sofre com a limitação de não saber ler e escrever.

O Paraná Alfabetizado se destina aos analfabetos acima dos 15 anos. Entre 2004 e 2007, o projeto foi responsável pela alfabetização de 292 mil pessoas. Desse total, cerca de 60% – pouco mais de 175 mil – têm mais de 50 anos. Os dados de 2008 ainda não foram tabulados. Neste ano, a expectativa é alfabetizar outras cem mil pessoas. "Até meados de 2009, devemos certificar 28 municípios como livres do analfabetismo", diz a coordenadora do programa, Izabel Cordeiro Ribas Andrade.

Em parceria com as secretarias municipais de educação, o Paraná Alfabetizado está presente nos 399 municípios do estado. "Onde houver pessoas analfabetas, haverá jeito de montar turma", diz Izabel. "A gestão do projeto está na Secretaria Estadual de Educação (Seed), mas há núcleos regionais que trabalham especificamente nas localidades".

Como ajudar

Para erradicar o analfabetismo, alfabetizadores são contratados pelo governo e recebem bolsa-auxílio. Para dar aulas, os profissionais necessitam de formação em qualquer curso superior e são capacitados pela Seed. No momento, há edital aberto para a contratação desses educadores.

Serviço:

Os interessados devem procurar os Núcleos Regionais de Educação, escolas estaduais ou ligar para o 0800-416200. O edital pode ser consultado nos sites www.diaadiaeducacao.pr.gov.br e www.paranaalfabetizado.pr.gov.br.

O aposentado Francisco Bernardo Pinto Neto, de 71 anos, passou boa parte da vida na cabine de um caminhão. A profissão permitiu que ele conhecesse o Brasil em larga escala, do calor abafado da Região Norte ao frio típico do Sul. Mas, durante os anos de labuta, o caminhoneiro precisou superar uma grande limitação: o analfabetismo. "Quem não sabe ler, aprende a decorar. E, quando ficava perdido, perguntava para as pessoas como fazer para encontrar determinada estrada", lembra o aposentado.

Em dezembro de 2006, Neto, aos 69 anos, superou o desafio, aprendendo a ler e escrever no programa Alfabetizando com Saúde, da prefeitura de Curitiba. O ex-motorista de caminhão faz parte de um grupo de 467 pessoas formadas pelo curso desde seu início, em 2002. No programa, os aposentados são convidados a integrar aulas de alfabetização, ministradas por voluntários. A ideia foi premiada no ano passado pela Organização das Nações Unidas para Educação, Cultura e Ciência (Unesco) e seguida em países da África.

Desde a implantação em Curitiba, os programas Educação de Jovens e Adultos (EJA), Hora EJA, Alfabetizando com Saúde, Brasil Alfabetizado e Projovem formaram 9.860 pessoas. Deste total, cerca de 6,4 mil estão acima dos 60 anos. A capital tem 133 mil analfabetos na terceira idade – 8% da população, conforme o Censo 2000 do IBGE. No Paraná, segundo a Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio (Pnad) de 2002, o número era próximo a 248 mil, representando 28% dos habitantes idosos do estado. Em todo o país, 7,9 milhões de brasileiros com idade superior aos 55 anos não sabem ler e escrever, de acordo com a Pnad 2007.

Temores

O desconhecimento das letras faz com que a vida seja cheia de limitações. Foi assim com Neto: "Eu sentia medo de chegar em um lugar e ficar perguntando as coisas porque não sabia ler. Ia conversar com os médicos e não entendia direito o que eles falavam". Mas também para aprender a ler e escrever é preciso enfrentar temores. O aposentado começou a percorrer esse caminho quando observou um grupo de idosos sendo orientado por uma professora em uma sala ao lado da Unidade de Saúde Lotiguaçú, no Uberaba. "Comecei a frequentar as aulas e foi um aprendizado gostoso. As professoras sempre deram muita atenção e o medo foi desaparecendo", relata. "Um apoia o outro e os erros passam a ensinar a gente."

Dois anos depois de formado, Neto ainda frequenta a Unidade de Saúde do Uberaba, acompanhando aulas e auxiliando a agente comunitária Cristiane de Aquino da Silva, voluntária responsável pela alfabetização. "Minha vida mudou 100% desde que aprendi a ler. É como abrir a cabeça e descobrir a existência de um outro mundo. Hoje, leio revistas, encartes de mercado e até livros", diz, orgulhoso, o ex-caminhoneiro.

Cada aluno tem razões diferentes para participar do programa, mas, em geral, são movidos pela vontade de aprender. A dona de casa Maria Gonçalves de Jesus Jardim, de 63 anos, deseja conhecer a Bíblia sozinha. "Sou católica. Queria ler o que está escrito, poder cantar conforme o que aparece nos folhetos. Ainda não sei ler, mas já aprendi muita coisa", diz. "Vou ao mercado e descubro onde estão as coisas sem ajuda e até consegui assinar o meu nome na última eleição. Foi muito bom."

Experiência de vida

A pedagoga e voluntária Adriana de Carvalho Amarante acompanha a alfabetização de idosos na Unidade de Saúde do Uberaba. Ela explica que a maior dificuldade é a formação das sílabas. "Eles conhecem o alfabeto, mas esbarram na união das letras. Com o tempo, a forma de pensar vai se tornando mais comum e as associações entre figuras e palavras são feitas", diz. Para Adriana, a diferença na alfabetização de crianças e idosos está na experiência de vida. "Eles têm história, uma bagagem grande. Nós procuramos trazer aspectos de sua vida e inserir no vocabulário", afirma. "As crianças aprendem a ler e escrever quando estão começando a viver. É um contraste bem evidente."

A agente comunitária e professora Cristiane de Aquino da Silva observa que a alfabetização proporciona uma tardia reintegração à sociedade. "Eles podem expressar suas opiniões e problemas de forma mais clara e enfrentar as situações que encontram", diz. De acordo com Cristiane, o analfabetismo não diz respeito apenas às letras, mas aos sinais presentes no cotidiano. Situações consideradas comuns pelos alfabetizados tornam-se uma dor de cabeça para quem não sabe ler, como placas de trânsito e indicações de banheiro. "Há casos em que eles não conseguem ter certeza se o desenho quer dizer uma mulher ou um homem", esclarece. "São como cegos que começam a enxergar", resume a pedagoga Adriana.

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