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No ensino jurídico reinam alguns mitos; enumero-os: (1) "os alunos das instituições particulares seriam ruins" – e, por isso, equivaleriam aos proletariados do bacharelado e da classe advocatícia que jamais alcançarão sucesso; (2) "os alunos das instituições públicas de ensino seriam ótimos" – e, por isso, teriam abertas para si todas as portas das carreiras jurídicas oficiais e da boa advocacia; (3) "as instituições públicas (principalmente as Federais, mas também as Estaduais) seriam voltadas aos menos afortunados" – por serem públicas; (4) as instituições privadas seriam reservadas aos mais ricos – por serem privadas.

Como em (quase) tudo na vida, os itens (de 1 a 4) constantes no parágrafo anterior contêm meias verdades. Acontece que todas as meias verdades têm dois lados: um consistente e outro inconsistente. Façamos as análises dos mitos: (a) não é certo – nem justo – dizer (generalizando) que os alunos das faculdades privadas de Direito seriam ruins e que equivaleriam aos proletariados do bacharelado e da classe advocatícia. Em verdade, nas faculdades privadas de Direito há alunos bons e também os ruins; (b) não se pode afirmar (generalizando) – e nem seria justo fazê-lo – que os estudantes das Federais e Estaduais seriam os detentores da exclusividade do saber jurídico. Em verdade, nessas faculdades há alunos bons e também os ruins. Por sua vez, as afirmações postas nos itens 3 e 4 do primeiro parágrafo deste artigo são falsas e perversas; por isso, acabam por corromper toda a ordem do que se espera de lógico, em termos de ensino jurídico superior, no Paraná e no Brasil.

Ocorre que – descontada a porcentagem de alunos provenientes da saudável política de cotas –, acabam por chegar, majoritariamente, aos bancos escolares das públicas os que estudaram nas melhores e mais caras instituições – privadas – do ensino fundamental e do médio, e aqueles cujos pais pagaram os mais eficientes cursinhos. Neste sentido, a realidade inverte e envenena a ordem natural dos acontecimentos no seguinte sentido: em vez de nas públicas identificarmos humildes, encontramos, em número mais elevado, os mais afortunados, fator este que coloca o ensino jurídico numa posição às avessas – e isso se deve também ao fato de que o ensino para crianças e adolescentes, nas escolas públicas, é de péssima qualidade. Essa subversão de valores implica numa realidade socialmente injusta: já que os alunos das Federais e Estaduais são aqueles que mais proteína ingeriram na vida, então são eles os que abocanham as melhores chances profissionais na advocacia e nos cargos públicos – e tudo à custa dos cofres públicos (que deveriam financiar os pobres).

Por outro lado, já que a inversão de valores parece ser uma inquebrantável realidade, aos estudantes que não passam nas públicas não resta outra alternativa: recorrem às particulares. Essas, porém – algumas vezes e por conta do sistema aqui explicado – veem-se acusadas de serem minas de ganhar dinheiro, acusação esta que pode ser outro mito – possível de ser desmentido pelos pais engajados com a educação. Esses pais devem investigar se a faculdade em que vão matricular seus dependentes: (a) paga bem seus professores (em relação ao que cobram dos alunos), constatação esta que pode ser feita com uma simples pesquisa no sindicato dos professores (que faz o ranking das que melhor e pior pagam); (b) possui tradição no trato educacional em todos os níveis; (c) dá valor à iniciação científica e às publicações eletrônicas e/ou impressas com corpos editoriais gabaritados no Brasil e mundo afora; (d) não faz alarde do discurso jurídico – principalmente o dos direitos humanos – sem verdadeiramente praticá-lo(s). Feito isso, daí sim: matricularão na que apontou para uma boa formação humanística.

A generalização estigmatizante é obtusa. Há bons e ruins em ambos os lados. A inteligência caminha pela estrada da relatividade: in medio virtum est (a virtude está no meio).

Alexandre Coutinho Pagliarini é pós-doutor em Direito pela Universidade de Lisboa, onde leciona.

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