Quatro horas dentro de seis ônibus. A saga, que lembra a rotina de um paulistano, é o retrato do dia a dia da operadora de caixa Solange Aparecida da Silva, 19 anos, e de outros milhares de curitibanos que moram no Campo de Santana, zona sul da capital. Distante 20 quilômetros do centro, o bairro foi o que mais ganhou população em termos porcentuais em uma década, mas o crescimento não foi acompanhado de infraestrutura. "Levo duas horas até o Portão. Aqui falta muita coisa, inclusive uma Rua da Cidadania", opina Solange. No momento em que a cidade discute a revisão de seu Plano Diretor, especialistas defendem que a migração populacional entre bairros é um bom norteador para debater temas como adensamento, investimentos em infraestrutura e mobilidade.
Segundo dados do último Censo do IBGE, 14 bairros curitibanos perderam moradores entre os anos 2000 e 2010, e outros dez ganharam. O Prado Velho se despediu de mais de mil pessoas no período, uma queda populacional de 14,2%. O segundo que mais perdeu população, em termos porcentuais, foi o Bom Retiro (-8,4%), seguido do Mercês (-8,3%), campeão absoluto de debandada: quase 1,2 mil deixaram o bairro. Na outra ponta da tabela, o Campo de Santana registrou um crescimento de 263%, ou seja, quase 20 mil novos moradores. Em seguida, aparecem Augusta (82%), Mossunguê (71%) e Ganchinho (52,6%).
Pesquisador do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes), Paulo Roberto Delgado analisa que, somados, os 14 bairros com decréscimo de população perderam 7.329 pessoas, enquanto os outros dez ganharam 58,4 mil. "Não se pode falar em esvaziamento da área central porque o contingente não é expressivo. Em alguns casos, como o do Prado Velho e de vários bairros de padrão horizontal, os filhos saem, os pais ficam idosos e ocorre esse processo de mudança demográfica."
Conselheiro do Conselho da Cidade de Curitiba (Concitiba) e professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Positivo, Rivail Vanin de Andrade explica que os deslocamentos populacionais estão ligados aos novos padrões de moradia: de um lado, os condomínios horizontais fechados de alto padrão na porção noroeste da cidade; de outro, as moradias do Programa Minha Casa Minha Vida, na região sul. "É a malha urbana se expandido para a periferia menos dotada de infraestrutura e de menor custo da terra. Dos dez bairros que apresentaram maior crescimento, apenas dois não fazem limite com outros municípios da RMC, Mossunguê e Campo Comprido, ocupados por condomínios horizontais."
Na opinião de Andrade, essa divisão da cidade em "guetos" deveria ser limitada pela legislação, de modo a se promover uma cidade menos desigual. "É necessário regulamentar leis que exijam a instalação de infraestrutura e serviços sociais na construção de conjuntos de moradias populares, bem como criar restrições para a construção de cidades muradas e pouco diversas como os condomínios horizontais. É preciso resgatar o espaço público."
O contraste entre o Prado Velho e o Campo de Santana
No Prado Velho, uma das poucas residências das redondezas parece estar com os dias contados. Depois de ter nascido e morado por 57 anos no local, a manicure Silmara Fátima Olinski resolveu seguir os passos dos vizinhos. A placa de "vende-se", acompanhada de informações sobre o zoneamento do bairro que permite construir até seis andares , denuncia que o futuro comprador, provavelmente, irá demolir a edificação para erguer um prédio no lugar. O motivo está longe de ser segurança como reforçam os muros baixos. "Minha filha casou, minha irmã se mudou para um apartamento e fica ruim morar sozinha com minha mãe. Vamos para apartamento também. Muda tudo. A maioria é escritório, comércio, tem pouco morador."
A mudança da comerciante Lidiane da Silva, 34 anos, com o marido e um sobrinho para o Campo de Santana ocorreu em outubro do ano passado, quando recebeu as chaves do apartamento de 100 metros quadrados, financiado pela Caixa Econômica. "São 512 apartamentos, mas ainda temos só 180 moradores." Feliz com a panificadora que montou há uma semana perto dali, ela acredita que o bairro ainda tem muito a melhorar em infraestrutura. "Só tem uma creche, a vizinha não conseguiu vaga para a filha. Os ônibus também são poucos para tanta gente. De domingo, passa a cada hora e vai sempre lotado, precisa melhorar", sugere ela, que demora cerca de uma hora para chegar ao Centro, utilizando dois ônibus.
Moradoras