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Entrevista

Não deveria sobrar para a delegacia

Algacir Mikalovski, coordenador geral do Núcleo de Pesquisa em Segurança Pública e Privada, professor da UTP e presidente do Sindicato dos Delegados da Polícia Federal do Paraná

O senhor defende a atenção e o apoio ao homem autor de violência. O que torna esse olhar necessário?

A violência exercida contra a mulher é resultado de um fenômeno social e cultural, que vem do início da formação da nossa sociedade. O problema é o homem ter a mulher como objeto de satisfação de desejos sexuais e necessidades de sobrevivência. Quando o homem que pensa dessa forma acha que a mulher frustra alguma dessas expectativas, é desencadeada a violência. A reeducação dos homens é fundamental, assim haverá a mudança psicológica que vai evitar que se cometa a violência. É preciso que seja rediscutido na sociedade, individual e coletivamente, a forma como a mulher é vista socialmente e dentro de casa, pois muitas vezes o agressor não a vê como parceira e nem como alguém que está no mesmo plano que ele.

Como avalia o atendimento que o homem envolvido com violência de gênero tem recebido?

Infelizmente, trabalhamos de forma reativa. A batalha contra a violência tem se dado pelo trabalho da polícia. Mas quando a polícia age, já é tarde demais, pois já se tem uma vítima e uma situação irreversível. Uma delegacia não reconstrói uma família, pelo contrário, a delegacia age até com medidas de afastamento.

Qual seria o caminho para prevenir o problema?

A forma de mudar isso seria ter centros de apoio e tratamento de pessoas que se envolveram em agressão e das que tenham propensão à agressividade, tratando a violência de forma preventiva. Se você aumenta a rede de prevenção e de proteção e oferece apoio, tem muito menos gastos depois, com a questão reativa. É preciso ter um incremento federal, assim como é na segurança pública, mas a execução tem de estar no município. É necessário um trabalho conjunto, com a integração dos órgãos da área da saúde, do poder público, da polícia etc. O ideal é não esperar que o caso chegue à delegacia, mas na prática é para lá que tem sobrado o problema.

26% dos entrevistados pela pesquisa do Ipea concordaram que mulheres com roupas curtas merecem ser estupradas, e não 65%, como havia sido divulgado no dia 27 de março. O Ipea assumiu o erro na última sexta-feira e informou que os outros resultados, parte deles expostos no quadro ao lado, se mantêm.

Tratar da violência contra a mulher sem oferecer atendimento ao homem agressor é como secar o chão com a torneira aberta. A afirmação é do pesquisador do Grupo de Estudos de Gênero da UFPR Ricardo Bortoli, mas ela vem, aos poucos, tornando-se consenso no meio acadêmico e fora dele.

INFOGRÁFICO: Duas pesquisas se destacaram por expor a visão da sociedade em relação à mulher

No Brasil, a cada dois minutos, cinco mulheres são espancadas por homens com quem mantêm ou mantiveram algum tipo de vínculo, segundo estudo da Fundação Perseu Abramo. Para combater essa realidade, desde 2006 a Lei Maria da Penha determina que os homens que se envolvem em situação de violência doméstica ou familiar sejam envolvidos em atividades de reeducação e reabilitação. Mas são poucas as iniciativas nesse sentido, e a falta de dados sobre quem comete a agressão também dificulta que políticas públicas sejam criadas para esse fim. "Existem muitas pesquisas que trazem a quantidade e o perfil das vítimas de violência, além da narrativa das mulheres, mas informações sobre os homens você não encontra", afirma Bortoli.

Percepção social

O estudo recente do Ins­tituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostrou como a questão da desigualdade de gêneros e o tabu da violência doméstica ainda influenciam a opinião da sociedade. Entre os resultados, 79% dos entrevistados concordam que "em briga de marido e mulher, não se mete a colher". Já a pesquisa Percepções dos Homens sobre a Violência Doméstica Contra a Mulher, encomendada pelo Instituo Avon em 2013 e focada mais na violência de gênero, revelou que 16% dos homens assumem ter sido violentos com a atual ou a ex-­companheira (conheça mais as duas pesquisas no gráfico).

Um dos maiores desafios de atendimento ao agressor é o fato de os homens terem dificuldade de se identificarem como alguém violento e – consequentemente – criminoso, segundo a socióloga Mariana Corrêa de Azevedo. "Temos de desmistificar a ideia de que o homem agressor não é um ser humano comum e que não pode ser, por exemplo, o profissional que está trabalhando ao nosso lado. Além disso, eles devem ser ajudados a dialogar, a falar sobre seus problemas, algo que não é comum no mundo masculino", afirma.

Prisão

Atualmente, o homem que comete agressão pode ser preso em flagrante ou preventivamente, para garantir a integridade física da vítima, e cumpre a pena conforme o Código Penal. No entanto, de acordo com a juíza do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Curitiba, Luciane Bortoleto, além do processo judicial com atribuição de pena, é preciso trabalhar o agressor sob outros aspectos. "O crime praticado no ambiente doméstico tem particularidades pela questão da relação de afeto, existente ou passada, entre as partes envolvidas. É uma criminalidade diferente e precisa ser tratada de forma diversa", afirma.

Iniciativas

Grupos de apoio aos homens são raros

Ainda são poucas as iniciativas voltadas à reabilitação do homem agressor no país. A ação pioneira surgiu em Blumenau (SC), por liderança do pesquisador da UFPR Ricardo Bortoli, que coordena o curso de Serviço Social na Universidade Regional da cidade, a Furb. Desde 2004, 125 homens, entre condenados e voluntários, foram atendidos em reuniões socioeducativas. Já no Paraná, apenas Curitiba, Ponta Grossa e Londrina têm ou tiveram alguma ação.

Na capital paranaense, desde 2010, parte dos agressores condenados tem sido enviada para o Grupo Guia, do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Curitiba. Mas ainda há um imenso abismo entre os atendimentos prestados às vítimas e aos agressores. Em 2013, enquanto 3.313 mulheres participaram do grupo de apoio do Juizado, apenas 63 homens frequentaram os quatro encontros do grupo Guia, como uma das medidas cautelares substitutivas da prisão ou como condição para a liberdade provisória.

Em Ponta Grossa, o Núcleo de Estudos da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da UEPG é que toca iniciativa semelhante. E em Londrina, o projeto "Caminhos", que já atendeu 200 homens condenados ou envolvidos em medidas protetivas, está suspenso. Financiado pelo Ministério da Justiça inicialmente, ele deve ser assumido pelo governo ainda neste ano, por iniciativa da secretaria estadual de Justiça (Seju).

No país, trabalhos semelhantes vêm sendo desenvolvidos, ainda, em São Gonçalo (RJ) e São José do Rio Preto (SP).

Funciona?

Você acredita que o foco na ressocialização e reabilitação do homem agressor possa mudar as estatísticas de violência física e psicológica contra a mulher no Brasil?Deixe seu comentário abaixo e participe do debate.

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