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Os 43 haitianos que trabalham em Cascavel estão ansiosos pelo primeiro salário: esperança de ajudar a família | Albari Rosa/ Gazeta do Povo
Os 43 haitianos que trabalham em Cascavel estão ansiosos pelo primeiro salário: esperança de ajudar a família| Foto: GAZETA

Falta mão de obra no estado

Os 43 haitianos que trabalham em Cascavel fazem parte do grupo de 80 profissionais que atuam nas obras da Faculdade Assis Gurgacz. A demanda, no entanto, é bem maior. "A mão de obra está escassa. Passamos seis meses procurando gente", diz o engenheiro Carlos Oya, que estima ser necessária a contratação de mais 70 pessoas no futuro. Oya observa que os haitianos são educados, religiosos, têm iniciativa e são prestativos. "Eles interagem bem com os brasileiros", diz.

O vice-presidente da área de política e relações do trabalho do Sindicato da Indústria da Cons­trução Civil do Paraná, Rodrigo de Souza Araújo Fernandes, afirma que, desde que cumprida a legislação, o emprego de haitianos é positivo. Segundo ele, há a necessidade de mais trabalhadores na área. A entidade estima que será preciso acrescentar 7 mil funcionários neste ano somente em Curitiba e região.

Regras

Veja as condições dos haitianos no Brasil:

• Visto especial:No dia 12 de janeiro, o Conselho Nacional de Imigração aprovou condições do visto de trabalho em caráter especial aos haitianos, que passaram a ter permissão para ficar no Brasil por até cinco anos.

• Renovação: Para renovar a permanência no Brasil e a expedição de nova Cédula de Identidade de Estrangeiro, eles devem comprovar situação laboral junto ao Ministério do Trabalho e Emprego, antes do período de cinco anos.

• Quantidade:Serão emitidos 1,2 mil vistos permanentes por ano (100 por mês, em média) pela Embaixada do Brasil no Haiti. Não é necessário comprovar qualificação nem vínculo com empresa. Cada visto pode incluir familiares do beneficiado.

• Deportação:Quem não está regular (com visto) é notificado a deixar o país. Caso não deixe, poderá ser deportado.

• Anteriores:Os haitianos que já estavam no país antes da publicação das novas regras estão sendo regularizados.

Fontes: Ministério da Justiça, Agência Senado e Agência Brasil.

  • A acolhida no Brasil favoreceu a adaptação do grupo que está no Oeste do estado
  • Funcionário da construção civil, Michel quer mesmo é ter uma pizzaria

A maioria não se conhecia no Haiti. De perfis diferentes, muitos trabalhavam como pedreiros e carpinteiros para sustentar os filhos, outros na indústria e tinha quem enfrentasse o calor do forno assando pizzas. Os mais novos estudavam, seja o ensino regular, um outro idioma ou a faculdade para se tornar um diplomata. De uma maneira ou de outra, os 43 haitianos tinham as rédeas da vida e sobreviviam no país mais pobre das Américas. Mas quis o destino – no caso, um terremoto no início de 2010 – que eles mudassem seus planos e viessem a se encontrar na cidade de Cascavel, no Oeste do Paraná, para reconstruir suas vidas.

VÍDEO: Veja o depoimento do repórter fotográfico Albari Rosa sobre os haitianos

Michel Marckend, de 25 anos, é um deles. Assim que botou os pés no Brasil, ele logo se lembrou do pai. "Se meu pai estivesse vivo, eu estaria bem." Michel perdeu o pai no terremoto que vitimou pelo menos 200 mil pessoas há dois anos. O pai tinha ido trabalhar e, por volta das 17 horas, a empresa foi destruída pelo tremor. Os irmãos, que até então tinham uma vida confortável, tiveram de se adaptar à nova realidade e ajudar a mãe, que tem paralisia.

Depois de cinco dias de viagem, Michel chegou em 8 de novembro do ano passado à cidade de Brasileia, no Acre. Encontrou vários conterrâneos em busca de emprego e que, assim como ele, não tiveram oportunidades na cidade. Depois de quase três meses, recebeu uma proposta do engenheiro Carlos Oya, que foi ao Acre em busca de trabalhadores para as obras na Faculdade Assis Gurgacz, em Cascavel. Michel e mais 43 haitianos (uma mulher acabou indo, posteriormente, para São Paulo) foram escolhidos e depois de 58 horas de viagem de ônibus chegaram a Cascavel no dia 30 de janeiro.

Com o Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) e a carteira de trabalho brasileiros, eles devem trabalhar por pelo menos três anos na construção das novas unidades da faculdade. O salário inicial para ajudante de pedreiro é de R$ 1,1 mil, com possibilidade de aumento tão logo sejam enquadrados em funções mais qualificadas. A empresa paga aluguel de seis apartamentos, todos no mesmo prédio, além de água e luz.

No trabalho

E é entre blocos de cimento, marteladas e limpeza do terreno que os haitianos vão aos poucos erguendo as obras e reformando suas vidas, sem se esquecer dos sonhos. Michel, por exemplo, sonha em ter uma pizzaria. Oferecer talvez uma pizza parecida com a haitiana, com maionese e catchup sobre a massa. Enquanto não monta seu negócio, quer aproveitar a experiência adquirida como pizzaiolo no Haiti para encontrar um emprego para trabalhar à noite – o português ele já fala quase fluentemente. Quer juntar mais dinheiro para enviar à família, especialmente aos dois filhos, que, no futuro, pretende trazer ao Brasil.

Ajudar a família é o principal objetivo dos trabalhadores, que aguardam ansiosamente o primeiro salário no atual emprego. Saint Vilt Jean, de 26 anos, pretende ajudar e trazer os familiares ao Brasil, além de arrumar uma namorada brasileira e um dia se tornar mé­­dico. Planos que ele está ajudando a construir, já que futuramente deve trabalhar nas obras do novo hospital da faculdade. "Um dia quero ajudar muito a minha família", diz em bom português. Antes do terremoto, Saint, ou Santos, como foi apelidado por aqui, trabalhava na construção civil.

Já Martin Wikendy, de 27 anos, teve de se adaptar totalmente. De estudante do terceiro ano do curso de Ciência Política e professor de Francês e de Matemática, ele passou para servente de pedreiro no Brasil. "Ser diplomata é meu so­­nho. A vida não acabou porque eu tenho um sonho", diz ele, de ca­­be­­ça erguida. A meta é um dia retornar ao Haiti e terminar seu curso, apesar de a universidade ter sido destruída pelo terremoto. "Tenho que seguir meu sonho", diz o futuro diplomata, esperançoso na reconstrução do seu país e grato pela acolhida brasileira – possivelmente temporária, garante.

InserçãoQuase tudo agrada. Menos a farofa

Pergunte a um haitiano do que ele não gosta no Brasil. Uma das possíveis respostas será farofa. Pelo menos esse é um dos itens mais citados entre o grupo dos 43 haitianos que vivem em Cascavel. Eles dizem ter se adaptado ao clima, gostado do idioma, adorado a acolhida dos brasileiros, não terem sentido nenhum tipo de preconceito, mas a farofa não teve jeito. Verduras e carne de porco também não atraem muitos adeptos.

Apesar desse pequeno detalhe, os haitianos são praticamente só elogios ao Brasil. Um dos fatores que os aproximam dos brasileiros é o futebol. Eles idolatram Ronaldo Fenômeno, Ronaldinho Gaúcho e Neymar, tanto que adotaram Flamengo, Corinthians e Santos como times do coração. Outro aspecto considerado é a presença brasileira na Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti (Minustah), com 2,2 mil integrantes.

Na outra ponta, os vizinhos cascavelenses demonstram curiosidade com os recém-chegados. Comerciantes que atuam próximos a casa dos haitianos, no Centro da cidade, dizem ter vontade de conhecer e saber a história de vida dos novos moradores. "Se me derem oportunidade, gostaria de saber da cultura deles, o que aconteceu quando ocorreu o terremoto", diz Luci Maria Barbosa, proprietária de uma lanchonete e que serviu café da manhã a oito deles. Já a vendedora Denirce Aparecida de Meira gostou da educação dos clientes e forneceu um desconto na hora da compra. "Fiquei feliz de ter dado desconto porque são pessoas que merecem." Já o comerciante Elton Silva aponta que o ideal seria que o Brasil fosse um destino provisório, com a possibilidade de retorno ao Haiti tão logo a situação se normalize por lá.

Análise

Para saber como está a receptividade por aqui, a Pastoral do Migrante em Curitiba pretende fazer um mapeamento da situação dos haitianos no Paraná. Uma das percepções positivas é o interesse das empresas em contratar esses trabalhadores. "A gente está tendo acolhida dos empresários. No segundo momento vamos perceber como age a população em si", afirma a assistente social Elizete Sant’ Anna de Oliveira. Segundo ela, talvez a dificuldade inicial seja o idioma. As línguas oficiais no Haiti são o francês e o crioulo.

Especialista em migração internacional, a professora da Universidade Federal do Paraná Gislene Santos aponta a necessidade de formas de inserção dos haitianos na sociedade brasileira, bem como dos estrangeiros que têm vindo morar no Brasil, com oferta de empregos, ensino da língua, vagas em universidades e cursos. "Temos que verificar quais são as demandas deles, entender esse fluxo. Precisamos olhar com atenção, sem preconceito e buscar possibilidades para ter uma convivência boa", afirma a professora.

Serviço:

Interessados em fornecer ajuda aos haitianos podem entrar em contato com a Pastoral pelo telefone (41) 3272-0466 ou pelo e-mail ceamig@uol.com.br.

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