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 | Henry Milleo/Gazeta do Povo/Arquivo
| Foto: Henry Milleo/Gazeta do Povo/Arquivo

Na última semana, a assistente de pós-venda Marilze Bozza Gomes, 34 anos, foi morta pelo namorado supostamente durante uma crise de ciúmes do parceiro. Em depoimento à Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), que investiga o crime, o suspeito teria confessado ser o autor do disparo que a matou. A polícia acredita que a motivação do crime foi “passional”. Por trás da injustificável motivação do agressor, o fato é que a morte da assistente faz crescer as estatísticas sobre violência contra a mulher no estado e reacende o debate sobre feminicídio.

O que é feminicídio?

A lei define feminicídio como o crime praticado contra a mulher em duas hipóteses: em situações de violência doméstica e familiar e de menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

No Paraná, somente entre 22 de junho e 24 de agosto, o Ministério Público do Paraná (MP-PR) recebeu 17 denúncias ajuizadas por feminicídio. O número é alto. “Tratam-se de crimes que aconteceram nesse período e já geraram denúncia criminal. Mas é importante destacar que ainda há muitas investigações sobre assassinatos de mulheres em andamento, que podem vir a ser ajuizadas como feminicídio também. O número pode ser bem maior”, explica a promotora Mariana Seifert Bazzo, coordenadora do Núcleo de Promoção da Igualdade de Gênero, do Centro de Apoio Operacional das Promotorias (Caop) de Proteção aos Direitos Humanos.

35%

de todos os assassinatos de mulheres no mundo são cometidos pelo parceiro ou ex-parceiro. Apenas 5% de todos os assassinatos de homens são cometidos pela companheira ou ex-companheira, de acordo com pesquisa da Organização Mundial da Saúde (OMS). No Paraná, no mesmo período em que 17 mulheres foram vítimas de feminicídio não houve registro de homicídios de homens cometidos por parceiras ou ex-parceiras.

A nova modalidade de homicídio qualificado é definida pela lei 13.104/2015, que entrou em vigor em março desse ano. Como a qualificação ainda é muito recente, ainda não há estatísticas consolidadas sobre quantos crimes desse tipo foram cometidos desde a sanção da lei. No Paraná, somente no fim de junho o MP introduziu o filtro no sistema de registro de denúncias recebidas.

Além disso, juízes, promotores e advogados precisam aprimorar o “olhar de gênero” para qualificar corretamente o assassinato de mulheres por feminicídio.

“O machismo está impregnado no Direito e na legislação há muitos anos. Antes do século XXI, o Brasil não possuía nenhuma lei que apenava violência de gênero. O reconhecimento desse tipo de violência é recente, então o desenvolvimento desse olhar de gênero tem de ser constante. Entretanto, o grande número de denúncias mostra que os promotores estão enquadrando os crimes no tipo penal correto”, avalia Mariana.

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Maria da Penha

O retrato da violência contra a mulher no Paraná ainda é composto pelos crimes enquadrados pela lei Maria da Penha (11.340/2006). Desde junho de 2014 o MP tem monitorado esses casos (como ameaça, injúria e lesão corporal). São muitos. Entre 12 de junho e 31 de dezembro, foram mais de sete mil registros. Desse total, 11,8% aconteceram em Curitiba (906 crimes).

Apesar do grande volume de denúncias, esse tipo de violência também é subnotificado. Mariana considera esse o maior desafio do combate à violência contra a mulher. “Muita gente ainda acredita se tratar de um problema de menor importância, mas é um problema criminal e de saúde pública. E muitos desses casos registrados são atos preparatórios que podem culminar no homicídio.”

Judiciário e advogados continuam falando em crimes passionais, mas isso não existe mais no nosso ordenamento jurídico. Não existe matar por ciúme. Mata-se por ódio. A mídia reproduz o discurso do ‘matar por ciúme’ e a sociedade fica com essa percepção distorcida de que ciúme é símbolo de amor.

Sandra Lia Bazzo Barwinski Advogada, presidente da Comissão de Estudos sobre Violência de Gênero (Cevige)/OAB-PR

Dez fatores de risco associados ao feminicídio

Há alguns sinais que podem ajudar a mulher e pessoas próximas a ela a identificar uma relação abusiva e violenta. O ciúme excessivo por parte do parceiro está na raiz da violência. Cotidianamente, se manifesta na censura de pensamentos, ações e vestuário; nas tentativas de afastar a mulher da família e amigos, mantendo-a isolada do convívio social; na depreciação da autoestima da mulher, por meio de agressões verbais e, por fim, nas agressões físicas.

1. Agressões físicas

2. Consumo de álcool e drogas

3. Violência fora da família ou da relação de casal

4. Ameaças de morte

5. Monitoramento, perseguição e espionagem da mulher

6. Ciúmes, inclusive em relação aos filhos

7. Maus-tratos à mulher durante a gravidez

8. Violência dirigida aos filhos

9. Ameaça feita à mulher de se suicidar

10. Violação e descumprimento de ordens de afastamento

Fonte: Organização das Nações Unidas – Mulheres, 2014.

Falta de políticas públicas emperra combate à violência contra a mulher

O maior desafio no combate à violência contra a mulher se dá no âmbito das políticas públicas de prevenção e assistência às vítimas. “No âmbito da legislação tivemos grandes avanços, porém o Estado ainda atua punindo e não prevenindo. Críticos da Lei do Feminicídio apontam que a lei é inadequada porque o direito penal só deve ser aplicado em situações extremas, quando na verdade o estado deveria agir diligentemente na prevenção”, avalia a advogada Sandra Lia Bazzo Barwinski, presidente da Comissão de Estudos sobre Violência de Gênero da Ordem dos Advogados do Brasil no Paraná (OAB-PR).

De acordo com a Secretaria de Políticas para as Mulheres do governo federal, a rede de enfrentamento à violência contra a mulher do Paraná é composta por 57 serviços e instituições – incluindo serviços de abrigamento, promotorias, juizados, delegacias especializadas, centros especializados de atendimento etc. Para a advogada, o conjunto de políticas públicas existente hoje é deficiente. Além da falta de equipamentos públicos, há ainda o problema de capacitação dos servidores que atuam diretamente com mulheres vítimas da violência.

“Não adianta ter o equipamento público se não há pessoal suficiente e preparado. É um paradoxo: a mulher fragilizada procura por assistência, mas não recebe ajuda ou não é bem atendida. Ela vai embora e não retorna. Quando ela não retorna, há subnotificação”, pontua. Sandra ainda critica a demora imposta por protocolos de atendimento. “A mulher em situação de violência precisa de orientação, amparo e acesso à justiça imediatos.”

O desafio da denúncia

Pesquisa realizada pelo portal Compromisso e Atitude, resultado de uma cooperação entre Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública e governo federal, mostrou quais problemas a mulher pode enfrentar ao tentar denunciar a violência da qual foi ou é vítima.

A “rota crítica” começa na polícia: faltam estrutura, protocolos de atendimento, capacitação de operadores e fiscalização do cumprimento de normas técnicas. Muitas vezes, a necessidade de medida protetiva é colocada em dúvida e os inquéritos demoram.

Se há medida protetiva, o problema é a falta de fiscalização do cumprimento. Em muitos casos, existe conflito entre o direito de paternidade e a segurança da mulher, pois ação criminal e de família tramitam separadamente.

Por fim, na saúde, foi verificada a dificuldade dos profissionais em identificar as marcas da violência e em ouvir as queixas da mulher, muitas vezes tratada como “queixosa”. No Instituto Médico Legal (IML), onde a vítima é submetida a exame de corpo de delito, há evidências de culpabilização da vítima que, muitas vezes, é colocada em contato com o agressor durante a espera da perícia.

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