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| Foto: Antônio More/Gazeta do Povo

Duas sensações marcam a história da semana hollywoodiana de Kaio Simões, policial rodoviário federal de Curitiba: a desilusão pela perda e a confiança numa avalanche de ajudas. Essa dualidade é um causo que ele explica com parcimônia, como se antecipasse um conto a ser relatado aos netos. “Vou te contar essa novela desde o começo”, afirma, logo após atender ao telefone. “Você nem vai acreditar”.

Simões chegou a levar uma vida esportiva plena, mas deu uma pausa nas atividades e resolveu vender a bicicleta Scott Premium que vivia estacionada. Segundo ele, a bike com guidão, mesa, grupo eletrônico, cilindros e pneus novos vale cerca de R$ 30 mil. Apenas as rodas estão estimadas em R$ 12 mil. “Essa bicicleta é versão única em Curitiba e uma das poucas do Brasil”, pondera.

A venda deveria ter sido concretizada na última segunda-feira (27). O comprador se aproximou de Simões depois de um anúncio em uma página de ofertas e compras pela internet. Eles combinaram um encontro em um supermercado de Curitiba, mas o comprador, que é advogado, não apareceu. Hora depois, ele foi até a casa de Simões. “O advogado estava na minha casa e trajava roupas de ciclista. Minha mulher disse que ele esperaria eu voltar”, afirma.

Receoso com a situação, Simões aceitou o negócio e permitiu que o advogado circulasse com a bicicleta no terreno da casa. Segundo o policial rodoviário, ele se apresentou como jogador de pôquer profissional e afirmou que precisava da bicicleta para “desestressar”, já que passava muitas horas do dia em frente ao computador. O advogado chegou à casa da família com outra bike, e ofereceu ao policial uma nova mudança de planos: ele queria um test-drive definitivo nas redondezas. O policial usaria a bicicleta que o advogado trouxe e ele experimentaria a nova aquisição. “Eu deveria ter desconfiado mais. A bicicleta que ele possuía estava em péssimas condições”, afirma. No entanto, a humanidade pesou e ele cedeu.

Quando deixaram o terreno, o melindre aumentou. Segundo Simões, algumas pedaladas depois o advogado “acelerou e sumiu”, tomando a Avenida Iguaçu. Quando se deu conta, a bicicleta em que estava perdeu a correia e ele não teve como entrar em uma perseguição.

O policial voltou para casa, acionou os cerca de dez grupos dos quais participa (entre eles, de ciclistas, motociclistas e policiais) e compartilhou as imagens das câmeras de segurança da sua casa no Facebook. Em poucas horas a história se disseminou e gerou dois mil compartilhamentos. A maioria dos grupos de ciclistas da cidade passou a procurar o advogado. Entraram noite adentro e nada. Simões registrou Boletim de Ocorrência na manhã de terça-feira (28).

Antônio More/Gazeta do Povo

Reviravolta

Na quarta-feira (29) pela manhã, no entanto, a sorte dele começou a mudar. Os funcionários de uma loja de tintas no Centro de Curitiba entraram em contato com o policial pelo Facebook. Eles afirmaram que a bicicleta estava estacionada na frente do estabelecimento. Os funcionários conheciam a história pela internet e acionaram a Polícia Militar assim que receberam a confirmação de Simões. “Era ela”, afirma.

Aquele mesmo advogado estava na loja para participar de outra negociação. Dessa vez, tentava comprar a roupa de ciclista do gerente, também da marca Scott. Ao entrar em um vestiário para experimentar o traje, os funcionários da loja esconderam a bicicleta no depósito. Quando o advogado retornou, foi alertado pelos comerciantes, que já haviam acionado a PM. “O advogado ainda tentou alegar aos funcionários que a bike era dele. Que esteve com ele desde sempre, pela qual tinha pago R$ 3 mil. Mas eles não compraram a lorota e ele saiu correndo”, contou Simões. O advogado não foi encontrado pelos policiais nas imediações.

Seis horas depois, nesse mesmo dia, ele ligou para o policial rodoviário e se identificou pelo nome verdadeiro – nos outros contatos, o advogado usou um pseudônimo. Ele afirmou que sofria de depressão crônica e que estava arrependido por ter escapado com a bicicleta. O policial comprou o drama e ainda pediu de volta o pedal original, que havia se perdido.

Eles combinaram o encontro para a Praça Santos Andrade, no Centro de Curitiba. Simões e outros cinco policiais, à paisana, chegaram à praça antes do advogado. Quando os dois se encontraram, o policial perguntou do pedal e ao receber a confirmação de que o advogado estava com o objeto, deu voz de prisão por flagrante. O homem foi algemando e encaminhado para o 8.° Distrito da Polícia Civil.

Segundo Simões, o homem preso mordeu o próprio lábio e tentou machucar os joelhos para alegar agressão. Tudo, no entanto, foi filmado. O advogado foi enquadrado por apropriação indébita e responderá em liberdade. Ele saiu da delegacia junto de Simões, que devolveu a ele a outra bicicleta.

O policial recebeu mais de 500 solicitações de amizade no Facebook e cerca de mil mensagens. Ele não vai mais vender a bicicleta e também voltará a pedalar regularmente, com o apoio de todos os novos amigos que fez ao longo da semana.

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