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Projeto do novo Tribunal Regional Federal da 6ª Região foi proposto pelo presidente do STJ, ministro João Otávio de Noronha.
Projeto do novo Tribunal Regional Federal da 6ª Região foi proposto pelo presidente do STJ, ministro João Otávio de Noronha.| Foto: Felipe Sampaio/STF

No ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) criminalizou a homofobia no Brasil, classificando-a como um tipo de racismo. Agora, uma entidade pró-LGBT pede que o tribunal dê um passo além: que considere a ofensa individual a homossexuais e transexuais como um tipo de injúria racial.

A decisão de 2019 não contempla, a rigor, ofensas individuais a homossexuais e transexuais, o que tem desagradado grupos pró-LGBT. O pedido enviado ao STF tenta dar alcance mais abrangente à decisão tomada no ano passado, para que injúrias homofóbicas sejam equiparadas a ofensas racistas.

Um embargo de declaração – isto é, um pedido de esclarecimento da decisão do STF – foi feito pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT), para que o tribunal estenda o alcance da decisão tomada no ano passado.

A proposta da associação é, grosso modo, que o STF faça uma regra de três: já que o racismo foi equiparado à homofobia, a injúria racial teria que ser equiparada à injúria contra um homossexual ou transexual, segundo os autores do pedido.

Racismo e injúria racial: qual a diferença, e o que isso tem a ver com homofobia?

O racismo é qualquer conduta discriminatória a uma coletividade racial e, segundo a interpretação atual do STF, também a homossexuais ou transexuais. “Se eu tenho uma empresa e não contrato negros, ou se eu tenho um restaurante e me recuso a servir comida para negros, isso é racismo. A mesma coisa se aplica para pessoas homossexuais. O racismo é um ataque à coletividade”, explica Mariana Zopelar, advogada criminalista da Fenelon|Costódio Advocacia. No Brasil, o crime de racismo é inafiançável e imprescritível.

A injúria racial, por sua vez, diz respeito à ofensa individual, como usar um palavrão para se referir a um negro ou a um judeu. Trata-se de um crime distinto do racismo, com pena diferente. “A injúria racial é voltada ao indivíduo por determinada qualidade. Quando você comete injúria racial, você não necessariamente comete racismo. A injúria é algo restrito, é voltada ao indivíduo”, afirma Mariana.

Se o pedido da ABGLT for acatado pelo STF, alguém que injurie outra pessoa por sua homossexualidade poderá ser processado não só por crime contra a honra, como já ocorre hoje, mas também por injúria racial, crime que prevê penas maiores. “Se eu, andando na rua, ofendo um membro da comunidade LGBTQ+, eu estaria cometendo injúria racial, pela equiparação sugerida ao STF”, diz a advogada.

Pedido tenta um salto ilógico na interpretação da lei, dizem juristas

Juristas consultados pela Gazeta do Povo classificam o pedido da ABGLT como juridicamente ilógico.

Antonio Jorge Pereira Júnior, doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), explica que o erro da associação começa no próprio instrumento usado para pedir a equiparação da homofobia à injúria racial.

“Embargo de declaração não muda a substância decisória do ato consumado no julgamento. Ele basicamente pede esclarecimento. Nesse caso, o que é o drama? O esclarecimento do pedido vai alterar o próprio tipo penal que foi configurado em ato pela corte”, diz Pereira.

O jurista lembra que, na decisão que equiparou a homofobia ao racismo, “o STF trabalhou em cima da palavra racismo” e, por isso, o pedido da ABGLT é incabível.

“Não há erro de declaração. A declaração é clara. Não há falha de claridade. É clarividente que fala de racismo, e não de injúria racial. Eles estão inventando que há uma confusão entre os dois, que o que se queria era falar em injúria racial.” Para Pereira, os autores da petição estão “se aproveitando para eventualmente ampliar o escopo do pedido feito lá atrás, na ação”.

Renato Rodrigues, mestre em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), reitera que o embargo de declaração está sendo mal empregado. “É um recurso que apenas serve para você clarear o que foi decidido no dispositivo, se houver omissão, se houver uma contradição, se houver algum erro material”, afirma.

Para ele, contudo, uma eventual decisão do STF favorável a esse pedido não seria surpreendente. “É um pedido juridicamente impossível. Mas, caindo na nossa realidade, não existem limites, hoje, para o Judiciário atuar. A gente está vendo o que está acontecendo”, observa.

Rodrigues avalia que a própria decisão do STF que equiparou o racismo à homofobia torna evidente essa falta de limites. “Com base no direito, essa criminalização da homofobia foi a aberração das aberrações, uma afronta completa à Constituição por parte do tribunal”, diz. “O que eles pediram é outra aberração. O crime de racismo exige uma posição de hierarquia entre a pessoa que pratica a ofensa e a pessoa discriminada. É, por exemplo, você impedir alguém de acessar determinado lugar, impedir a entrada de alguém nas Forças Armadas… Isso caracteriza o racismo. Injúria racial não é isso, é uma ofensa à honra”, acrescenta.

Um dos argumentos levantados pelo embargo de declaração apresentado é que a doutrina jurídica e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) consideram que a injúria racial seria um tipo de racismo. Pereira esclarece que isso não está na lei e nunca foi estabelecido pelo STF.

“Eles estão dizendo que o próprio STJ já disse que o racismo seria o gênero, e a injúria racial, a espécie. Só que isso não está na lei, são legislações diferentes. Querer forçar que o STF estabeleça algo que é interpretado por aí pela doutrina – eventualmente até pelo STJ – é tentar forçar que o STF estabeleça uma distinção que ele não faz”, afirma o jurista.

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