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“Militância política não pode embasar ações judiciais”, diz novo defensor público-geral federal
| Foto: Isabelle Barone / Gazeta do Povo

Prestes a ser sabatinado no Senado, Daniel de Macedo Alves Pereira, escolhido por Bolsonaro, por lista tríplice, para chefiar a Defensoria Pública da União (DPU), é taxativo: "Militância política não pode embasar ações judiciais" no órgão.

Acusada de estar "aparelhada ideologicamente", a DPU também é responsabilizada por, ao arrepio do ordenamento jurídico vigente, fazer ativismo judicial e extrajudicial em benefício exclusivo de agendas consideradas "progressistas" - permissivas nos costumes. Como, por exemplo, em defesa do aborto e da descriminalização das drogas.

O nome de Pereira teria sido escolhido por Bolsonaro justamente para equilibrar o fosso ideológico na instituição. Ao receber a Gazeta do Povo em seu gabinete em 16 de outubro, em Brasília, para entrevista, o defensor preferiu não se manifestar sobre assuntos como defesa do nascituro e do direito religioso - temas tidos como conflitantes dentro do órgão.

Para o novo defensor-geral, pautas "morais e de costume" têm "custando muito caro à DPU". "Isso já deveria ter sido solucionado no Legislativo, isso não tinha que parar aqui [na DPU]", disse à reportagem.

Ele também comentou sobre o desafio de gerir a instituição que conta com cerca de R$ 550 milhões frente a R$ 6 bilhões de órgãos como o Ministério Público Federal, por exemplo. Ainda falou sobre a importância da DPU no amparo aos hipossuficientes e sobre o avanço de protagonistas evangélicos em diferentes instâncias do governo.

Confira a entrevista:

O seu nome foi o segundo mais votado da lista tríplice enviada ao presidente Jair Bolsonaro. Em que pese a liberdade que o chefe do Executivo tem para escolher qualquer um dos três nomes, em sua perspectiva, o que teria levado Bolsonaro a escolher o seu?

Daniel de Macedo Alves Pereira: O atual defensor-geral [Gabriel Faria Oliveira, primeiro colocado na lista tríplice] foi nomeado pelo presidente anterior, Michel Temer. Eu acredito que ele seja um galho de uma árvore anterior.

Como o presidente Bolsonaro veio com a proposta de trazer pessoas novas, entendo que a visão também foi de trazer um novo defensor-geral federal. Também acho que o meu currículo falou um pouco mais alto. Sou mestre em Direito pela Universidade de Coimbra, de Portugal, e professor de Direito Processual Civil há 16 anos em renomadas instituições. Acredito, além disso, que o fato de eu ser evangélico foi um dos elementos importantes, mas não o principal.

Quando o senhor fala em galho de uma árvore anterior, o que, de fato, o senhor quer dizer com isso? 

Pereira: Eu posso ter me expressado mal. É no sentido de que ele foi indicado por um presidente anterior, faz parte de uma estrutura anterior.

Mas isso também significa diferentes pautas e bandeiras?

Pereira: Não, porque o presidente Michel Temer acabou ficando naquela linha de ser responsável pela saída de um partido anterior, assumindo a presidência, e na transição para um outro governo, que tem visão mais à direita, conservadora. Temer não ficou marcado por pautas de esquerda ou direta. Ele teve que administrar um momento difícil do país.

O cargo é de confiança. Ele [Bolsonaro] olhou e, dentre os três [candidatos da lista], entendeu que eu era o mais técnico, que tinha condições de alavancar a Defensoria. O fato da minha religião foi um dos componentes, mas não o mais relevante.

O senhor já tinha proximidade com o presidente?

Pereira: Nenhuma proximidade.

Em sua perspectiva, quais serão os seus maiores desafios frente à DPU? 

Pereira: O desafio número um é a Emenda Constitucional do Teto [dos Gastos Públicos]. Hoje, nós temos um orçamento de aproximadamente R$ 550 milhões, e teremos que administrar isso durante os próximos 16 anos.

O orçamento, que atende a 642 defensores federais mais os estaduais, não tem sido suficiente, correto? Há algum aceno do governo para um maior aporte financeiro?

Pereira: O teto de gastos não se sustenta por muito tempo. Há uma pressão muito grande de todas as quadras, da Saúde, da Educação. Muitas políticas públicas deixarão de ser concretizadas por causa da Emenda. Em algum momento isso vai ficar muito caro para quem está no governo. Terá de ter uma saída congressual, e não no Judiciário, no sentido de se despertar para isso.

Como essa limitação orçamentária reflete na atuação da DPU, na prática?

Pereira: Na prática, é muito difícil. A emenda acabou atrapalhando o avanço institucional da DPU, no sentido de prestação do serviço de acesso à Justiça. Quando eu deixo de atender a um hipossuficiente, isso faz com que ele continue na invisibilidade. Ele não tem acesso ao poder Judiciário e, logo, deixa de ter moradia, medicamento, educação e o bem da vida tutelado. Há pessoas que simplesmente morrem porque não alcançam a Defensoria. Um paciente oncológico, por exemplo, do interior de um estado onde não há Defensoria, e que quer demandar contra União, fica sem acesso. É o direito de ter direito, a Defensoria significa isso.

A correção do orçamento da Defensoria e dos demais órgãos é pelo INPC, e os contratos vigentes, cerca de 604, são por outros indexadores. Isso fica insustentável. Já começamos a entregar unidades menores, e daqui um tempo, se não houver alteração desse cenário, vamos ter que entregar outras unidades. Quando se fecha uma porta da Defensoria, fecha-se um monte de direitos.

Há quem diga, por outro lado, que essa limitação permitiu à DPU ser um dos órgãos que mais avançou tecnologicamente. Qual a sua opinião?

Pereira: A DPU ainda sofre um atraso tecnológico substancial, na questão da inteligência artificial. Enquanto a AGU, o MPF, o MPE conseguem, com o sistema de inteligência artificial, elaborar petições iniciais, contestações, sem que o defensor precise colocar a mão, só leia e assine, a DPU ainda está atrasada neste ponto. E eu vim exatamente para tentar mudar essa realidade, fazendo investimento em inteligência artificial, para que consigamos produzir mais com menos esforço.

O senhor tem 15 anos de atuação na DPU. Apesar da limitação orçamentária, a DPU tem feito um trabalho muito importante em prol dos indivíduos vulneráveis...

Pereira: Sim. Mas a DPU só cresceu muito até a Emenda do Teto. Quando eu ingressei tinham cerca de 100 defensores públicos federais. Nosso orçamento era de cerca de R$ 100 milhões, e vinha num avanço muito importante. Essa Emenda está em rota de coalizão com outra emenda, a nº 80, que determina que para cada comarca haja um defensor. O modelo de assistência que a Constituição escolheu que é um modelo de Defensoria, de acesso à Justiça.

Quando a Emenda determinou que para cada comarca exista um defensor, não poderia outra emenda, a 95, colocar um limite orçamentário. Isso impediu o crescimento da Defensoria.

O que o senhor destaca da atuação da DPU?

Pereira: A defensoria faz um trabalho lindo em todo o país. Nós atendemos grupos subalternizados, invisibilizados, quilombolas, índios, a comunidade LGBTI+ e tantos outros. A Defensoria é a única porta de acesso ao Poder Judiciário para essas pessoas.

O que eu mais destaco é a esperança que é levada pela Defensoria. A DPU foi eleita por uma pesquisa do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) como a instituição mais confiável e relevante dentre todas as instituições. Ela é uma das poucas instituições que têm um relacionamento direto com o pobre. É o rosto feliz do pobre, o acesso à Justiça quando ele ganha uma liminar. Às vezes, a DPU é a única alternativa para ele ganhar a aposentadoria, o auxílio emergencial, um medicamento, para salvar a vida dele fazendo uma radioterapia.

Outros órgãos já não conseguem fazer isso. Se um hipossuficiente procurar o MPF, por exemplo, para ajuizar ação individual, ele vai dizer para que esse indivíduo remeta à Defensoria.

Investir na DPU não é gasto, é investimento mesmo. Muitas das demandas não são ajuizadas porque conseguimos resolver extrajudicialmente, às vezes com ofício, com um telefonema. A judicialização é muito cara no país, é custosa, é morosa e toda ação deixa um trauma, porque tem um derrotado e um vencedor. E nem sempre o juiz tem condições técnicas de decidir aquela demanda. Mas quando você impede que a demanda chegue ao Judiciário, e dialoga contra a parte, e chega a um acordo, é o melhor dos pontos. E a DPU tem esse papel.

Se por um lado a DPU tem esse papel único, por outro, ela tem sido, historicamente, acusada de ativismo judiciário. Existem temas um tanto quanto conflitantes dentro do órgão, entre os quais podem ser citados a defesa do nascituro, da família e do direito religioso. Há quem acuse a DPU de estar aparelhada ideologicamente e de, ao arrepio do ordenamento jurídico vigente, fazer ativismo judicial e extrajudicial em benefício exclusivo de agendas consideradas progressistas. Como, por exemplo, em defesa do aborto e da descriminalização das drogas. O senhor concorda com essa afirmação?

Pereira: O que eu posso falar, neste momento, é que a Defensoria é um órgão plural.

O senhor acaba de afirmar que, hoje, ela é um órgão plural, certo?

Pereira: Ela é um órgão técnico. A militância política não pode embasar as ações judiciais. O que tem que fundamentar as ações judiciais são provas documentais e outros tipos de provas. Minha opinião é a de que, se a esquerda pode falar, a direita também deve ter espaço. A carreira tem que ser plural. Acho que pautas morais e de costume vêm custando muito caro à DPU, e isso já deveria ter sido solucionado no Poder Judiciário, no Legislativo, isso não tinha que parar aqui.

Não digo que algumas pautas devam ser desprezadas, mas se pudéssemos ter solução no Poder Legislativo e tirar isso dos órgãos que formam o sistema de Justiça, seria o melhor.

Haverá chancela para criação de um grupo de trabalho em defesa do nascituro, por exemplo? Essa demanda chegou ao último defensor-geral e não houve deliberação.

Pereira: Prefiro não comentar sobre isso nesse momento.

Como você vai lidar com grupos radicais que não aceitam a pluralidade de opinião, principalmente em temas sensíveis como, por exemplo, descriminalização do aborto e das drogas, criminalização da homofobia por decisão judicial e perseguição religiosa?

Pereira: Eu vou ter uma relação muito cordial com todos eles. O meu guia vai ser a Constituição e a lei, sempre. Seja para um lado ou outro. As pessoas têm autonomia funcional. Quem quiser, sendo da direita, ajuizar ação civil pública, vai ajuizar. O defensor-geral não comanda defensores federais, é só um gestor administrativo. Nisso, eu não posso colocar a mão.

Minha justificativa vai ser sempre na Constituição, mas há uma justificativa na Bíblia também: quando perguntaram a Jesus "eu tenho que pagar imposto a César?". Dai a César o que é de César. Cumpra-se a lei. A lei é boa? Não é. Então temos que mudar a lei. Essa é a regra do jogo. Minha orientação é: atuem de forma técnica, com esteio probatório. Eu não tenho voz sobre a independência funcional de ninguém.

Mas quando o senhor tem aval para chancelar determinada demanda, como um grupo de trabalho em prol do nascituro - achando que esse GT é válido ou não - o senhor não estaria orientando, de alguma maneira, a atuação dos defensores na ponta?

Pereira: Não. Eu tenho que fazer uma escolha, mas sempre respaldado na lei. Como defensor, eu tenho que ter uma visão institucional, não posso aumentar esse fosso que está ocorrendo na carreira. Eu tenho que criar pontes. Não posso ficar nessa briga de direita e esquerda dentro da instituição.

Há relatos de grupos que têm mais voz dentro da DPU e que acabam coagindo e barrando o trabalho de defensores conservadores...

Pereira: Eu não vou agir por ameaças. Vou agir sempre tecnicamente. Se eu e entender que estou escudado na Constituição ou na lei, eu vou embora, não vou agir sob pressão ou ameaça.

E os defensores da ponta que eventualmente sentirem-se coagidos serão acolhidos?

Pereira: Quem for ameaçado, tem que ser acolhido.

E quanto às ameaças veladas ou feitas de forma institucional?

Pereira: Isso tem que, concretamente, chegar até mim. Temos uma legislação penal de regência, há crime de injúria, difamação, crime de ameaça. A gente representa ou, quem foi ofendido, abre a representação. A única ingerência do defensor-geral é, se alguém precisa de escolta policial e está sob ameaças concretas, ele requisita à Polícia Federal. Se algum defensor cometer algum crime contra outro defensor, ele é representado pela corregedoria. Eu não tenho autonomia sobre isso.

Como o senhor, como um cristão, vê o avanço dos evangélicos em diferentes instâncias do governo?

Pereira: Desde que o evangélico e qualquer um que faça assunção do cargo atue em bases democráticas, com critérios técnicos, eu não vejo problema nenhum. Esse é um fenômeno mundial que deve ser respeitado, de governos nacionalistas, conservadores, mais à direita. Isso é plenamente legítimo, resultado das urnas e, democraticamente, isso tem que ser respeitado porque é a vontade democrática.

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