• Carregando...
Oswaldo Iwamoto na Rua XV de Novembro, em Curitiba: depois da fama, o anonimato |
Oswaldo Iwamoto na Rua XV de Novembro, em Curitiba: depois da fama, o anonimato| Foto:

Oswaldo Iwamoto

Em festas de família ou quando vai comprar um inocente frango assado na esquina, o climatologista aposentado há mais de dez anos ainda ouve a teimosa pergunta: "- Chove?". Durante pelo menos duas décadas, Oswaldo Iwamoto, professor aposentado da UFPR, foi referência em meteorologia na cidade. Fonte única da imprensa, tornou-se popular. Uma conhecida chegou a lhe telefonar para saber a previsão do tempo e decidir que roupa usaria naquela noite.

"Alô, seu Oswaldo. Não iremos publicar a matéria sobre o senhor neste fim de semana", disse eu. "Que bom, melhor para mim. Eu quero anonimato", disse ele, com aquele risinho entre o debochado e o nervoso, muito próprio ao sério e contido humor nipônico.Na década de 1970, a previsão do tempo em Curitiba estava personificada em um descendente de japoneses de altura mediana, Oswaldo Iwamoto. Por força do destino, aquele professor de Climatologia do curso de Agro­­nomia da Universidade Federal do Paraná veio a se tornar meteorologista.

Certa vez, consultado por um repórter, acertou em cheio o tempo do dia seguinte. A partir daquele dia ele nunca mais seria deixado em paz.

Trabalho perigoso aquele: prever diariamente o desenrolar do clima em Curitiba, famosa desde sempre pela complexidade. Vide os "veranicos" de outono, os "invernicos" de primavera e os demais "icos" que teimam em espetar a regularidade climática da cidade. "Curitiba está a 900 metros do nível do mar, é a capital brasileira de maior altitude. Quanto mais longe do mar, maior a variação", diz ele. Curitiba é, cientificamente, imprevisível. "Além disso, cada bairro é um bairro, e quando eu dizia que iria chover na cidade e caía água apenas no Tarumã e no Jardim Social, a pessoa que morava no Pinheirinho se apressava a chiar", lembra ele, assinalando uma das muitas reclamações que ouvira sobre suas previsões ao longo da vida.

Rotina

O dia a dia complicava a vida do meteorologista. Uma dúzia de repórteres ligava logo cedo. Às 4 horas da madrugada um deles não hesitava em sacar o telefone e discar para o meteorologista, que tinha de estar no Centro Politéc­nico da UFPR, no Laboratório Experimental de Climatologia, fazendo somas e subtrações, lendo gráficos e medindo o tempo para que tivesse uma resposta convincente na ponta da língua quando, enfim, a malfadada e impertinente pergunta de todos os dias e noites, após os rápidos cumprimentos iniciais, fosse despejada pela boca do repórter nos ouvidos de todos os curitibanos – entre eles Iwamoto: " Chove?"

Ele não sabe dizer quantas vezes tirou o telefone do gancho e surpreso percebeu que "no ar" se encontrava. Para não dar furo, tinha que ter os pés bem fincados no chão: termômetro no bolso, gráficos sobre entradas de frente frias em mãos, equipamentos em casa e uma rotina de verificações de níveis de umidade, temperatura, pressão e velocidade dos ventos. Dizem as más línguas que o guarda-chuva também era fiel companheiro de Iwamoto.

O problema maior, segundo ele, é que os repórteres queriam saber mais do que à época se conseguiria responder. Previsão de dois dias era muito tempo – uma semana era eternidade. Para tentar responder melhor, estudou a direção do vento e fez um mapa das frentes frias com seus alunos. "Recebi muitas críticas quando disse que frentes frias vinham também no verão."

Previsível

Na casa de um dos seus quatro filhos, com quem passa a maior parte do tempo, Iwamoto, de 66 anos, conta seus descaminhos pela estrada do cobiçado ostracismo. O verbo principal que conjuga hoje é evitar: "Evito aglomerações"; "evito ir ao campo do futebol, vejo futebol pela tevê"; "evito festas de família!"; "evito reuniões". "Evito porque acabo tendo que dar muita satisfação para as pessoas, que querem saber o que ando fazendo", diz ele, alegando um problema de garganta – graças aos anos de docência – que o impede de ficar por muito tempo conversando. "A garganta chega a estar enferrujada, dói, tenho que tomar pastilha e fazer gargarejo." Tempos atrás foi comprar um frango assado na esquina de casa e, logo que o reconheceu, um senhor não conseguiu se segurar e disparou-lhe: "Iwa­­moto, essa garoa continua?" Eis que o ex-meteorologista respondeu-lhe, na lata: "Por que o senhor está me perguntando isso?"

Também pudera. O meteorologista era onipresente em rádios, televisões e jornais. Era tão conhecido que um dia reitor e general lhe chamaram a atenção para que parasse de fazer suas previsões. "Assim você derruba a cotação do café em Nova York, Iwamoto". Ou quando ligavam fazendeiros pedindo previsão sobre geadas e chuvas. Mas o emblema maior do agigantamento desproporcional de sua fama ficou evidente quando um parente seu ligou na hora de decidir por uma roupa: "Vai fazer frio na festa de domingo? Senão vou de manguinha".

Também tinha quem queria marcar mudança com bastante antecedência, e não queria que chovesse no dia. E ainda os que ligavam ao Iwamoto dizendo que iriam pescar no mar e não queriam que chovesse, nem que fizesse frio, nem névoa e aqueles que queriam saber se podia confirmar o futebol do fim de semana. Até que começaram a se aproximar pessoas que queriam muito mais do que previsões climáticas. "Eles queriam dicas de vida, indicações de onde aplicar seu dinheiro, como conduzir a sua vida profissional", diz ele.

Em Curitiba, o erro é relativo

Quando Iwamoto errava, a onda de críticas começava dentro de casa. Parentes, vizinhos, amigos, inimigos e jornalistas ecoavam, em uníssono: "Você não acerta uma". O problema é que, quando acertava, ninguém falava nada. Daí vieram apelidos como "Chutamoto" ou "Erramoto", gozações que ele tirava de letra. Eles diziam: "Quando você fala que vai chover, faz sol, quando fala que irá fazer sol, chove".

Se não fosse o apoio da família, talvez o meteorologista tivesse desistido. Fora uma vez em que quase desistiu do filho mais novo. Naquela velha ratoeira do programa de rádio "ao vivo", o garoto pegou seu pai no contrapé: "O pai só erra", respondeu prontamente o menino de 10 anos à pergunta do radialista: "Seu pai acerta muito?"

Mas os constrangimentos e situações embaraçosas não o abalaram. "Descobri que apesar das críticas era reconhecido e que as portas se abriam, que as gozações eram mais por simpatia do que por ironia". O veneno, segundo ele, morava na faculdade, por parte dos professores doutores, que o desenhavam com nariz e chapéu de palhaço ou que respondiam a jornalistas que o Iwamoto ali não trabalhava, "só por ciumeira", diz ele, que não fez mestrado nem doutorado.

Ele não está lá

Onde está o Iwamoto? A pergunta ainda ecoa em antigos jornalistas que apresentam programas de rádio de Curitiba, como um chamado-pesadelo para o aposentado. "Graças a Deus, estou curtindo a aposentadoria, a família, e vivendo mais escondido do grande público, pescando lambari e assistindo futebol – pela tevê."

O aposentado troca frequentemente o número de celular, "mas repórter é igual a polícia, descobre, assim como você descobriu". Sua ideia para o futuro é viajar pelo mundo e em cada dia estar em um país diferente, Itália, França, Japão... E ser encontrado apenas pelo celular. "Assim estarei longe das pessoas que me conhecem como meteorologista."

Para quem não entendeu, o recado é claro: não procure pelo Iwamoto, ele não está. E se o encontrá-lo em frente a frangos assados, você sabe muito bem o que não deve fazer.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]