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A ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, tem anunciado novos projetos todo mês desde que assumiu a pasta. Em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo, falou sobre vários dos que já estão em andamento e antecipou alguns planos para 2020.

Uma das metas para o ano que vem é uma grande reestruturação das unidades socioeducativas para menores de 18 anos acautelados – as antigas Febem (Fundação Estadual para o Bem-estar do Menor). “Queremos trabalhar essas unidades de tal forma que o menino entre ali, e ali seja um lugar, de fato, de ressocialização”, diz.

Para isso, segundo ela, o ministério precisará de R$ 1,2 bilhão para construir 62 unidades em todo o país. Parte do dinheiro poderá vir da Lava Jato e de parcerias público-privadas.

Na entrevista, a ministra também fala dos projetos de combate à violência contra a mulher e da campanha de educação da afetividade e da abstinência sexual entre os jovens.

"As nossas adolescentes (...) estão tendo relações sexuais por pressão social. Se você não tiver relação sexual, você não é linda, amada e desejada (...) A maioria das adolescentes, quando chegam grávidas no consultório, a frase é a seguinte: ‘eu não queria nem ter tido relação com esse menino nessa noite’", afirma.

Outro tema abordado foi a Comissão de Anistia, que está sob o comando de seu ministério, e que indeferiu 85% dos pedidos de indenização encaminhados à comissão. A ministra explica que a comissão tem seguido critérios técnicos e que sua intenção é resolver todos os casos e dissolver a comissão até o fim de 2020.

Para o futuro, ela não cogita participar de eleições ou almeja um cargo mais alto no governo. “Tu é doido! Dá muito trabalho ser ministro (...) Estou ministra porque quero fazer parte deste momento, dessa transformação social que nós estamos fazendo”, diz.

Confira a entrevista na íntegra:

Por que o seu ministério tem recusado tantos pedidos de anistia?

Damares Alves: Quando assumi, recebi um ativo de mais de 9 mil requerimentos que eu vou ter que analisar. Os critérios de análise nesta gestão têm sido critérios técnicos. Nós estamos trazendo a lei, fazendo a aplicabilidade da lei aos requerimentos e obedecendo a jurisprudências anteriores. Os requerimentos não são analisados pela ministra. Eles já vêm analisados com uma proposta de decisão. Todas as propostas de decisão que vieram da comissão, o que a comissão decidiu, eu acatei sob o critério técnico.

O ministério quer finalizar as análises e acabar com a Comissão da Anistia até quando?

Damares: Eu gostaria muito que fosse até final de 2020. Estamos trabalhando muito. A nossa comissão é formada por pessoas extremamente extraordinárias, com uma seleção de currículos, e a gente quer fazer uma força-tarefa. Como existe muito requerimento igual, a gente já tem jurisprudências para julgar blocos de requerimento. Tem requerimento que é ação trabalhista, não é anistia. Por exemplo, a pessoa fez uma greve nos Correios e foi demitida por causa da greve. Isso não é uma anistia. Essa pessoa não sofreu nenhuma perseguição. Foi uma decisão coletiva. Vai reclamar essa ação lá no foro certo, que é a vara trabalhista. O nosso tem que obedecer critérios estabelecidos por lei. Como nós temos muitos requerimentos iguais, dá para julgar por bloco. Creio que a gente consegue, em um ano, analisar todos os requerimentos e dar encaminhamento para o fim da Comissão de Anistia.

E dissolver a Comissão de Anistia já no final do ano que vem?

Damares: Se a gente conseguir analisar todos os requerimentos, eu creio que a gente consegue encerrar, porque já era para ter acabado essa Comissão. A lei é muito clara. É para analisar requerimentos de pessoas que foram perseguidas politicamente num período. A maioria dessas pessoas estão com idades muito avançadas. Eu não consigo ver pessoas jovens entrando com requerimento agora. Nós tivemos algumas situações dentro da Comissão de Anistia.

Por exemplo, anistiar os ex-cabos da FAB. Quando você pega a idade de alguns ex-cabos da FAB, da Força Aérea Brasileira – porque muitos deles entraram com pedido de anistia –, quando você pega a idade deles e você volta no tempo, no período do regime militar, eles tinham 3 anos de idade. É, de fato, pedir o que não é devido.

A comissão já tem anos de experiência. Dá para fazer a análise de requerimentos por blocos, inclusive, e eu creio que a gente vai conseguir. Porque o mais angustiante para nós é essas pessoas ficarem sem resposta. Nós temos que dar ou sim ou não. Se eu der uma resposta não, se o ministério decidir que ele não tem direito, ele ainda pode recorrer judicialmente. O que não podemos é não dar respostas. O meu papel é dar resposta a todos os requerimentos que foram protocolados.

Pacto pela infância e meritocracia

A sra. prometeu em entrevista à Rádio Vaticana um grande projeto de proteção à infância… Como vai ser esse projeto?

Damares: O projeto não é meu, o projeto é do governo federal. O governo federal vai apresentar para o Brasil um grande pacto pela infância. Seria anunciado hoje [na segunda (16)], mas acabou não sendo porque tem alguns ajustes na área econômica para fazer. Por exemplo, para você apresentar um projeto, tem que dizer de onde está tirando dinheiro. Vai ter que remanejar de algum outro projeto para trazer para esse.

Mas este projeto vem com um fortalecimento do Bolsa Família, que vai ter um outro nome. As crianças vão receber também por mérito. Vai ter análise de nota das crianças.

Vai ter um plus até 21 anos para aquele jovem que for para o ensino técnico ou para a faculdade. Vai ter olimpíadas de matemática, vai ter competições de jogos. Os jovens que ganharem, a família receberá um prêmio.

Qual é o objetivo? Os meninos estão estudando até o limite do Bolsa Família. Eles não estão avançando. E nós temos uma geração no Brasil chamada "nem, nem". Nem está na escola, nem está no mercado de trabalho. O Bolsa Família vai estender um pouco o benefício. É um plus para o jovem que ascender. Mas vem também aí a porta de saída. O Bolsa Família tem a porta de entrada, precisamos ter uma porta de saída para esse jovem. Capacitá-lo para ingresso no mercado de trabalho. Vêm coisas bem interessantes.

Mas, lá na ponta, com a criança – eu vou só dizer, porque eu não posso anunciar, é o presidente que anuncia –, mas, no Brasil, nenhuma criança mais ficará sem creche. Aguardem, vêm grandes novidades. Fortalecimento da primeira infância, proteção da criança… É um pacote com inúmeras iniciativas com foco na criança.

E o Bolsa Família, hoje, quem ganha menos vai ganhar mais. Havia uma distorção no programa Bolsa Família. Pessoas que ganhavam um pouquinho mais estavam ganhando mais do que aquelas que ganhavam menos. A gente vai corrigir essas distorções. Além do Bolsa Família, o plus para os jovens, a proteção da infância, o programa Primeira Infância vai crescer, praticamente vai dobrar. É um monte de iniciativas do governo federal para a proteção da infância. Eu costumo falar que é o maior pacto pela infância já visto no Brasil. E, se a gente fizer um pouquinho mais do que nós estamos sonhando, vai ser o maior pacto de proteção da infância do mundo.

O Bolsa Família vai ter relação com a ideia da proteção à infância?

Damares: A proteção da infância [confirmando]. Ele vem também como uma meta de proteger a infância. A criança na escola, alimentada e acompanhada. O Bolsa Família vai ser remodelado. Vai ser extraordinário visando a proteção da infância.

Isso vai ser anunciado quando?

Damares: Seria anunciado hoje [segunda-feira (16)], mas tem uns ajustes econômicos. Coisa simples. A gente precisava de algumas autorizações do ministério da Economia, essas autorizações estão sendo construídas, então, eu creio que ainda antes do Natal, talvez, dê tempo de ser apresentado para o Brasil. Se não, logo nos primeiros dias de janeiro. Mas, assim, só o fato de eu falar que nenhuma criança vai ficar fora da creche, você imagina quão grande é esse projeto. Só que eu não vou dizer de que forma vai ser. Mas vem aí novidades para toda família brasileira. Infelizmente, nos últimos anos, no Brasil, a infância foi deixada de lado. E esse presidente quer entrar para a história como o presidente da criança. E nós estamos trabalhando nesse sentido.

Campanha de educação dos afetos e de abstinência sexual para jovens

Recentemente, disseram que o ministério estava promovendo um seminário para incentivar jovens a não transar como forma de combater a gravidez precoce. Na verdade, eu fui a esse seminário, e era sobre o uso da educação afetiva como uma forma de diminuir a promiscuidade entre os jovens. A senhora acha que houve má-fé da imprensa?

Damares: Claro. Tudo o que esse ministério faz é divulgado de uma forma negativa. O que nós vamos falar com os jovens? Está sob nossa responsabilidade a campanha de prevenção à gravidez [precoce]. A Secretaria Nacional da Juventude está nesse ministério e a Secretaria Nacional da Criança e Adolescente está no ministério. Essas duas secretarias têm uma hora em que as idades se cruzam. Então esse ministério fala com os jovens. As políticas públicas para a juventude são desenvolvidas nesse ministério. Esse é um assunto também da área da saúde, mas é um assunto também da educação. Então os três ministérios estão juntos para fazer o combate à gravidez na adolescência a gravidez precoce.

E por muitos anos, o tempo todo, o Brasil só ofereceu para o jovem alguns métodos de prevenção à gravidez, que era a camisinha, o preservativo, o anticoncepcional e outros métodos para o jovens e para adolescentes. Mas tem um método muito eficaz. Esse método, eu vou falar “abstinência”, porque é o termo certo.

Mas eu posso chamar também de retardar o início da relação sexual, e trazer para a relação sexual, conversar com os jovens, sobre sexo e afeto.

As nossas adolescentes, em sua grande maioria, estão tendo relações sexuais por uma pressão social. Se você não tiver relação sexual, você não é linda, amada e desejada. Ginecologistas procuraram o ministério para dizer que a maioria das adolescentes, quando chegam grávidas no consultório, a frase é a seguinte: ‘eu não queria nem ter tido relação com esse menino nessa noite’.

Mas vai para uma festa, não fica, há toda uma pressão social sobre isso. Então a gente vai fazer uma revolução. Não ficar não é careta. Vamos começar a falar sobre isso. Pense duas vezes. Vamos falar sobre ‘segure a onda’. Vamos trazer essa discussão sobre o afeto. Você pode ir para uma festa e se divertir muito sem precisar ter uma relação sexual. Então, a gente vai falar para os jovens sobre essa opção de adiar a relação sexual e adiar o início da relação sexual.

E a gente está trazendo para esse debate números. Essa é uma prática em alguns países. Os Estados Unidos, por exemplo, nós trouxemos para o nosso seminário, fizemos um seminário na Câmara dos Deputados sobre o assunto. Trouxemos para o seminário a gestora pública dos Estados Unidos que aplica essa técnica. Ela mostra em números, o número de gravidez diminuiu muito.

A gente vai poder falar no Brasil de alma gêmea. Claro que existe alma gêmea. Vamos falar para os adolescentes sobre isso. Olha, a gente inclusive tem usado técnica entre os adolescentes, eu queria sugerir para os professores que quisessem. Pega uma fita adesiva, cola no braço do adolescente. Faz uma moda e manda ele tirar e colocar no braço do outro. Tira e coloca no braço do outro. Daqui a pouco, na quinta, sexta pessoa, a fita não gruda mais. Assim fica a nossa alma. Fica, larga, fica, larga. Tem uma hora que a menina não cola com ninguém. Sua alma não cola com ninguém. O menino não vai encontrar seu amor porque fica, cola. Daqui a pouco é normal ser descartado e descartar.

Nós queremos falar sobre amor, sobre afeto. Então, é um assunto legal. Isso não quer dizer que não vão falar dos preservativos, que não vamos falar dos outros métodos. Mas a gente quer trazer o método mais eficaz para não engravidar, que é não ter relação.

Combate à violência contra a mulher

A senhora fala que nunca se fez tanto pelo combate à violência contra a mulher como neste governo. O que o governo tem feito de diferente nesse tema?

Damares: Está virando a pirâmide. Os programas de proteção da mulher ficavam muito concentrados aqui em Brasília. E o presidente tem um jeito Bolsonaro de governar. O que é esse jeito Bolsonaro de governar? É o que ele tem dito: mais Brasil, menos Brasília.

Então, as políticas públicas ficaram muito concentradas aqui, mas quando a gente ia lá na ponta a gente via que as coisas não estavam acontecendo e a violência acontece aqui no município. Então o presidente quer fortalecer o conceito de direito das mulheres do município, fortalecer o máximo. O presidente quer que em todos os municípios tenha pelo menos um órgão de proteção da mulher.

Veja o que acontece hoje. Apenas 9% dos municípios no Brasil têm uma Delegacia da Mulher. Vamos fazer as contas? Delegacia da Mulher é uma experiência que está no Brasil há mais de 35 anos. Se em 35 anos, nós chegamos a apenas 9% dos municípios, vamos demorar mais de 300 anos para chegar a 100%. O presidente não quer isso. Então vamos apresentar uma proposta, junto com o ministério. Nós estudamos e qual é essa proposta: toda a delegacia vai ser também Delegacia da Mulher. Por que não?

Toda cidade tem uma delegacia. Então nós vamos pegar a delegacia que já existe. Vamos supor, a delegacia tem dez servidores. Nós vamos pegar três e nós vamos capacitá-los para atendimento diferenciado da mulher. Criar em todas as delegacias um Núcleo Especializado de Atendimento à Mulher. Pegamos a delegacia e transformar esse espaço em um núcleo de atendimento da mulher: uma sala reservada, com uma porta, o servidor treinado, em um espaço especial para a mulher.

Às vezes, ela vem com filho, tapetes com brinquedo no chão para a criança ficar brincando enquanto a mulher está sendo atendida, os agentes serão especializados no interrogatório, na forma de falar. Mas o mais interessante: na delegacia ela já será ouvida pelo Serviço Social, pelo serviço de psicólogos, pelo agente de polícia. Ela será ouvida uma única vez. O que acontece hoje: ela fica repetindo a história. Então a gente tem um espaço na delegacia, em todas elas.

Vai ter dinheiro? Não é caro. Nós tivemos uma experiência aqui em Brasília. O 29.º distrito de Brasília, um espaço grande, eles cederam ali uma área da delegacia, com a ajuda da iniciativa privada, de todo o mundo. Esse espaço foi reformado, decorado, tem até vasinhos cor de rosa, um espaço para a criança no chão, dentro da própria delegacia.

E a cidade e o Estado que não têm dinheiro para reformar delegacias? Vamos conversar com a sociedade. Por exemplo, nesse bairro tem cinco igrejas evangélicas e duas igrejas católicas. Vamos falar com as igrejas: vocês não poderiam, em forma de mutirão, nos ajudar a reformar essa sala? Pintar de cor-de-rosa, tá? Porque a ministra quer cor-de-rosa. Brincadeira! Vamos fazer um puxadinho aqui em parceria, tudo muito transparente, dentro da lei, nos moldes em que a lei estabelece e a delegacia, aproveita já pinta a delegacia toda.

A sociedade civil pode resolver muitos dos problemas do poder público e com o poder público.

Então, a gente faz essa ação em todas as delegacias junto com as empresas da região, dos empresários, as igrejas, as instituições que já existem, os bancos. Então nós vamos começar a conversar para que isso seja uma realidade.

"Quantos núcleos a senhora quer?" Bora somar: 5.600 municípios. Vamos imaginar que seja uma média de 2 delegacias por município. É muito mais, nós temos cidades, como São Paulo, quantas delegacias têm em São Paulo? E tem cidade que só tem uma, tem cidade que não tem nenhuma. Mas vamos imaginar 10 mil delegacias. Nós ficaremos com 10 mil núcleos no Brasil de proteção à mulher, de Atendimento Especializado à Mulher. Vocês vão conseguir? Vamos correr atrás. E a gente vai trabalhar.

Nós queremos fazer exatamente o que o presidente Bolsonaro quer: mais Brasil menos Brasília. Adianta eu estar trancada aqui nessa sala do ministério, com o especialista discutindo violência contra a mulher, se é lá na ponta que a violência acontece?

Patrulha Maria da Penha

Algo mais em relação à violência doméstica?

Além disso, a gente quer fazer um outro trabalho também, uma experiência que está dando certo, que é a Patrulha Maria da Penha. O que é a Patrulha Maria da Penha? É uma viatura da Polícia Militar, que é destinada só para atender a ocorrência de violência doméstica. E essa viatura, inclusive, tem um logotipo no carro – claro que eu queria pintar a viatura de cor-de-rosa, mas não pode. Ela tem lá um slogan da Patrulha Maria da Penha e aquela equipe é treinada para atendimento à violência doméstica.

Qual é a diferença? A diferença está no tipo de violência. Nós temos a violência doméstica, nós temos uma homem agressor que está alcoolizado.

Há uma diferença do homem agressor que está alcoolizado e o homem agressor que é perverso. É preciso pensar na forma de abordar esse agressor, como retirá-lo do lar, e existe também a capacitação desse agente. Às vezes, a mulher liga, denunciou, mas até viatura chegar ela já está com uma faca nas costas, ela abre a porta: ‘não, está tudo bem’, com olhar de que não está. Esse corpo de policiais que são treinados para olhar nos olhos, ver as expressões, ver se não está suando demais, se não está tendo uma reação diferente. É uma equipe especializada em atendimento de violência doméstica, porque a violência doméstica tem uma série de ingredientes.

Um desses ingredientes se chama afeto. Tem crianças na história, tem parentes envolvidos, tem emoções. Então essa equipe da Polícia Militar é treinada exatamente para lidar com emoções, com criança, com a sogra, com a avó, com a dor, com sangue, com a morte. Então, é uma equipe especializada. Qual o nosso objetivo: que todas as cidades do Brasil tenham uma Patrulha Maria da Penha.

Estamos conversando com secretários de segurança pública de todos os estado. Estamos conversando com a Polícia Militar e as viaturas já estão na cidade, é só tirar uma daquelas lá para a Patrulha Maria da Penha. Ou a gente parte para conversar com o poder público ou com a iniciativa privada, com todo mundo, vamos comprar mais uma viatura. Aí a gente está falando novamente da ponta, onde a violência acontece. Então é dessa forma que nós estamos lidando com a violência contra a mulher, fortalecendo a rede na ponta.

A senhora acha realista patrulha em todas as cidades?

Damares: Acho. Até uma cidade pequena. Tem duas viaturas, uma vai ser de violência doméstica. Acho necessário. Acho possível de trabalhar nessa linha. Ter um efetivo preparado. Em uma cidade pequeninha que só tem uma viatura, mas o efetivo esteja preparado para atender a violência doméstica. Existe muito muitas nuances em torno da violência doméstica.

A senhora foi muito criticada naquela coletiva em que ficou em silêncio para falar sobre a violência doméstica…

Damares: Me arrependi. De ter ficado em silêncio só 30 segundos. Podia ter ficado um minuto. Falariam mais. O objetivo era que falassem. Falaram. Eu não causei nenhum prejuízo a nenhum órgão de imprensa. Todos já estavam lá dentro. Ninguém pegou seu carro gastou com gasolina para ir até lá. Foi um silêncio de apenas 30 segundos. Fiquei em silêncio 30 segundos e logo depois explicamos o que era, mas em 30 minutos eles falaram e falaram muito porque a ministra ficou em silêncio. Eles perceberam como é ruim tirar a voz de uma mulher. Esse era o objetivo.

Nós queremos dar voz à mulher. O programa, a campanha era exatamente isso. Você tem voz. Mas não foi só eu que fiquei em silêncio no Brasil aquele dia. Cantoras ficaram em silêncio, lançaram clipes em silêncio. Apresentadoras de programa de televisão, quando passaram a palavra para elas, ficaram em silêncio. Influenciadores de mídias digitais ficaram em silêncio. Mas só falaram da ministra porque a imprensa ama falar da ministra. Valeu a pena falarem.

E aqui vai um recado para todas as mulheres: você tem voz. Se estiver vivendo um ciclo de violência, se estiver correndo risco de vida, ou conhece alguém que está sofrendo. Ligue 180, é o telefone do ministério. A nossa equipe está preparada para atender todas as mulheres ou todas as pessoas no Brasil que sabem que uma mulher está correndo risco de vida ou está em sofrimento. Ligue 180. Posso repetir o número de novo? 180. Não esqueça. 180.

A ligação é gratuita, 24 horas e você é atendido em outros idiomas também, pode ficar de qualquer lugar do mundo. Detalhe: até a surda, a partir de março, poderá ligar porque vamos ter vídeo chamada para atender as mulheres surdas do Brasil.

Ainda sobre esse assunto de violência contra mulheres, é muito difícil convencer mulheres vítimas de violência que elas estão em relacionamentos abusivos e precisam de ajuda. Além de denúncia anônima, que pode ser feita por qualquer outra pessoa, como chegar a essas mulheres e convencê-las de que algo está errado?

Damares: Aí está nosso papel de educação no Brasil e conscientização. Tem mulheres que vivem em violência e não têm noção de que aquilo é violência. Não existe só violência física, a violência física a gente vê o olho roxo, a marca, um dente quebrado, a perna quebrada, a gente vê a mulher em sangue. Mas existe uma violência no Brasil muito ruim e que a gente fala muito pouco que é a violência psicológica.

Tem mulheres que estão vivendo esse ciclo de violência psicológica e não sabem. Homens ciumentos, homens agressores, homens violentos, homens que desprezam, homens que humilham. E essas mulheres já vêm aí, ‘a minha avó foi assim, minha mãe foi assim, então isso é normal’. Não é normal.

Então nós estamos conversando com essas mulheres: isso não é normal. Só que precisamos entender uma coisa do Brasil: mais de 53% das mulheres que denunciam o agressor, depois elas voltam para o agressor. E é exatamente porque é uma violência que envolve afeto, dependência econômica, dependência afetiva, envolve filhos.

Nós temos situações em que o homem agride a mulher, mas ele é bom pai. Nós temos paradoxos nessa história. Então essas mulheres voltam. E aqui quero dizer para todo mundo: Não critique uma mulher quando voltar para o agressor. Você não sabe o tamanho da dor e da necessidade desta mulher. Vamos procurar ajudá-la sem criticá-la.

Se elas estão regressando para o agressor, será que não está na hora do Brasil trabalhar o agressor? Porque 53% voltam para o agressor. Aquele agressor que não voltar para esposa, vai casar com outra mulher. Ele vai fazer outra vítima. Então, a Lei Maria da Penha fala na restauração do agressor.

Em 2020 nós vamos trabalhar muito isso. Já existem no Brasil inúmeros grupos reflexivos dentro dos tribunais. O juiz, ao dar uma pena, ao invés de dar uma pena de serviços comunitários ou uma pena de alguns dias na cadeia, ele dá uma pena de participar por seis meses de um grupo reflexivo pra refletir sobre a sua condição de agressor.

E nesses grupos, o que nós temos observado, homens que vieram de lares agressores, homens que viram a vida toda a mãe bater, homens que foram, inclusive, abusados na infância, agredidos na infância, violentados na infância. Esses homens estão reproduzindo comportamento e quando eles descobrem que eles podem mudar... E esses grupos reflexivos têm tido um sucesso. Então nós vamos ter também no Brasil grupos que trabalham o agressor.

Se o agressor é por causa do álcool, vamos trabalhar dependência química. Vamos trabalhar. Nós conhecemos homens que, quando estão sóbrios, são bons maridos, quando bebem são agressores. Então vamos trabalhar dependência química. Tem gente que não quer ouvir isso. Tem gente que quer o homem preso. Mas a violência doméstica é tão grande no Brasil que não vamos ter cadeia para todo mundo. Então vamos mudar a lógica também, vamos trabalhar o agressor. Então está aí a proposta de sentar e conversar e ver como nós vamos fazer isso. Vamos pegar as experiências exitosas e vamos replicar.

Já tem alguma ideia de como fazer isso?

Damares: O caminho ideal são os tribunais. São os grupos reflexivos junto com o Judiciário. Nós temos um Poder Judiciário muito bom. Nós temos um Ministério Público bom no Brasil, nós temos as varas de enfrentamento à violência. Nós temos extraordinários juízes no Brasil, nas varas de enfrentamento à violência doméstica, que lidam com isso todo dia. O corpo a corpo social, psicológico, de dentro do Judiciário. Esse corpo tem experiência e nós acreditamos que, se a gente começar pelos tribunais, a gente pode dar um grande passo e avançar muito na restauração do agressor.

Ministra bem avaliada

Mesmo com as polêmicas, dos ministros a senhora é a mais conhecida pelo público, segundo o Datafolha…

Damares: Sou linda!

Desculpa, a terceira mais conhecida…

Damares: Segunda!

Terceira mais conhecida, segunda mais bem avaliada. A que se deve isso?

Damares: À pauta. Não é a ministra, não é esse lindo rosto, não é a ministra. A nossa pauta é extraordinária. Nós estamos falando de proteção da criança. Eu tive a graça, a bênção de Deus de receber um ministério extraordinário. Quem que não quer falar de proteção à criança. E a proteção de idoso, de mulher, acolher povos tradicionais, proteger índios, proteger ciganos, proteger garantias de direitos? Eu estou com uma pauta extraordinária. A pauta é muito boa.

Então, o ministério ficou conhecido, o ministério ficou bem avaliado porque o Brasil entendeu essa pauta e nós temos que entender o seguinte: Bolsonaro foi eleito por maioria de votos. Então, a maioria da população brasileira, quando deu um voto a ele é porque ele prometeu trabalhar valores. Valores estão aqui nesse ministério. Nós estamos falando de valores, então é óbvio. Eu não sei se eu fosse ministra, por exemplo, ministra da Infraestrutura, eu estaria sendo mais amada. Porque o nosso ministro da Infraestrutura é um milhão de vezes melhor que eu. O ministro Tarcísio é um dos maiores gênios que eu conheço. Mas ele está lidando com pedra, com tijolo, com obra.

Eu acho bem legal, porque eles têm dinheiro e eu tenho o povo, estou falando com o povo. É bem legal, porque eles têm dinheiro, e eu que faço a festa com o povo. Tem sido bem bacana isso. Então, esse sucesso não é a ministra, é a pauta.

O Brasil queria ouvir falar disso, proteger criança. O Brasil queria ouvir falar não à ideologia de gênero. O Brasil queria ouvi falar sim a vida desde a concepção. O Brasil que iria ouvir falar ‘nenhuma mulher vai ficar para trás’. ‘Lugar de mulher é onde ela quiser’. As minhas frases, que todo mundo fala que é frase de efeito. São frases óbvias. É que eu falo com esse sotaque, eu ponho o coração, mas é o óbvio. Então o sucesso não é a ministra, é o ministério, é a pasta, são os temas.

Ministra, ainda dentro dessa avaliação, a senhora se sai melhor, inclusive, do que o ministro Sergio Moro, que é o mais bem avaliado, quando são os mais pobres que avaliam. A senhora acha que isso também tem uma ligação com seu jeito…

Damares: Mãe. Vamos lembrar que a maioria das famílias brasileiras são lideradas por mães e mulheres sozinhas. Eu sou uma mãe sozinha, meu marido me deixou. Ai, que tristeza. Mas eu falo com essas mães, eu falo com essas crianças. As crianças são vítimas de violência o tempo todo e quando eu falo de violência contra a criança, o não acesso à saúde é violência contra crianças. O não acesso a saneamento básico é violência contra a criança. Eu fui uma criança sobrevivente da violência, então elas interagem comigo. Elas sabem o que eu sofri. Eu sei que elas estão sofrendo. Então o que tem aqui muito é uma identidade de mulher, de mãe, de educadora, de menina que passou pela violência, então tem um pouco de identificação aí.

Mas eu creio que qualquer pessoa que estivesse na minha pasta, nessa pasta, e falasse diretamente com o povo seria a mais amada. Não sou eu. É o tema, é a pasta, é o ministério. Mas que bom que sou eu.

Com essa popularidade a senhora já cogitou concorrer à eleição?

Damares: Inúmeros convites já, e inúmeros partidos, mas eu não tenho nenhuma pretensão. Tenho dito não para todo mundo, não quero. Eu tenho uma missão. O presidente Bolsonaro, quando me convidou, nós temos um grande homem, extremamente inteligente, estrategista liderando dessa nação. Ele disse o seguinte: ‘ministra, construa esse Ministério da Família e Direitos Humanos de uma forma tão brilhante que ninguém nunca pense, quando eu deixar de ser presidente, que vierem outros presidentes, nenhuma reforma ministerial pense em acabar com o Ministério da Família. Então, eu tenho uma missão, que é entregar para o Brasil o Ministério bem estruturado. Eu estou trabalhando muito. Então eu estou focada nisso. A minha missão é entregar para o Brasil esse extraordinário ministério, que é da família, que era um sonho da família brasileira, ter um ministério para si. Então, esse é meu objetivo. Eu vou cumprir minha missão e eu não tenho nenhuma pretensão política.

Pelo contrário, eu morro de medo da urna. A urna dói, machuca. Já pensou? Eu quero morrer feliz, pensando que sou amada. Já pensou se eu concorro a uma eleição e chega lá e não tem os votos? Eu vou morrer infeliz, descobrindo que eu não sou amada. Então eu não quero a urna na minha vida.

Em quatro, no máximo oito anos, isso termina. E aí, depois?

Damares: Vou me aposentar. Vou pegar uma rede, ir lá para Sergipe, que é meu estado, numa cabana e a única coisa que quero fazer, que eu sei fazer muito bem, alfabetizar crianças. Então, contar história para crianças, eu sou boa contadora de história, conto história muito bem. Eu quero terminar meus dias cuidando de criança. Eu tenho essa opção de voltar para Sergipe, que é o estado que eu amo, mas eu tenho também a minha missão com as crianças indígenas. Eu não vejo a hora de parar de trabalhar para me dedicar ao que eu melhor sei fazer, que é sentar no chão e brincar com crianças.

Outro cargo dentro do governo mesmo, sem eleição, por exemplo, o ministério da Casa Civil, se convidassem...

Damares: Tu é doido! Dá muito trabalho ser ministro. Eu estou nessa, gente, só aceitei esse convite por missão. Eu sonhei com o Brasil pró-vida, eu sonhei com o Brasil pró-família, com a reconstrução dessa nação. Estou ministra porque quero fazer parte deste momento, dessa transformação social que nós estamos fazendo. Nós estamos construindo uma nova nação. Nós já somos uma nova nação. O presidente Bolsonaro já interrompeu, a eleição dele interrompeu um ciclo no Brasil. Daqui para frente é só a gente construir isso de uma forma muito coerente, com muita sabedoria. Nós já somos uma nova nação.

Este ministério tem a visão de que a família é a célula-mãe da sociedade. Qual projeto do ministério a senhora acha que mais vai ajudar a família?

Damares: Participar da construção de todas as políticas públicas trazendo a família para o foco. O que estava acontecendo no Brasil? As políticas públicas eram construídas sem pensar no fortalecimento da família.

Nosso maior papel é assessorar os demais ministérios. Tipo: 'nesta política pública, ministro, neste projeto que o senhor vai lançar, onde isso fortalece a família? Vamos repensar? Deixa eu dar um exemplo. Eu gosto de dar exemplos. Programa Minha Casa Minha Vida: ele é extraordinário. Ele é incrível. Vou dar um exemplo, assim, das marisqueiras. As marisqueiras estão morando aqui, num lugar perigoso, os barraquinhos delas não são bons. Aí, nós vamos dar casa para as marisqueiras, nós vamos dar excelente casa para as marisqueiras. A gente pega as marisqueiras e encontramos um terreno para fazer a casa, do outro lado da cidade. A gente pega as marisqueiras e seus filhinhos e leva para esse conjunto habitacional. Apartamento bonitinho, pintadinho, cheirosinho, condomínio bonitinho, ok. Mas essa marisqueira vai e leva os seus filhos para cá. E ela tem que voltar todo dia para trabalhar pelo marisco, porque a função dela é essa. Na hora que ela volta, ela deixa os filhos sozinhos aqui, no condomínio, com pessoas que ela não conhece, com vizinhos que não são os vizinhos dela.

Essas crianças, quando moravam aqui, elas já tinham uma rede de proteção natural. O avô morava aqui perto, um tio, uma tia ou uma vizinha que ajudava ela a cuidar das crianças. A gente tira as crianças dessa rede natural de proteção e coloca aqui, porque Minha Casa Minha Vida quer dar uma casa linda, espera aí. Será que se ela recebesse uma casa menos linda aqui, próxima de onde ela trabalha, se em vez de dar uma casa linda para ela do outro lado da cidade a gente melhorasse a casa dela aqui, não seria melhor? Então é isso que a gente está querendo: que todas as políticas públicas no Brasil sejam pensadas a partir do seguinte ponto: isso vai fortalecer a família ou não? Então, a maior contribuição que nós estamos dando é esse diálogo com os demais ministros.

O que é o projeto Famílias Fortes?

Damares: O Famílias Fortes tem o objetivo de trabalhar lá no município o fortalecimento de família. Nós estamos trabalhando com o fortalecimento, o equilíbrio trabalho-família. Um relacionamento com as empresas sobre o equilíbrio trabalho-família.

O que é isso? Vou dar um exemplo. A mulher volta para o trabalho, depois da licença-maternidade, amamentando. Não dá para o empresário liberar essa mulher uma hora mais cedo, para ela ir para casa, para ela amamentar? Será que as grandes empresas não podiam ter sala de amamentação? Será que já não está na hora das empresas começarem a pensar em creches dentro da própria empresa?

Então a gente vem aí com alguns diálogos com o setor produtivo, com as empresas, com os empregadores, para a gente fortalecer o vínculo, desse equilíbrio família-trabalho. Nós temos mulheres que saem de casa às cinco da manhã e deixam o filho dormindo, ficam três horas em pé dentro de um ônibus, chegam ao trabalho, trabalham o dia inteiro, quando voltam, chegam em casa oito da noite, e a criança está dormindo de novo.

Então, vamos começar a pensar essa modernidade, esse mundo novo que está aí, que está posto, o que a gente pode melhorar, que o seu servidor, seu funcionário, seu empregado, tenha mais convívio familiar? É um diálogo prazeroso. Nós lançamos no ministério o selo Empresa Amiga da Família e nós vamos agora, no dia 18, entregar as primeiras premiações, as primeiras empresas que ganharam no Brasil o Empresa Amiga da Família.

Tem muitos programas dentro do ministério, são oito secretarias… Não é muita coisa? Não falta um pouco de foco, talvez?

Damares: Espera aí: a ministra não pode focar, porque a ministra não executa, mas na minha Secretaria da Mulher está todo o mundo focado em mulher. Então você me vê falar de mulher, de criança, de idoso… Eu tenho que falar o que as secretarias estão fazendo. Tu vai na secretaria do idoso, e eles só estão trabalhando com idoso. Eles estão focados.

Quem executa não sou eu. Eu sou a cara do ministério. Eu sou quem fala do ministério. Não tem essa de dizer que eu tenho que focar num programa. Vamos supor, se eu focar na criança, como é que fica a secretaria da Igualdade Racial, que trabalha com quilombos e com índios? Se eu focar na criança, como ficam a secretaria da Juventude e a secretaria do Idoso?

Cada secretaria tem sua competência, sua atribuição e tem que focar em seus programas. E a mim cabe olhar se estão fazendo tudo direitinho, acompanhar o trabalho das secretarias e sair pelo Brasil dizendo 'bora, gente, bora salvar criança, bora salvar mulher, bora proteger direitos'. Então, o seguinte: 'a senhora não tá focando'. Eu não preciso focar. Eu não executo. Eu nem como, eu nem durmo. Quem tem que focar são os secretários, os servidores, não sou eu. Eu estava querendo mais algumas secretarias no ministério. O presidente podia me dar mais secretarias, mais, mais e mais, para a gente fazer um grande trabalho no Brasil.

Mas o governo precisa cortar gastos…

Damares: Manda para cá outros que já existem, manda para cá, não precisa criar, não. Manda o que já está do outro lado para cá.

A sra. acha que tem alguma chance de seu ministério fundir com o ministério da Cidadania, por exemplo?

Damares: O presidente não tem falado sobre isso. Houve muita especulação na imprensa. O presidente não tem falado. Se ele perguntar minha opinião, se tiver uma reforma ministerial e me perguntarem, eu direi: não misture esse ministério com nenhum outro. Nós temos o menor orçamento da Esplanada. Veja só: nosso ministério tem 200 milhões por mês de orçamento. O da Cidadania passa de 90 bilhões.

O que acontece? Por que é que eu acho que não deve juntar? O nosso ministério não é de execução. Nosso ministério não é finalístico. Nosso ministério é de articulação, de direitos e de valores. Eu acho que não deve misturar valores com dinheiro. Se o presidente decidir, claro, a gente vai juntar, ele pode levar esse ministério para o outro, juntar aqui. Mas, se me perguntarem, eu direi: deixa a gente sem dinheiro e falando dessa revolução cultural que a gente está vendo e usando dinheiro dos outros.

As alianças internacionais e o combate à tortura

Um comitê da ONU afirmou que o Brasil violou tratados internacionais ao enfraquecer o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à tortura, em referência a um decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro. O que a senhora tem a dizer sobre isso?

Damares: O que eles entendem de enfraquecimento? Eles acham que enfraquecimento é porque a gente não queria dar os cargos para os meninos do mecanismo?

Veja o que acontece. O mecanismo existe, tem o comitê de enfrentamento à tortura e o comitê. Eles tinham dentro do ministério, e eles têm, nove cargos com salário de R$ 9 mil, mais auxílio moradia, mais diárias. Aí esse mecanismo nacional estava aqui funcionando, mas não adianta eu ter apenas nove pessoas no Brasil fazendo enfrentamento à tortura, eu preciso que nos estados tenha mecanismos estaduais e nos municípios tenha mecanismos municipais. Porque a tortura não acontece em Brasília, ela acontece no presídio lá no Pará, lá na Amazônia. Mas por que os estados não estão querendo fazer comitês e mecanismo? Porque os estados não têm dinheiro para contratar, e não tem nenhum lugar escrito na lei que eu sou obrigada a pagar salário. A comissão de anistia não funciona? Ninguém recebe salário.

Então, o que a gente quer? Que o comitê e o mecanismo trabalhem do mesmo jeito, lutando contra a tortura, trabalhando na prevenção a essa questão que é a tortura, essa coisa horrorosa que é a tortura, mas no momento em que temos cargos para essas nove pessoas, lá no estado todo mundo que quer montar o mecanismo fala que tem que dar cargo, salário e diária. Os estados estão falidos. Então quando a gente tirou os cargos, retirou o cargo, mas a gente manteve as diárias, as passagens, eles podem viajar para o presídio e a gente paga as diárias e as passagens. Nós só tiramos o cargo desse mecanismo, aí eles ficaram bravos que a gente enfraqueceu.

Mas eu quero ver como eles vão fazer mecanismos nos estados. A gente queria dar o exemplo: não precisa, governador, de cargo, basta montar a comissão para a comissão começar a trabalhar e vamos dar a essa comissão carro, gasolina. Vamos pegar funcionários do estado e montar essa comissão e quando tiver uma missão eles são convocados para a missão. Agora, tivemos que devolver o cargo, os estados não vão querer fazer o mecanismo. Então quem enfraqueceu foram eles, nós queremos fortalecer o mecanismo na base e não estamos conseguindo porque os estados e municípios não têm cargo para o mecanismo de tortura.

Para o ano que vem, quais serão os focos do ministério e o que vai haver de diferente deste ano?

Damares: Nós vamos construir o PNDH 4, o Programa Nacional de Direitos Humanos 4, que nós estamos na vigência do três. Nós vamos apresentar para o Brasil o PNDH 4. Nós vamos trazer o maior e mais encantador programa de proteção às vítimas de crime, que não existia no Brasil.

Como é esse programa?

Damares: Veja só: uma pessoa foi sequelada com tiro por causa do crime organizado, a vítima. Essa pessoa não tem apoio. Essa pessoa não tem acompanhamento psicológico. Essa família não é atendida. Nós vamos ter um programa de acompanhamento às vítimas de crime. Eles precisam ser acolhidos e protegidos.

Nós vamos trabalhar também aqui no Brasil, agora, educação em direitos humanos para as escolas. Falar de direitos humanos para crianças de quatro anos. Nós temos programas dentro desse contexto, por exemplo, Maria da Penha na Escola. Maria da Penha vai para a escola. Vamos trabalhar educação em direitos humanos.

Nós vamos trazer debates extraordinários na área de direitos humanos. Por exemplo, saneamento é direitos humanos, água é direitos humanos. Nós vamos conversar com o Brasil de uma forma mais aberta sobre direitos humanos. E nós vamos fortalecer a rede de proteção da criança e de proteção da mulher. O ministério está muito focado para os próximos anos. Tem muita coisa para a gente fazer nos próximos anos. Nós temos trabalho para 24 horas por dia e temos um desafio que é grande demais, que é construir as unidades socioeducativas.

Estamos com um déficit no Brasil de 62 unidades socioeducativas. As penitenciárias, os presídios, ficam com o ministério da Justiça. Nas unidades socioeducativas, os meninos de até 18 que estão acautelados ficam comigo. As antigas Febem ficam com esse ministério. Nós estamos com mais de 5 mil meninos no Brasil para serem recolhidos para ir para uma unidade dessa, socioeducativa, para serem resgatados, restaurados e para não continuar cometendo crime na rua. Estamos com mais 5 mil meninos sem vagas. Nos últimos anos, não foi investido nessa área. Nós precisamos construir.

O déficit hoje é de 62 unidades em todo o país. Nós vamos ter que construir. É caro, muito caro. Vamos precisar de pelo menos R$ 1,2 bilhão para construir todas as unidades. O nosso ministério tem o desafio de fazer essas unidades. 'Como, se a senhora não tem dinheiro?' Nós vamos atrás.

Por exemplo, ganhamos neste ano, já, R$ 100 milhões da multa da Petrobras. Nós vamos buscar dinheiro da Lava Jato. Vamos buscar parceria público-privada. Nós estamos trabalhando para entregar essas unidades. Mas eu não quero só construir uma unidade e enfiar o menino lá dentro, fazer depósito. Nós vamos trabalhar o sistema socioeducativo. Vamos trabalhar esporte de alto rendimento, vamos trabalhar capacitação, profissionalização. Nós queremos trabalhar essas unidades de tal forma que o menino entre ali, e ali seja um lugar, de fato, de ressocialização.

A senhora fala muito em proteção de mulheres, proteção de crianças… essas pautas são tradicionalmente defendidas pela esquerda. Por que a senhora acha que não há esse diálogo?

Damares: Porque a esquerda não tem nenhum interesse em dialogar. Gente, nunca se falou tanto de direitos humanos no Brasil como hoje. Vocês lembram o nome do último ministro dos Direitos Humanos antes de mim? E ele é extraordinário. O doutor Gustavo [Rocha] é incrível e me ensinou muito a ser ministra, mas o Brasil não falava dele.

Quando a gente pergunta: e os outros ministros antes dele? A gente vai lembrar, no máximo, de duas pessoas. Por que não se falava de direitos humanos? Nunca se falou tanto de direitos humanos no Brasil como hoje. Estamos universalizando, estamos falando de direitos humanos para todos. A esquerda percebeu, caiu a ficha, que eles não são pai e mãe dos direitos humanos. Não tem pai, não tem mãe os diretos humanos, é uma bandeira de todo mundo, então eles não querem dialogar.

A senhora vai defender só família papai, mamãe e filhinho. Onde? Se a ministra da Família não é essa família que eles estão falando que a gente está defendendo? Eu sou uma mulher sozinha – coitada, o marido foi embora -, eu sou uma mulher sozinha, mãe de uma menina indígena e é uma adoção socioafetiva. Tem família mais diferente que a minha, mas eu e minha filha somos uma família. É uma configuração de família diferente e ninguém vai tirar isso de nós, nós somos família e precisamos ser fortalecidos.

Quando a gente começou a dizer que vamos proteger todas as famílias, caiu o discurso deles. Eles não querem dialogar, nós estamos aqui abertos. Mas vou contar um segredo para você, pode? Tem alguns vindo por trás, dizendo assim ‘não fala que eu tô falando com a senhora’, tem vindo um segmento aqui, um segmento ali e a gente vai avançar.

O presidente Bolsonaro quer uma nação fraterna. E quando ele fala que chega de divisão é isso que ele quer falar, vamos nos unir, somos um único povo, uma única nação, vamos estar juntos, não vamos mais dividir o Brasil. O problema é que direitos humanos no passado estavam segmentados. Era só para um grupo aqui, um grupo ali, segmentou-se os direitos humanos. Então o presidente quer proteger todo mundo.

Quando eu falo em combate a violência à mulher, é porque por lei é atribuição da minha secretaria, mas nós estamos trabalhando no combate a todos os tipos de violência, inclusive da mulher. É dessa forma que a gente quer trabalhar, a reconstrução dos povos. Unir essa nação, restaurar essa nação. Isso é que o presidente Bolsonaro fala.

Conte um pouco como foi a visita ao papa Francisco.

Damares: Foi uma experiência incrível! Visitar o papa Francisco foi uma experiência extraordinária. Primeiro que eu fiquei encantada com o papa. A forma como ele nos recepcionou foi incrível. Eu acompanhei o papa em dois momentos. A primeira reunião foi só dele com as primeiras-damas da América do Sul. Estavam cinco primeiras-damas lá para explicar o que é o projeto Scholas Occurrentes, que é o projeto dele, e como que esse projeto funciona e quais são os resultados.

Foi muito interessante, porque estava também lá a primeira-dama da Argentina, onde tudo começou. Detalhe: a primeira-dama da Argentina tinha apenas 24 horas de posse. Ela e o marido tomaram posse e imediatamente ela pega um avião e vai para Roma. E por quê? Porque ela sabia da pauta, ela entende que esse projeto Scholas, o projeto que o ´papa apresentou, é importante, é interessante. E ela queria estar lá, primeiro, para dar o testemunho como argentina, segundo, para fortalecer o projeto na Argentina.

Eu tinha uma ideia de que a gente nunca pudesse chegar perto de um papa. A nossa primeira-dama, Michelle, na hora em que o papa chegou perto, ela não estendeu a mão, ela abraçou. E ela abraçou ele umas três vezes. Ela abraçou o papa e trouxe para perto dela. Foi muito lindo. Inclusive, a gente tem umas imagens muito bonitas: a Michelle ensinando o papa a falar em Libras. Esse sinal aqui, "I love you" [fazendo o sinal de "eu te amo" em libras], o L de love, é um "eu te amo" universal na língua de sinais.

Depois, acompanhamos o papa numa outra reunião, num auditório, já com alunos de diversos países do mundo, do projeto Scholas e algumas autoridades que acompanharam. Essa reunião foi legal porque… tem até uma foto, posso postar aqui… Tinha uma adolescente que não tinha onde sentar. O papa tira alguém que está do lado dele, coloca lá do outro lado e põe a adolescente do lado dele. E os jovens todos sentados aos pés dele, brincando e interagindo com ele. E, ao mesmo tempo, essa reunião foi transmitida para alguns países, e entravam no telão jovens de outros países para falar da experiência. No total, entre a primeira reunião e a segunda, foram umas duas horas e meia ao lado do papa. E, por último, fizemos uma surpresa para ele.

Naquele dia, ele estava completando 50 anos de sacerdócio. A gente fez um bolo, a equipe dele, junto com as primeiras-damas e alguns convidados, fizemos um bolo, com um número 50, e aí a gente desceu e ficou lá embaixo na garagem, num cantinho onde ele passa para pegar o carro dele. Ele achava que todos os convidados tinham ido embora. Quando abre o elevador, a gente estava formada em duas filas, de um lado e do outro, as primeiras-damas e as autoridades. Ele entrou e a gente cantou o parabéns para ele. E ele foi muito legal. Foi lá no bolo, pegou o 50 e cumprimentou todo o mundo que estava ali naquelas duas filas, e foi um momento especial. Nós homenageamos o papa, naquele instante, pelos seus 50 anos. E os vídeos são muito lindos. Ele chegando e rindo com aquela carinha de surpresa.

O papa me surpreendeu pela forma como ele quebra protocolos, porque a gente foi tão orientada… "quando chegar perto do oapa…" toda a reverência… Ele chega e quebra protocolos. Ele traz as pessoas para perto. Os próprios estudantes, todos ali conversando como se fosse um amigo de infância. Eu acho que esse papa tem quebrado alguns paradigmas, e eu achei isso muito legal, muito legal. E o compromisso dele com a educação. A forma como ele fala da educação, e a preocupação dele com a evasão escolar aqui no continente na América do Sul. Ele conhece bem o continente, ele é daqui, então ele falava com propriedade.

Teve alguma lição que a senhora tirou com ele?

Damares: A lição de que esse papa quer mesmo ser ponte. Ele sabe que a primeira-dama do Brasil é evangélica. Ele recebe as pessoas evangélicas com muito carinho, as outras religiões. Esse papa me pareceu que quer ser o "Papa do Diálogo". Foi o que ele me passou ali, sabe? Ele falou de igual para igual conosco. Ele sabe da importância dele. Ele não é só o maior líder religioso, dos padres católicos, ele é um chefe de Estado. Mas ele em momento algum usou isso para estar acima da gente. Nós somos irmãos. A ideia que ele me passou: somos todos irmãos. Eu fiquei muito feliz, muito feliz em conhecer este lado. Olha, duas horas e meia com ele! Uma tarde inteira com ele. Eu fiquei muito feliz. E do mesmo modo que ele tratou as primeiras-damas, ele tratou os adolescentes que estavam no chão conversando com ele, e ele tratou as demais autoridades. Então eu gostei muito do que vi. Estou encantada com o papa.

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