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Movimentos estudantis como a UNE têm tradição em atuar politicamente e usam meios de comunicação para divulgar suas ideias.
Movimentos estudantis como a UNE têm tradição em atuar politicamente e usam meios de comunicação para divulgar suas ideias.| Foto: Divulgação/UNE

Movimentos estudantis recorrem às redes sociais, aos sites institucionais e também produzem jornais para levar a mensagem da esquerda para os alunos brasileiros. Não faltam críticas ao presidente Jair Bolsonaro (PL), à direita, deturpações de fatos e, principalmente, a prática daquilo que supostamente tentariam combater: discursos de ódio contra os adversários no espectro político. Apesar de a atuação nas mais diversas plataformas não ser novidade, o que chama atenção é o acirramento da narrativa direcionada às eleições 2022. Os objetivos das entidades estudantis são claros: engajar o jovem eleitor ao discurso da esquerda e colaborar para uma eventual derrota de Bolsonaro no pleito presidencial que se aproxima.

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Em um dos vídeos que circula nas redes sociais, um pai reclama de um jornal de esquerda distribuído a estudantes de ensino médio na porta de um colégio em São Paulo. “Tudo destila ódio”, conta o pai, enquanto mostra imagens da publicação, que traz textos tendenciosos e matérias contra o governo de Jair Bolsonaro. Publicações impressas como a que foi mostrada pelo pai não são tão comuns. Hoje, os movimentos e grupos estudantis preferem apostar nas redes sociais para levar sua mensagem a um número maior de jovens. Mas, independentemente do meio usado, os discursos são os mesmos: “Fora Bolsonaro”, defesa de pautas de esquerda e pouco ou nenhum espaço para o contraditório.

O periódico mostrado pelo pai é uma edição do Jornal do Estudante, publicação da União Municipal dos Estudantes Secundaristas (UMES). Em seu site, a entidade diz representar cerca de “4 milhões de estudantes do ensino fundamental e médio, cursos supletivos, pré-vestibulares e cursos de educação profissional níveis básico e técnico”. Entre suas bandeiras, “ensino público e gratuito de qualidade, democracia e soberania nacional”. Na última edição do jornal, a matéria principal deixa claro o posicionamento do impresso. "UMES convoca: Vamos barrar Bolsonaro nas ruas e nas urnas", diz a manchete.

A organização também promove eventos culturais, cursos profissionalizantes, emite carteiras estudantis e promove campanhas. A mais recente dela é a “Todo estudante com título na mão #Fora Bolsonaro”, lançada em agosto do ano passado.

De acordo com a UMES, a campanha tem como objetivo ampliar a participação dos jovens nas eleições. “A maior reprovação ao bolsonarismo se dá na juventude. Em tempos de ameaça à democracia, precisamos reafirmar a importância do direito que temos ao voto. Bolsonaro tenta atacar este direito então temos que defendê-lo”, afirma um dos dirigentes da UMES, Lucca Gidra, no site da entidade. Segundo ele, “mais de 70% dos jovens rejeitam Bolsonaro. Ele representa tudo que nós somos contra. No entanto, o número de eleitores entre 16 e 17 anos segue baixo. Nossa campanha tem o objetivo de aumentar a força da juventude nas eleições”, justifica.

Luta e poder

Para o professor de história e escritor Gabriel Giannattasio, autor do livro Totalitarismo, Intolerância e Pensamento Único nas Universidades, desde a década de 1960, a maioria dos movimentos estudantis vem perpetuando a ideia de que toda a sociedade e relações sociais são perpassadas por disputas de poder. “Houve uma virada da velha concepção de política, para ser mais claro, de uma concepção macro política para uma concepção de que a política está no nosso cotidianos e perpassa todas as relações, inclusive do professor-aluno”, explica.

Essa concepção, que se alinha a ideias de partidos políticos de esquerda, vê espaço para o debate político em qualquer área, incluindo escolas e universidades. Como já mostrou a Gazeta do Povo, universidades como a Federal do Rio de Janeiro possuem até laboratórios de ativismo de esquerda.

Por outro lado, esses ambientes são bastante resistentes ao verdadeiro debate de ideias, negando espaço a outras ideologias que não sejam alinhadas à esquerda. Um exemplo recente foi o da Federal do Paraná, onde um grupo tentou impedir a exibição do documentário “O fim da beleza”, da produtora de conteúdo conservador Brasil Paralelo. “As instituições vocacionadas à produção do saber deveriam ser mais protegidas contra a contaminação da política. Infelizmente, se tornou muito comum a academia aceitar de bom grado a ideia de que o conhecimento é um campo de disputa de poder”, diz Giannattasio.

Jornais impressos perdem espaço para tecnologia

Se no passado os jornais impressos estudantis eram muito comuns, hoje essas entidades preferem apostar nas redes sociais para divulgar seus conteúdos. Um dos exemplos é a União Nacional dos Estudantes (UNE). A entidade, fundada em 1937, tem intensa participação em ações e movimentos políticos, e por muitos anos publicou periodicamente informativos e jornais que eram distribuídos aos estudantes. Mas a última edição do jornal da entidade, o Nossa Voz, foi publicada há dois anos, como se pode verificar na página da própria UNE.

Já nas redes sociais da UNE, as postagens são contínuas, com dois a três post todos os dias. E o Nossa Voz acabou se transformando em podcast, disponibilizado em plataformas de música e também no YouTube. “Faz todo sentido movimentos estudantis deixarem os impressos de lado. É preciso se adaptar ao público”, diz o historiador Eduardo Rodrigues. Segundo ele, essa mudança, embora necessária, pode empobrecer ainda mais os debates realizados pelos movimentos e grupos estudantis.

Para ele, as redes sociais favorecem campanhas movidas mais pelas paixões momentâneas do que pela reflexão e inibem o aprofundamento de ideias. “As redes sociais são o ambiente dos textos curtos, imagens bem produzidas e engajamento momentâneo. É o paraíso para quem quer criar uma ilusão de participação política”, critica.

Conteúdos recorrentes

No modelo impresso ou nas redes sociais, os conteúdos produzidos disponibilizados pelos movimentos estudantis mantêm o mesmo padrão. Na página da UNE no Facebook, por exemplo, no dia 5 de março, havia uma postagem em homenagem a Rosa Luxemburgo. “Feminista, antimilitarista, defensora da democracia junto da revolução, Rosa é considerada a mais importante teórica marxista da história. Se tornou assim, uma destacada dirigente do movimento comunista internacional”, dizia a postagem. Em outro post, destaque ao “Pré Carnaval Fora Bolsonaro”, promovido por estudantes da Universidade de Pernambuco (UPE) para recepção dos calouros e volta às aulas presenciais.

Já em uma das páginas da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (UBES), uma postagem alusiva ao Dia Internacional da Mulher, comemorado em 8 de março: “Não vamos sucumbir #8M Pela vida mulheres. Bolsonaro nunca mais! Por um Brasil sem machismo, racismo e fome”, dizia o post. E na página da UMES, um convite para que os estudantes participassem de um congresso. “Tá cansado de ser feito de palhaço pelo Governo Bolsonaro? Se some a luta, participe do maior encontro de estudantes secundaristas da América Latina!”, dizia a mensagem acompanhada de uma imagem do cartaz do Congresso da UBES, que acontecerá em maio deste ano.

Para Giannattasio, esses posicionamentos exacerbados, com pouco ou nenhum espaço para o contraditório, são comuns e não apenas nas publicações de movimentos estudantis, mas também dentro das escolas e universidades. “Há uma hegemonia do pensamento único, intolerância e totalitarismo. O poder é o antípoda da liberdade, tão necessária à produção do saber, em todo e qualquer campo do conhecimento”, lamenta.

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