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O fracasso das experiências internacionais de legalização das drogas: “Por fora, bela viola; por dentro, pão bolorento”
| Foto: Unsplash

Reiteradamente, os defensores da legalização das drogas recorrem às experiências de outros países para defenderem igual medida no Brasil. Não raro, a manutenção da criminalização em terras brasileiras é associada a um suposto atraso do nosso país, contraposta a um pretenso avanço social dos países que optaram por flexibilizar as leis sobre drogas. Mas a aceitação do argumento exige uma reflexão prévia, para se verificar se, de fato, essas experiências são exitosas.

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Os principais exemplos de pretensos cases de sucesso da legalização são Portugal, Holanda e Uruguai. Vejamos um pouco da experiência desses países.

Portugal

Quanto a Portugal, a realidade é um pouco peculiar. Embora se costume dizer que desde 2001 Portugal legalizou todas as drogas, incluindo maconha, heroína e cocaína, os fatos são um pouco diversos. A verdade é que usuários de drogas são encaminhados para Comissões para a Dissuasão da Toxicodependência (CDT), compostas por assistentes sociais, promotores e psiquiatras, nas quais são propostas intervenções médicas simples, tratamento, multa ou nenhuma intervenção, a depender do caso.

Assim, Portugal não legalizou as drogas. Operou-se a descriminalização das drogas, tornando a posse uma infração administrativa, associada a uma forte política de intervenção e tratamento. A venda continuou criminalizada. E quais foram os efeitos da descriminalização em Portugal?

Há diversas abordagens sobre estas consequências, sendo certo que até mesmo as estatísticas de taxa de uso, por exemplo, apresentam grande variação, a depender do ano e grupo de idade analisado, alguns indicando o aumento, outros denotando o declínio.

Um relatório divulgado pelo Cato Institute, instituição sabidamente pró-legalização, indicou um quadro no qual as taxas de uso não haviam subido após a descriminalização.[1] Por outro lado, o Centro Europeu de Monitoramento de Drogas e Dependência de Drogas (EMCDDA), considerado por muito tempo a autoridade em estatísticas de drogas na Europa, compilou dados mostrando que, para a população geral de Portugal, com idades entre 15 e 64 anos de idade, houve um aumento nas taxas de prevalência ao longo da vida para o uso de maconha, cocaína, anfetaminas, ecstasy e LSD entre 2001 e 2011.[2] Uma pesquisa do European School Survey Project on Alcohol and Other Drugs (ESPAD), para pessoas com quinze e dezesseis anos, mostra um aumento global na prevalência de maconha de 1999 a 2011, embora tenha havido uma queda inicial nas taxas de uso.

Já os dados sobre o número de mortes relacionadas com drogas são misturados. Algumas fontes apontam para um aumento de mortes, de 280 em 2001, para 314 em 2007.[3] Outras apontam para números diferentes, mostrando dados do Registro Geral de Mortalidade do Instituto Nacional de Estatística, com 26 casos de mortes relacionadas a drogas em 2010. Isso representa menos mortes do que os 27 casos notificados em 2009 e 2002, mas é maior do que o número de mortes relacionadas a drogas relatadas em cada um dos anos entre 2003 e 2008.

Embora a falta de confiabilidade quanto às estatísticas dê ensejo a divergências nas conclusões, é fato que a política de drogas em Portugal não tratou de legalização, como se afirma, tratando-se muito mais de uma política baseada no tratamento e na dissuasão do uso de drogas. Logo, o exemplo não pode servir para corroborar o discurso de legalização.

Holanda

Na Holanda, a flexibilização do consumo de drogas, especialmente maconha, vem ocorrendo desde 1976, com a descriminalização da posse e venda de maconha em coffee shops. A importação, exportação e venda fora dos estabelecimentos permaneceu proibida. A política holandesa levou a um aumento significativo do consumo da droga.[4]

O aumento do consumo gerou uma tolerância dos usuários para a droga, fazendo com que se passasse a necessitar de maiores doses de THC, acelerando a dependência e incentivando a produção de drogas cada vez mais potentes.

Em 1996, as comunidades locais passaram a ter o poder de autorizar o funcionamento de coffee shops nas respectivas áreas, o que levou à recusa do funcionamento de quase três quartos dos 500 coffee shops ali localizados e concentrando este tipo de estabelecimentos em Amsterdam.

Mas a legalização, diferentemente do que se anuncia, não acabou com o mercado ilegal da droga, que continuou ativo, inclusive nas áreas dos coffee shops. Este fenômeno ocorre, basicamente, em virtude da limitação de horário de funcionamento dos coffee shops, restrição de idade para aquisição da droga e limitação da quantidade passível de compra.

Um dado que não é comentado pelos defensores da legalização é que a Holanda, da capital das drogas da Europa Ocidental se transformou em um “imã para criminosos”.[5] Segundo dados das autoridades da França e Grã-Bretanha, cerca de 80% da heroína usada ou vendida nesses países passou ou foi temporariamente estocada na Holanda. De acordo com relato de um funcionário da alfândega britânica, “a Holanda se tornou o lugar para traficantes de drogas trabalharem. […] É um ambiente que é relativamente livre de problemas do ponto de vista de um criminoso”.[6]

Certamente as autoridades holandesas não previram esse cenário, como também não estimaram o aumento das taxas de uso e dependência e o aumento das taxas de internação por uso descontrolado de maconha. Não por acaso, desde 2011 a política holandesa sobre drogas tem sido alterada, denotando um viés de contração e aumento das restrições, com o banimento de turistas em coffee shops em algumas cidades e a reclassificação do skunk como droga pesada, a mesma classe da cocaína. Este ano, Amsterdam pretende acolher esta política de restrição a turistas.

A grande questão que se coloca é: fosse a política de drogas holandesa o sucesso que se diz, seria necessário esse movimento de retração? Quer nos parecer que não.

Uruguai

No Uruguai, que aprovou a legalização em 2013, a situação também evidencia o fracasso da política de flexibilização em relação às drogas. Segundo levantamento de 2017, a legalização não implicou em redução dos números relacionados ao tráfico, sendo que o número de assassinatos pelo narcotráfico aumentou. Além disso, houve aumento de apreensão de maconha ilegal entre 2015 (2,52 toneladas) e 2016 (4,305).

Uma outra situação que vem ocorrendo no Uruguai é o surgimento de um “mercado cinza”, consistente no desvio de maconha de fazendas de produção que funcionam com autorização do governo, para serem vendidas no mercado ilegal.

Um estudo de 2018, elaborado por especialistas de quatro universidades uruguaias e pelo Observatório Uruguaio de Drogas, relata que após a legalização da maconha, houve um crescimento de 66% no índice de pessoas que declaram ter consumido a erva, sendo que entre os adultos de 55 a 65 anos, o crescimento foi de 229%, seguido pelas faixas etárias entre 35 e 44 anos (144%) e entre 45 e 54 anos (125%).

Já há reportagens financiadas por apoiadores da legalização que atribuem o fracasso do modelo uruguaio ao excesso de regulação do Estado e à vedação de venda de maconha para turistas. Vale dizer: Como a experiência com a legalização se mostrou um fracasso, atribuem a culpa não à legalização em si, mas ao modelo adotado. “Deturparam a legalização”, diriam...

Conclusão

Em resumo, as experiências internacionais analisadas acima não revelam o sucesso que se tem dito quanto às políticas de legalização das drogas, sendo verificados diversos efeitos negativos advindos da flexibilização das normas sobre drogas ilícitas. É curioso, mas o discurso pró-legalização não ressalta esses aspectos negativos e insiste no discurso de que o avanço é a legalização. Avanço com aumento de consumo, aumento de criminalidade e maior poder ao tráfico? No mínimo, questionável...

Também é intrigante o fato de que, quando são discutidas experiências internacionais exitosas, o lobby da legalização não analise os países que vêm tendo sucesso no enfrentamento do fenômeno das drogas, sem recorrer ao abrandamento das políticas restritivas.

De acordo com a UNICEF, que analisou as taxas de uso de maconha aos onze, treze e quinze anos de idade, no Canadá e Estados Unidos, dois países que têm recorrido a leis de flexibilização das drogas, respectivamente 28% e 22% das crianças nessa idade fumou maconha no ano anterior. Na Suécia, o percentual foi de 5,5%.[7]

Desde 2004, a população carcerária da Suécia vem decaindo cerca de um ponto percentual por ano e foram fechados 4 estabelecimentos prisionais no país.

Pela lógica defendida pelo lobby da legalização, o leitor deve estar imaginando que a Suécia venha a ser mais um país que legalizou as drogas, afinal, está obtendo todos os benefícios “vendidos” pelos defensores da liberação. Certo? Errado! E qual seria o modelo sueco? Ed Gogek explica:

“A Suécia direciona mais recursos públicos para enfrentar o abuso de drogas entre os países europeus, exceto os Países Baixos, gastando generosamente na prevenção de drogas em suas escolas e no tratamento para aqueles que precisam. Leis rigorosas sobre drogas são usadas não apenas para punição, mas para enviar uma forte mensagem antidrogas e para levar os abusadores de substâncias à recuperação. O sistema de justiça criminal é baseado fortemente no uso da liberdade condicional e em encaminhamentos para tratamento. (Sweden’s Successful Drug Policy: A review of the evidence United Nations Office on Drugs and Crime (Feb 2007).). O plano sueco é uma abordagem de três pontas: muita prevenção, leis rigorosas sobre drogas e foco na reabilitação. […] A lição que devemos aprender com a Suécia é que leis restritivas às drogas funcionam, desde que sejam parte de uma ampla abordagem de saúde pública.[8]

A análise das experiências de legalização em outros países deixa claro que esta política não tem o condão de entregar os resultados sociais prometidos pelos seus defensores, e mais do que isso: Não se está diante de um dilema de tudo ou nada! Há soluções fora da legalização, aliando repressão, prevenção e tratamento, e o exemplo sueco é prova disso.

* Lucas Gualtieri é Procurador da República. Ex-membro auxiliar do Procurador-Geral da República na Secretaria da Função Penal Originária no Supremo Tribunal Federal (2018). Membro Auxiliar da Procuradoria-Geral da República na Assessoria Jurídica Criminal no Superior Tribunal de Justiça. Coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público Federal em Minas Gerais. Pós-Graduado em Controle, Detecção e Repressão a Desvios de Recursos Públicos (UFLA); Pós-Graduado em Direito Público (UNIDERP). Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Estado de Minas Gerais.

[1]Greenwald, G. (2009, April 2). Drug decriminalization in Portugal: Lessons for creating fair and successful drug policies. Cato Institute.

[2]European Monitoring Centre for Drugs and Drug Addiction (EMCDDA). (2013, May 27). Country overview: Portugal.

[3]Vale de Andrade, P. (2010). Drug decriminalization in Portugal. British Medical Journal, 341, c4554.

[4]KORF, Dirk. An open front door: the coffee  shop phenomenon in the  Netherlands.

[5]Collins, Larry. “Holland's Half-Baked Drug Experiment”. Foreign Affairs, vol. 78, no. 3, 1999, pp. 82–98.

[6]Foreign Affairs, vol. 78, no. 3, 1999.

[7]UNICEF Office of Research (2013) “Child well-being in rich countries: A comparative overview”. The United Nations Children’s Fund Peter Adamson.

[8] Gogek, Ed. Marijuana Debunked: A handbook for parents, pundits and politicians who want to know the case against legalization. InnerQuest Books. Edição do Kindle.

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