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Nelson Junior: ensino sobre sexualidade deve respeitar primazia da família.
Nelson Junior: ensino sobre sexualidade deve respeitar primazia da família.| Foto: Marcus Melo/Eu Escolhi Esperar

A Câmara de Vereadores de São Paulo deve votar nesta quinta-feira (17) uma proposta que permite a implementação de programas que promovam a abstinência sexual entre estudantes na capital paulista. Embora não proíba outras formas de educação sexual, a proposta tem causado controvérsia porque, segundo os opositores do texto, carrega princípios religiosos. Para Nelson Junior, fundador do movimento Eu Escolhi Esperar e um dos principais defensores do projeto, nada mais longe da verdade. Segundo ele - que atuou como pastor por mais de 20 anos -, há boas razões de saúde pública e até econômicas para ensinar aos jovens que a atividade sexual deve acontecer na vida adulta. Em entrevista, à Gazeta do Povo, ele diz que escola deve promover a "contracultura" em vez de reforçar a pressão sobre a sexualização precoce.

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O senhor atua nessa área há 23 anos. O problema da sexualização precoce tem piorado?

Nelson Junior: O comportamento sexual tem se tornado cada vez mais precoce. A iniciação sexual está acontecendo cada vez mais cedo, e estudos mostram que quanto mais cedo um adolescente inicia sua vida sexual, mais tempo eles ficam expostos aos riscos relacionados ao ato, como a gravidez indesejada e a transmissão de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs). Nos últimos anos, os índices têm crescido consideravelmente justamente no público menor de 16 anos, entre 10 e 15 anos.

E isso também tem consequências emocionais, certo?

Nelson Junior: Também. Qualquer adulto em sã consciência e que tenha bom senso sabe que o ato sexual exige maturidade e tem várias implicações, não só físicas mas também emocionais. Muitos adultos percebem isso quando têm filhos. Nenhum pai ou mãe acha que um filho adolescente está pronto para iniciar sua vida sexual. Eu não sou a favor da repressão, mas é preciso ter uma orientação sobre a importância do ato, as consequências que ele envolve e a responsabilidade que ele exige. Muitas vezes na escola, na internet, nos seriados, na televisão, no YouTube, você vê uma cultura, uma mentalidade que provoca a iniciação sexual.

O adolescente já está numa fase de produção de hormônios ligados à sua sexualidade. Somado a isso vem um conjunto de influências audiovisuais às quais ele é exposto, mais o ambiente escolar, que quase sempre promove incentivos à iniciação sexual. E aí a gente tem as questões físicas, as questões emocionais - estudos também mostram que a iniciação precoce do adolescente muitas vezes vem relacionada a outros fatores, como depressão, ansiedade, autolesão, bullying - e nós sabemos que a adolescência é uma fase de carências. Carência de aceitação e também de pertencimento. Todo adolescente deseja pertencer a um grupo. Então, se um grupo específico tem por exemplo uma vida sexual ativa, naturalmente aquele adolescente é influenciado para a iniciação sexual também.

Eu me debrucei sobre alguns relatórios das Nações Unidas nessa área e consegui garimpar informações soltas que mostram, por exemplo, que muitas meninas que engravidaram acabaram iniciando a vida sexual não em busca do prazer sexual, mas por conta da pressão das amigas e a busca por pertencimento.

Existem também algumas narrativas que dizem que a maioria das meninas que engravidam são vítimas da violência. A violência sexual é um fato real, mas a maioria das meninas que engravidam no Brasil precocemente quase sempre elas engravidam dos namorados, que também são adolescentes. Então, nós temos dois adolescentes que não terminaram os estudos e ainda não estão prontos para assumir uma responsabilidade econômica que uma criança exige. E aí é uma bola de neve. Além dos problemas físicos e emocionais, há outros fatores que impactam a sociedade. Por exemplo: a economia. Segundo o Banco Mundial, o Brasil produziria mais 3,5 bilhões de dólares por ano se as meninas esperassem até 21 anos para iniciar sua vida sexual. Fora o que o sistema de saúde precisa gastar para atender as meninas que engravidaram precocemente.

E isso tem a ver com a influência da escola. A escola é um ambiente que a criança e o adolescente passa a maior parte do dia. E este ambiente, que deveria gerar um ambiente seguro e estimular valores cívicos para aquela criança, quase sempre promove outras pautas e uma cultura que empurra o adolescente cada vez mais para algo que é um risco para ele.

Essa influência no ambiente escolar vem não apenas dos colegas, mas também dos professores?

Nelson Junior: Exatamente. É notório, apesar de ser veementemente negado, que há uma doutrinação nas escolas. A Escola Sem Partido está aí denunciando há anos várias atitudes que comprovam que o ambiente escolar tornou-se, não por causa dos colegas apenas, mas principalmente do modelo de educação nos últimos 30 anos no país, tornou-se um ambiente propagador de influências quase sempre contrárias às da família do aluno.

Eu publiquei nas minhas redes sociais um material que chegou aqui de um pai: a Secretaria Municipal de Educação de Niterói lançou uma cartilha ensinando um adolescente sobre a sua primeira vez. O material não tem classificação de idade, que deveria ter, porque, por exemplo, um menino de 12 anos, 13 anos não deve, por lei, ter esse acesso a esse tipo de material. Eles lançaram isso na internet, aí você entra no perfil da secretaria e vê aquele verniz de orientação, de proteção. O material “quebra mitos da virgindade", se dói, como usar a camisinha, como é camisinha masculina e feminina. E aí você entra na página da Secretaria de Educação e só vê criança. Como é que eles divulgam esse material se quando você entra na própria página da Secretaria de Educação você percebe que o público deles é o Ensino Fundamental 1?. Isso é crime.

Os defensores de uma educação sexual desde as séries iniciais afirmam que as crianças vão ter acesso a esse tipo de conteúdo de qualquer jeito. O senhor concorda?

Nelson Junior: Não concordo, primeiro porque a vida é feita de fases. A gente precisa respeitar as fases. Quando eu distribuo material para uma determinada faixa eu estou despertando precocemente o interesse por um assunto que não é pertinente àquela idade. No Brasil, hoje, só existe um tipo de política pública neste assunto. É a chamada prevenção secundária, que é oferecer proteção e prevenção para um grupo de risco. Ou seja: a camisinha, o uso de métodos contraceptivos, não é prevenção primária, é secundária. É para quem já iniciou a sua vida sexual. Mas no Brasil não existe prevenção primária, que é ensinar aos adolescentes a partir dos 12 anos a esperar o tempo certo. Que tudo tem um tempo. Eu acho que, para entrar em temas de conteúdos sensíveis, seja ele de qual tema for, é preciso agir de forma responsável, com linguajar adequado e para a faixa etária correta. Esse conteúdo de Niterói não é para a faixa etária abaixo de 14 anos. É impróprio. Eu sou a favor, sim, da informação, desde que seja feito com responsabilidade, com consentimento da família. A família tem que ser ouvida. Para que os pais não tomem susto quando o filho não chegar em casa com informações que recebem da escola e com as quais os pais muitas vezes não sabem lidar.

Hoje, há menos consenso do que no passado a respeito de quando a vida sexual deve se iniciar. Neste caso, a escola ainda deveria adotar uma linha mais conservadora, pelo menos por prudência?

Nelson Junior: Sim, esse é um ponto. A vida sexual é para a vida adulta, ponto. Isso é um ponto pacífico. Se fizessem um plebiscito nacional, veriam que qualquer adulto comum, e principalmente os pais, sabem que o ato sexual envolve responsabilidade e produz consequências. Eu nem vou entrar no debate se isso deve ocorrer antes do casamento ou depois do casamento, porque isso é um entendimento religioso. E a minha defesa é: por que não criar políticas públicas que cooperem para esse anseio?

As pesquisas mostram, por exemplo, que quase sempre a maior motivo de evasão escolar entre meninas é a gravidez na adolescência. E essas meninas, que quase sempre são da periferia e estão em estado de vulnerabilidade, não voltam mais para a escola e quando chegam à maioridade entram na fase nem-nem: nem estudam, nem trabalham. E então elas não conseguem manter nem a ela nem o filho. Consequência: essa mãe precisa trabalhar, deixa o filho aos cuidados do avô, da avó, quase sempre na periferia, e aí essas crianças que crescem muitas vezes num lar desestruturado, acabam sendo aliciadas pelo crime. É uma cadeia que envolve saúde, educação, economia e cidadania. E quase sempre as mães que engravidam na adolescência acabam engravidando de mais filhos em seguida. E aí vira um ciclo. Eu vi isso no sertão, quando fui visitar as cidades com o IDH mais baixo do Brasil. Eu vi uma moça de 22 anos com uma criança no colo. Eu disse: “Que bonitinho o seu filho”, e ela respondeu: “Não, é o meu neto”. Ela engravidou com 12, a filha engravidou com 10, e pior - no caso da garota de 10 anos, havia abusos sexuais por uma pessoa da família. É uma situação muito grave.

O funk, hoje, é muito popular entre adolescentes. E, com frequência, esse tipo de música tem letras com alto teor sexual. Qual é o peso de influências além da escola e da família, como a cultura musical?

Nelson Junior: A grande questão não é o ritmo, nem a melodia em si. Eu não criminalizo o funk ou qualquer outro estilo musical. Mas, realmente, é preciso ter uma vigilância em relação ao conteúdo das letras, que é o que influencia, porque essas letras de apelo e cunho sexual são um estímulo à atividade sexual. Um determinado público acaba se identificando com esse tipo de música. E, para a moça, o rapaz que consomem esse conteúdo, aquilo se torna normal porque é a informação que chegou.

O coração da criança é de quem chega primeiro, eu costumo dizer. Muitas vezes eles não fazem noção dos riscos porque foram criados com aquele tipo de conteúdo. Por isso acho que o papel da escola deveria ser de contracultura, ao invés de fortalecer essa cultura.

A Câmara de São Paulo vai votar um projeto de lei para que amparado pela lei, possam se produzir programas que ensinem ao adolescente que iniciar a vida sexual precocemente oferece riscos. Olha a que ponto nós chegamos! Precisar de um projeto de lei para amparar as pessoas que querem trazer esse tipo de informação dentro das escolas. O PT e o PSOL estão fazendo de tudo para que o projeto não avance, eles dizem que isso viola o direito da criança e do adolescente.

Esse projeto de lei de São Paulo fala em palestras e outras atividades educativas que, em tese, podem ser realizadas em parceria com entidades não governamentais. O senhor tem alguma perspectiva de ganho financeiro com a aprovação da proposta?

Nelson Junior: Jamais. A nossa recompensa a gente já recebeu, que é levantar o debate público e ver o estado adotando mecanismos que protejam o adolescente. Como o projeto até leva o nome do mesmo projeto que a gente, eu mesmo estaria cavando a minha própria cova.

Dentro desse contexto de influência da escola e da cultura, há indícios de um rápido crescimento no número de adolescentes que se identificam como transexuais. Uma das explicações para esse fenômeno é a exposição excessiva a conteúdo sobre esse tema, somada à busca por aceitação. O senhor concorda?

Nelson Junior: Não resta dúvida. O ambiente influencia o indivíduo, e, nessa faixa de idade, por causa da cultura de pertencimento, isso acaba ecoando no adolescente. Adolescência vem do latim adolescere, que é a fase de amadurecimento. Nesta fase, o córtex pré-frontal, que é a área da tomada de decisões, ainda não está formado. É por isso que se praticam algumas coisas que depois na vida adulta a gente não faz mais: por conta desse senso de responsabilidade e do poder das escolhas e consequências. Por isso, esse excesso de estímulo e essas influências culturais, juntos, provocam uma confusão. E andar na contramão disso, na contracultura, é ameaçador. Por eu ter minha formação religiosa, me retiram do debate porque dizem que sou moralista, privilegiado, machista e um fundamentalista religioso. Eu carrego esses rótulos que quem colocou foi a cultura. Mas o resultado que nós vimos do nosso trabalho dentro das igrejas é positivo. Porque não extrair coisas boas e levar para a sociedade?

Qual conselho o senhor daria aos pais que se preocupam com a influência da escola e da cultura sobre seus filhos no campo da sexualidade?

Nelson Junior: Informação é poder. Eu sou a favor da comunicação aberta entre pais e filhos. É papel da família a educação moral, não é da escola. A escola é educação acadêmica. Cabe à família o papel de trazer a educação moral porque cada família tem os seus valores. Por isso, eu recomendo aos pais que conversem com seus filhos. Se os pais ensinassem aos seus filhos a responsabilidade, por exemplo, de esperar o tempo certo - que não está muito longe, já que 18 anos já é um adulto pela Constituição, por exemplo, - o meu movimento não faria sentido. O meu trabalho todo é justamente por causa da ausência do papel familiar. E o que acontece é que esses movimentos se apoderaram do fato de que a família deixa. Eu estou dando esta entrevista aqui e a minha filha de 8 anos está ouvindo. São assuntos em que eu precisei, como pai, me antecipar. Eu preferi que elas ouvissem dentro de casa a ouvirem por qualquer outro meio. Informar funciona mais do que reprimir. Informação hoje não é problema, o problema hoje é o excesso dela. Não tem desculpa para um pai ou mãe dizer que não sabe. Hoje tem vídeo sobre tudo na internet. E cabe aos pais buscar a melhor informação para oferecer o melhor aos seus filhos - privilégio que eles não tiveram, porque os nossos pais não tiveram a oportunidade de ter a informação correta para nos instruir, nos informar. E um pai e uma mãe sabem o que é melhor para os seus filhos.

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