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| Foto: Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo

A crise econômica aliada a novos hábitos de vida e consumo tem provocado uma queda significativa no volume de carteiras de habilitação emitidas no Brasil. Entre 2013 e 2015, a quantidade de novos habilitados no país caiu pela metade (53%). Houve redução em todas as faixas etárias, especialmente na de 22 a 30 anos, que chegou a 62%, e na de 31 a 40 anos, também na casa dos 60% (veja infográfico). O setor de autoescolas culpa a recessão econômica, mas os números também revelam que o carro como objeto de desejo está perdendo espaço em tempos de crescente preocupação com o meio ambiente e de relações cada vez mais restritas aos smartphones.

INFOGRÁFICO: emissão da primeira habilitação no Brasil e nos Estados Unidos

Dez anos atrás, o professor Fred Van Amstel, 33 anos, até tirou sua Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Mas há mais de cinco anos não dirige. Nesse período, fez uma especialização em Enschede, na Holanda, e voltou de lá decidido a abdicar do automóvel particular. “Procurei um bairro bem servido de transporte coletivo para o meu local de trabalho. Só sinto falta do carro aos fins de semana”.

Nos Estados Unidos

Uma pesquisa da Administração Federal de Estradas (FHWA) dos EUA, divulgada pelo site CityLab, mostrou que a quantidade de novos habilitados no país com 16 anos ou menos caiu 43% de 2009 até 2014. A queda ocorre mesmo com uma projeção de crescimento da população norte-americana com 18 anos ou menos. Segundo o Departamento de Comércio dos Estados Unidos, essa faixa etária crescerá 11% até 2060. Para explicar o declínio, o CityLab aponta a crise econômica de 2008 e o comportamento da atual geração. “Eles [os jovens] não precisam mais conduzir. Eles se socializam online. Compram online. A internet está mudando as viagens”, disse a analista comportamental Nancy McGuckin em entrevista publicada no portal.

Para ir do Portão ao Prado Velho, Amstel usa a linha Interbairros V ou a Fazendinha/PUC. “Os alunos estranharam no começo porque a maioria dos professores anda de carro. Mas esse tempo é ótimo porque vou exercendo o diálogo com eles”, conta. Mas o professor faz uma ponderação. “Tive a oportunidade de fazer esse planejamento. Muitas pessoas não têm. É um absurdo ver 200 pessoas amassadas dentro de um ônibus que não tem prioridade nas vias”.

Morador do Bigorrilho, o professor Ricardo Morris, 29 anos, engrossa a estatística dos desabilitados. Também com uma viagem longa ao exterior no currículo, ele voltou a Curitiba disposto a eliminar o carro da sua rotina. “Minha CNH venceu em julho de 2015 e não quero renovar. Pedalo, em média, 20 a 40 quilômetros por dia e me sinto parte de uma mudança”, comemora.

Para Adriana Marotti de Mello, professora da USP e estudiosa de operações sustentáveis e novas tecnologias na indústria automotiva, há uma tendência de os jovens deixarem o carro de lado. “Em cidades como Tóquio e Paris, o carro é mais um problema do que uma solução por causa dos custos. E ele nem confere mais status. O objeto de desejo hoje é um smartphone, um videogame de última geração. Uma aluna minha que mora na Avenida Paulista não tem carro porque a vaga de estacionamento é mais cara do que o aluguel”, conta.

A especialista avalia, porém, que isso ainda é mais comum em países desenvolvidos. “Falta disponibilidade e qualidade no transporte coletivo brasileiro”, admite.

Crise

A grave recessão enfrentando pelo país afetou drasticamente a venda de bens duráveis como televisores, geladeiras e , principalmente, automóveis. De acordo com dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), a produção nacional de veículos leves caiu 28% entre 2012 e 2015. Já as vendas despencaram 32% no mesmo período. O último boletim Focus, do Banco Central, indicou uma previsão de retração de 3,88% no Produto Interno Bruto (PIB) em 2016, queda similar a verificada no ano passado. Para 2017, as projeções são de crescimento nulo.

Crise é a maior responsável pelo recuo, afirmam autoescolas

Osmar Marcondes, gerente operacional do Sindicato dos Proprietários de Centros de Formação de Condutores do Paraná (SiproCFCPR), vê a queda vertiginosa no volume de primeiras habilitações emitidas no Brasil como mais culpa da crise do que de fatores comportamentais. Ele disse acreditar, inclusive, que esse momento vai trazer um aumento de desabilitados para as vias do país.

“As famílias priorizavam a habilitação quando o jovem fazia 18 anos. Mas, com o desemprego, elas diminuíram todos os consumos. A habilitação passou a ser um artigo de luxo”, afirma Marcondes, antes de refutar a influência de um fator comportamental. Os preços para primeira habilitação variam de acordo com os custos de cada Centro de Formação de Condutores, mas uma rápida pesquisa junto a CFCs de Curitiba realizada na segunda-feira (25) mostrou preços variando entre R$ 1.645 e R$ 1.900.

“A cultura do brasileiro, por si só, é de primeiro [comprar] o carro para depois a casa. Infelizmente. O país ama carro e ama futebol. As montadoras, inclusive, ainda têm perspectiva de crescimento no Brasil. Além disso, na América do Norte e na Europa existe um transporte público mais eficiente e barato. Aqui [em Curitiba] até temos um transporte razoável, mas com custo elevado. E diversas cidades do interior nem sequer têm transporte coletivo. Em cidades como Arapongas, as pessoas que andavam de bicicleta agora têm moto”.

Procurei um bairro bem servido de transporte coletivo para o meu local de trabalho. Só sinto falta do carro aos fins de semana.

Fred Van Amstel professor, que decidiu abdicar do automóvel há cinco anos.
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