O medo da impopularidade fez o projeto de lei que regulamenta o transporte por meio de aplicativos empacar na Câmara Federal. O Grupo de Trabalho que discute o tema apresentou, na última terça-feira (6), um texto que permite a operação de Uber e similares, mas impõe a eles regras similares às do táxi. A ideia era votar a matéria já esta semana – com a aprovação de um regime de urgência na terça (6), e do texto, em plenário, na quarta-feira (7). Mas o presidente da casa, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) considerou que falta consenso, e que o projeto deve ficar mais para a frente. “É uma matéria que, dependendo do resultado, pode gerar mais atrito da casa com parte da sociedade”, justificou Maia. Segundo informações do site oficial da Câmara, o parlamentar carioca considera que a divisão do Colégio de Líderes sobre o tema poderia levar a uma derrota do regime de urgência. “Se a discussão não for amadurecida, a urgência será vetada”.
A discussão movimentou Brasília ao longo da semana. Taxistas de várias cidades do país foram à capital federal, pedir a aprovação da proposta. Já o Uber, principal aplicativo com atuação no Brasil, convocou seus usuários para uma campanha intitulada “Não deixe o Uber ser proibido no Brasil”, que enviou mais de 18 milhões de e-mails às caixas dos parlamentares, segundo balanço divulgado pela empresa na última terça-feira (6).
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Leia a matéria completaO PL 5587/2016 visa alterar a Política Nacional de Mobilidade Urbana, de 2012, que hoje prevê a diferenciação entre transporte individual “público” e “privado”. É a brecha jurídica utilizada pelos aplicativos. Enquanto táxis estariam na primeira categoria, Uber e outros pertenceriam à segunda. Por isso não precisariam se adequar às novas regras.
No texto original, elaborado pela Frente Parlamentar em Defesa dos Interesses de Classe dos Taxistas, o transporte privado ficava proibido de ser remunerado. Já os aplicativos eram liberados, mas desde que operassem em veículos com luminosos com a palavra “táxi” e que operam com taxímetro. Portanto o Uber não poderia operar nos moldes atuais, de motoristas parceiros.
O Grupo de Trabalho Taxistas e Aplicativos Digitais, instituído para buscar um meio termo para a proposta, formulou um substitutivo que elimina a palavra táxi e reconhece o transporte privado como passível de remuneração. Presidente do GT, o deputado Carlos Zarattini (PT-SP) argumenta que o texto agora cria uma “nova categoria” de motoristas, “que vai trabalhar exclusivamente em plataformas digitais.
O texto, que ainda não foi protocolado no sistema da Câmara, obriga os motoristas a fazer um cadastro na prefeitura para obter uma placa da categoria aluguel (vermelha). Além disso, o veiculo deve ser emplacado no município e ser de propriedade do condutor. Este, por sua vez, fica obrigado a passar por cursos de relações humanas, direção defensiva, primeiros socorros e mecânica e elétrica básica de veículos.
Outra exigência para os veículos é o uso de dispositivos para medição da tarifa “na forma de taxímetros ou de aplicativos digitais”, que sejam necessariamente “aferidos pelo órgão metrológico competente”, como o InMetro. Os carros também devem ter algum tipo de identificação externa para “permitir a fiscalização da atividade pelo poder público”.
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Leia a matéria completaJá os aplicativos -– denominados Operadora de Transporte Credenciada (OTC) – ficam obrigados a ter sede ou filial no município de prestação do serviço. Além de disponibilizar ao poder público municipal todas as informações relativas aos motoristas e às viagens. O município fica responsável por limitar o número de veículos e estabelecer um preço máximo para a atividade.
Em nota oficial, divulgada no início da semana, o Uber argumenta que “o PL tenta encaixar um sistema novo, baseado em tecnologia, em velhas barreiras artificiais”, ao propor que o serviço prestado pelos táxis e por seus motoristas parceiros “sejam enquadrados na mesma regulamentação”.
Efeito na prática
Entre especialistas, há um consenso de que o projeto de lei, da forma como está hoje, não proíbe a operação de aplicativos como o Uber. Mas extingue a forma atual de operação destas empresas. O professor de Direito do Trânsito Marcelo Araújo, que já atuou como porta-voz dos taxistas de Curitiba em algumas ocasiões, vê a medida como um avanço. Seria um enquadramento dos aplicativos à legislação brasileira, que analisou um texto intermediário do PL (similar ao substitutivo apresentado na terça, sem referência à palavra táxi, mas com exigência da placa vermelha), a pedido da Gazeta do Povo.
“No substitutivo, as situações de transporte remunerado, com ou sem aplicativou, público ou privado, sempre remete ao veículo da categoria aluguel, e categoria aluguel é táxi”, defende o advogado, que vê como ilegal a liberação do serviço de aluguel para qualquer pessoa com seu carro particular, de placa cinza.
A opinião não é consenso. Para o economista Gesner Oliveira, ex-presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), consultor do Uber, e que trabalhou no grupo que elaborou a atual Lei da Concorrência brasileira, o grande problema do projeto de lei é que “ainda não é uma regulação pró concorrencial, é burocrática”.
O PL ignora que os aplicativos permitem que o mercado crie novas soluções para problemas que antes precisavam ser reguladas pelo poder público, argumenta. Um exemplo é a restrição de oferta. Delimitar um número máximo de táxis nas ruas surgiu como uma forma de garantir a lucratividade do trabalho, que seria uma forma de garantir carros nas ruas. “Hoje na esmagadora maioria dos municípios há menos serviço de táxi ou de transporte do que a população deseja, e isso gera um problema sério”. Além disso, Oliveira acredita que aplicativos como o Uber expandem o mercado de transporte e, consequentemente, injetam mais dinheiro na economia, já que faz as pessoas circularem.
Autor de um estudo sobre o impacto do Uber no mercado de táxis, o economista e ex-presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), ligado ao Ministério da Justiça, Luiz Alberto Esteves, não vê com bons olhos uma legislação nacional muito restritiva. “A legislação nacional tem que dar parâmetros básicos”. Gesner Oliveira concorda. Para ele, o Legislativo federal deve seguir três pontos: exercer papel educativo de “chamar atenção para a nova realidade da mobilidade urbana”; criar uma legislação minimalista, que permita às cidades buscarem soluções adequadas; e ter uma regulação “que tenha a concorrência como ingrediente básico”.
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