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Pessoas separam o lixo em Manila, capital das Filipinas. Assim como na Indonesia, em Manila as centrais de coleta também estão virando bancos de lixo. | Arquivo/JAY DIRECTO/AFP
Pessoas separam o lixo em Manila, capital das Filipinas. Assim como na Indonesia, em Manila as centrais de coleta também estão virando bancos de lixo.| Foto: Arquivo/JAY DIRECTO/AFP

É o chão de terra batida, o sofá velho verde e o pente de uso coletivo que mostram que este não é um banco comum. Aqui, “consumidores” de uma parte pobre da Indonésia trocam crédito por lixo reciclável coletado nos lixões. “O programa foi criado pelo povo, é administrado pelo povo e a recompensa vai para o povo”, diz gerente Suryana, que usa um jilbab preto para cobrir a cabeça e vive com sua família no andar de cima do Mutiara Trash Bank, na cidade com altas taxas de crescimento Makassar, localizada na ilha Sulawesi. “Do ponto de vista econômico, isso gera resultados.”

É uma ideia que está o mais longínqua possível do desenvolvimento tecnológico pelo o qual tem passado o sistema bancário mundo afora. Não só na Indonésia e arredores, mas em todas as regiões emergentes da Ásia e da África, comunidades estão abraçando os bancos de lixo como um maneira de diminuir a pressão sobre os crescentes lixões, permitindo que alguns dos seus cidadãos mais pobres tenham acesso à poupança e ao crédito.

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A escala do problema de cidades como Makassar fica clara em uma visita ao lixão localizado nos limites da cidade. Todos os dias, a cidade de 2,5 milhões de habitantes produz 800 toneladas de dejetos, que acabam no topo de uma montanha de lixo equivalente a um prédio de cinco andares e em uma área equivalente a dois campos de futebol. Catadores, muitos deles crianças, trabalham ao lado de vacas que procuram algo para comer.

É contra este cenário que os bancos de lixo estão avançando. Cidadãos trazem lixo reciclável, como garrafas plásticas, papel e embalagens em geral, para os pontos de coleta, conhecidos por lá como “bancos”. O material é pesado e recebe um valor monetário. Como em qualquer banco, os “consumidores”, então, podem abrir contas, fazer depósitos – em lixo, com valor convertido em rúpias – e até sacar fundos periodicamente.

A prefeitura se compromete a comprar o lixo a preços definidos, o que dá estabilidade a esse mercado. A mercadoria é, então, vendida a negociantes que enviam a carga, por meio de barcos, a fábricas de plástico e papel localizadas em Java, na ilha principal.

Em outros desses bancos de lixo do país, os “correntistas” também podem trocar os resíduos diretamente por itens como arroz, crédito para chamadas telefônicas ou mesmo pelo pagamento de uma conta de luz. No banco de lixo Mutiara, por exemplo, vários dos “clientes” se matricularam em um programa de lição de casa, por meio do qual estudantes ajudam crianças com as tarefas e são pagos por isso por meio da instituição.

Os “clientes” de Makassar, a maior mulheres que coletam lixo em seu tempo livre, costumam poupar pequenas quantias, algo em torno de 2 mil ou 3 mil rúpias (ou 15 a 23 centavos de dólar) por semana. Muitas delas tomam dinheiro emprestado perto do fim de semana, principalmente para comprar arroz, enquanto o salário dos maridos não chegam.

“Ninguém deu calote ainda”, diz Suryana, que tem 43 anos e, mesmo com pouca escolaridade, aprendeu contabilidade e gestão para ser gerente do banco de lixo Mutiara.

Para clientes como Sitinah, que tem uma loja pequena de venda de artigos de necessidades básicas, bebidas e cigarros nas proximidades do banco, isso é o mais perto que eles conseguiram chegar das instituições financeiras em suas vidas. “Antes disso, eu nunca tinha direito”, ela disse, depois de retirar 50 mil rúpias para comprar uma frigideira que ela pretende usar para servir comida e bebida em festas. “Agora eu posso recorrer a essas economias quando eu preciso.”

A prefeitura manda caminhões para coletar o lixo do banco de lixo Mutiara várias vezes por semana e o traz para uma central de bancos de lixo, onde ele é organizado para venda. “É uma ideia simples e boa”, diz Ary Budianto, um empresário que compra várias toneladas de lixo da central todos os meses. “Ao interferir no mercado, a cidade garante que os catadores receberão um preço estável pelo seu trabalho. A qualidade [do lixo] aqui é boa, e eles não trapaceiam você na pesagem.”

Tradução: Fabiane Ziolla Menezes

Entenda a ideia

A Indonésia produz 64 milhões de toneladas de lixo por ano, e 70% disso é jogado em lixões, de acordo com o Ministério do Meio Ambiente e Florestas da Indonésia. Mutiara é apenas um dos mais de 200 bancos de lixo existentes em Makassar e que emergiram como um modelo para outras cidades. Como um todo, a Indonésia tinha 2,8 mil bancos de lixo em 2015, operando em 129 cidades, com 175 mil correntistas.

Para que a ideia tenha sucesso, o suporte do governo é vital, afirma o especialista em gerenciamento de resíduos da consultoria suíça Skat, Sanjay K. Gupta, que estudou esses projetos. Enquanto a Indonésia tem a maior rede de bancos de lixo, conta ele, outras práticas similares estão em ação em países da África (incluindo Gana e África do Sul) e cidades da Índia (Pune e Bengaluru) e das Filipinas (Manila, a capital). “Mas você não pode implementá-los sem suporte do poder público. Eles precisam de terra e estruturas para funcionar’

A autoridades locais de Makassar também têm o apoio de uma organização não-governamental que recebe recursos do braço indonésio da portuguesa Unilever e é chefiada por Saharuddin Ridwan, um ex-jornalista de televisão que cobriu guerras religiosas no leste da Indonésia na última década. “Todos precisamos nos responsabilizar pelo lixo”, diz Ridwan.

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