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Governador de MG veta projeto sobre ideologia de gênero
Cidade Administrativa Presidente Tancredo Neves é a sede do governo de Minas Gerais| Foto: Wikipedia

O governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), vetou o projeto de lei que determinava a imposição de multa de até R$ 175 mil às empresas e demais pessoas jurídicas que se opusessem à ideologia de gênero. O veto foi publicado na edição do Diário Oficial do último sábado (18). No dia anterior, em evento com a presença do presidente Jair Bolsonaro, Zema já havia anunciado a sua decisão em relação à proposição.

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Na Mensagem 152, que traz a decisão de Zema de vetar o projeto, o governador afirmou que o projeto traz parâmetros vagos para determinar a suposta punição às empresas, o que poderia trazer insegurança jurídica. Ele ressaltou também que já existe uma lei em Minas Gerais que pune casos de discriminação no trabalho em razão da orientação sexual. Após a apresentação de uma série de argumentos, Zema informou que “o veto à proposição tem fundamento na sua inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público”.

Pelo texto aprovado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, de autoria do deputado André Quintão (PT), o “Poder Executivo imporá, no limite da sua competência, sanção à pessoa jurídica que, por ato de seu proprietário, dirigente, preposto ou empregado, no efetivo exercício da atividade profissional, discrimine ou coaja pessoa, ou atente contra os seus direitos, em razão de sua orientação sexual, identidade ou expressão de gênero”. As multas previstas variam de 850 Ufemgs (Unidades Fiscais do Estado de Minas Gerais) a 45.000 Ufemgs. Uma Ufemg corresponde a aproximadamente R$ 3,90 em 2021. Atualmente, a multa varia de R$ 3.315 a R$ 175.500.

Mas a questão ainda não está encerrada. A mensagem do governador sobre o veto chegou à Assembleia Legislativa na terça-feira (21). De acordo com informações da Casa, os deputados estaduais têm 30 dias para analisar o veto. Se ele for derrubado pelos parlamentares, a lei terá de ser promulgada e entrará em vigor. Se o veto do governador for mantido, o projeto será arquivado.

Diante desse cenário, grupos e entidades da sociedade civil mineira têm feito um trabalho para explicar aos parlamentares todos os riscos e problemas do projeto de lei aprovado. A expectativa é de que haja mudança de posicionamento de muitos deles e que o veto de Zema seja confirmado.

Segundo a Assembleia Legislativa, para que ocorra a manutenção do veto do governador será necessário o apoio de pelo menos 39 dos 77 deputados estaduais.

Argumentação do governador de MG no veto ao projeto sobre ideologia de gênero:

"MENSAGEM Nº 152, DE 17 DE SETEMBRO DE 2021

Excelentíssimo Senhor Presidente da Assembleia Legislativa, Vossas Excelências – Senhoras e Senhores Deputados

Com meus cordiais cumprimentos, comunico a Vossas Excelências – Senhor Presidente e Senhoras e Senhores Deputados –, que, nos termos do inciso II do art. 70 da Constituição do Estado, decidi opor veto total, por inconstitucionalidade e por contrariedade ao interesse público, à Proposição de Lei nº 24.909, de 2021, que altera a Lei nº 14.170, de 15 de janeiro de 2002, que determina a imposição de sanções a pessoa jurídica por ato discriminatório praticado contra pessoa em virtude de sua orientação sexual. Ouvidas a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico – Sede, a Secretaria de Estado de Governo – Segov, e as demais secretarias e órgãos afetos à matéria objeto desta mensagem, sintetizo, a seguir, os motivos do veto.

Motivos do Veto

A proposição busca promover a atualização terminológica da Lei nº 14.170, de 2002. Observo, contudo, que os conceitos incluídos pela proposição possuem abertura semântica que não permitem a real aplicação da lei, nos termos a que pretende alcançar, e geram situações de valoração personalíssima por parte das pessoas que almeja proteger, bem como seus eventuais responsáveis. Exemplos de conceitos jurídicos abertos estão previstos no parágrafo único do art. 1º. Somado a esse fato, a proposição não fixa parâmetros seguros para a imposição de multas, o que pode causar grande insegurança jurídica na sua imputação. A propósito, há que se registrar a síntese da argumentação desenvolvida pelo Ministro Celso de Mello, quando do julgamento do MS nº 28.799:

“(...) O que se revela indispensável, no exercício do poder punitivo pela Administração Pública, é que a descrição normativa da conduta vedada pelo tipo sancionador – notadamente em face da função de garantia que lhe é inerente – enuncie, de forma clara e inequívoca, o seu conteúdo proibitivo, assegurando-se, dessa maneira, aos destinatários do comando legal o conhecimento prévio e seguro dos limites que devem pautar o seu comportamento social e funcional. É por isso que a utilização, pelo legislador, de estruturas normativas precárias e insuficientes que desatendam a essa exigência de certeza e previsibilidade, em face de seu conteúdo excessivamente vago ou ambíguo, qualifica-se como expressão de um discurso legislativo absolutamente incompatível com a essência mesma dos princípios que estruturam o sistema de liberdades públicas no contexto dos regimes democráticos.” (STF, MS 28.799/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJe 05/10/2016).

Quanto à dificuldade de aplicação de conceitos legalmente abertos ou genéricos, o Tribunal Constitucional de Portugal, mesmo que em contexto diverso do que se refere esta proposição, problematizou a questão da proteção de direitos relacionados à pluralidade de identidades em razão do caráter genérico da previsão legal e de seus desdobramentos administrativos como matéria de política pública (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 474/2021, publicação no Diário da República n.º 142/2021, Série I de 2021-07-23, p. 20 - 50, acesso disponível no site do Diário da República Eletrônico em: https://data.dre.pt/eli/actconst/474/2021/07/23/p/dre).

Ademais, a proposição revela-se ineficaz, considerada a especificidade da competência para o exercício do poder de polícia da Administração Pública estadual na relação particular entre as pessoas naturais e entre elas e as pessoas jurídicas empregadoras ou prestadoras de serviços ou fornecedoras de bens.

Observo que, no sistema constitucional-federativo brasileiro, as relações jurídicas particulares entre pessoas naturais e entre elas e as pessoas jurídicas que foram genericamente tratadas na proposição – a saber: consumidoras e prestadoras de serviços ou comerciantes ou fornecedoras de bens; empregadoras e trabalhadoras – estão no âmbito da competência administrativo-sancionatória ou do Município ou da União. Logo, a matéria constante da proposição de norma alteradora – assim como a da norma alterada – está afeta majoritariamente à competência legislativa municipal ou federal, já que envolve a prerrogativa para impor advertência, multa, suspensão ou interdição de estabelecimentos em relações jurídicas tipicamente privadas. Apenas em alguns aspectos sancionatórios específicos é que a abrangência da proposição de lei em análise – bem como da lei originária – se estende às competências do Estado; mesmo assim, limitada a situações jurídicas sujeitas a regimes próprios do Direito Administrativo e do Direito Tributário e Financeiro que devem guardar sintonia com parâmetros jurídicos previstos em marcos legais específicos, alguns, inclusive, de incidência federativa quanto a normas gerais.

Esclareço que cabe ao Estado tratar de relações entre pessoas naturais e entre elas e as pessoas jurídicas no ambiente de convivência entre os seus servidores e no âmbito da prestação de serviços ou de oferta de bens aos cidadãos e às cidadãs submetidos a regimes jurídicos do Direito Administrativo. Entretanto, no universo das relações sociais cotidianas entre agentes particulares – como são as hipóteses substancialmente contidas na proposição – o Estado só terá competência normativa suplementar ou supletiva – tanto de natureza primária quanto regulamentar – nas relações da Administração Pública com os cidadãos e cidadãs e desde que tais relações jurídicas não estejam sob a abrangência normativa e fiscalizatória da municipalidade ou da União, como nos casos de incidência do Direito Civil, do Direito Empresarial, do Direito do Trabalho e do Direito do Consumidor em relações tipicamente privadas. Também pondero que as relações entre as pessoas naturais – cidadãos e cidadãs – e as pessoas jurídicas sob regimes estaduais de concessão, permissão ou autorização já possuem marcos legais – federais e estaduais – e convencionais adequados para fundamentar situações de responsabilização jurídica nos foros civil, administrativo e penal por atos ilícitos ocorrentes entre empregador-empregado, fornecedor-fornecido, prestador-consumidor de bens e serviços.

Assim, salvo circunstâncias excepcionais – como no enfrentamento de uma crise de saúde pública e de biossegurança – o Estado não tem competência para regular responsabilidades jurídicas no âmbito das relações privadas – tal como previsto de modo genérico na proposição – e nem exercer sobre elas o respectivo poder administrativo-sancionador. Logo, além de sua vagueza conceitual e amplitude sancionatória, resta evidente a ineficácia da alteração legal, que nada contribuirá para a boa e efetiva realização ou o aprimoramento de qualquer política pública relacionada ao tema do respeito ao pluralismo democrático. Ao contrário, a proposição – se convertida em lei – só ampliará as situações de insegurança jurídica nas relações privadas que, em vão, pretende vedar, mesmo que sob a nobre finalidade de proteger a diversidade social.

Reforço que a dimensão da executoriedade da lei é fundamental para a inovação legislativa, sob pena de se criar expectativas sociais e conjunturais não realizáveis.

Sob essa perspectiva, constato, ainda, que os marcos legais civis, penais e administrativos de responsabilização jurídica já existentes no sistema federativo brasileiro são suficientes para a concreta formação, afirmação e proteção de ambientes públicos e privados de convivência, respeito e tolerância à pluralidade de identidades, em ambiente democrático-constitucional.

Em síntese, a proposição – em sua globalidade – é inexequível nos termos pretendidos, tanto porque atribui poder administrativo sancionatório ao Estado para além de suas competências constitucionais para punir situações afetas às relações jurídicas particulares, quanto pela desproporcionalidade da previsão genérica de aplicação de multas.

Portanto, o veto à proposição tem fundamento na sua inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público.

Em conclusão, Senhor Presidente e Senhoras e Senhores Deputados, esses são os motivos de inconstitucionalidade e de contrariedade ao interesse público que me levam a vetar totalmente a proposição acima, os quais submeto à elevada apreciação das Senhoras e Senhores Membros da Assembleia Legislativa.

Na oportunidade, reitero meu apreço e consideração a Vossas Excelências – Senhor Presidente e Senhoras e Senhores Deputados – e ao Povo Mineiro.

ROMEU ZEMA NETO

Governador do Estado"

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