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Em pouco mais de três meses e em um surto sem precedentes, o Brasil já registra 399 casos notificados de recém-nascidos com microcefalia, má-formação do cérebro que pode levar a problemas graves no desenvolvimento da criança.

Os dados foram divulgados nesta terça-feira (17) pelo Ministério da Saúde. Ao todo, os casos já abrangem sete estados: Pernambuco, Sergipe, Rio Grande do Norte, Paraíba, Piauí, Ceará e Bahia.

O maior número de notificações ocorre em Pernambuco, o primeiro estado a perceber uma mudança em relação à anomalia, até então considerada rara. Desde agosto, o estado já soma 268 casos de bebês com microcefalia. Em seguida, estão Sergipe, com 44 casos, e Rio Grande do Norte, com 39.

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Para comparação, o país somava cerca de 100 a 120 casos por ano de recém-nascidos com o diagnóstico. “A média anual já foi altamente superada”, afirma o diretor de vigilância de doenças transmissíveis no Ministério da Saúde, Cláudio Maierovitch.

Segundo o diretor, é “altamente provável” que o aumento inesperado de casos tenha relação com uma possível infecção das gestantes pelo vírus da zika, uma nova doença identificada no país neste ano e transmitida pelo mesmo vetor da dengue, o Aedes aegypti.

A relação ocorre após resultados de exames em gestantes da Paraíba cujos bebês foram diagnosticados com microcefalia ainda na gestação. Tal avaliação, feita por meio da coleta de amostras do líquido amniótico, apontou a presença do genoma do vírus zika nas amostras.

“Isso fecha o diagnóstico? O que a gente pode responder nesse momento é quase. Porque não é esperado que exista vírus zika em nenhum tecido do corpo humano. Isso mostra uma infecção aguda, que além de estar presente no organismo [da mãe], passou para o feto”, afirma Maierovitch.

Outros fatores corroboram para que o vírus “primo” da dengue seja elevado à principal suspeita: os relatos de mães de recém-nascidos que afirmaram ter tido durante a gestação manchas vermelhas no corpo, um dos sintomas característicos da infecção, e a coincidência temporal dos casos com o início da circulação do vírus zika no país, “algo que nunca aconteceu antes na nossa história”.

Apesar dos indícios, o diretor pondera que ainda não é possível descartar “fortemente” outros fatores também em avaliação, como infecções por outros vírus e bactérias. No Pernambuco, resultados de exames têm dado negativo para alguns dos motivos antes mais frequentes para a microcefalia, como toxoplasmose e citomegalovírus.

Segundo o Ministério da Saúde, a confirmação da causa deve ocorrer após análise conjunta de exames a serem feitos em gestantes e recém-nascidos, a partir da coleta de sangue, líquido do bebê e até mesmo de amostras do cordão umbilical e placenta. De acordo com Maierovitch, a coleta de líquido amniótico dentro do útero “não deve ser realizada de forma indiscriminada”, por ser um procedimento considerado invasivo para o bebê.

Zika vírus foi descoberto em 1947 em floresta da África

O vírus que agora é considerado o suspeito número um do surto de microcefalia registrado no Brasil traz no nome uma referência à área onde foi descoberto, em 1947: a floresta de Zika, na África.

Até há pouco tempo, ele despertava pouca atenção de autoridades sanitárias. A pouca preocupação tinha como justificativa suas características. Pacientes com a infecção apresentavam sintomas leves: febre baixa, manchas pelo corpo e coceira. “Até hoje, havia apenas um registro de surto provocado pela zika, em 2007, na Ilha de Yap”, conta o professor da Federal do Rio Grande do Norte, Kleber Luz.

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Na ilha, com 29 mil pessoas, nunca houve uma relação entre a febre e o aumento de microcefalia. “Mas isso não quer dizer nada. O número de pessoas é pequeno. Talvez possa até ter havido aumento, mas não foi perceptível diante do pequeno impacto para a população.”

O vírus é transmitido pela picada do mosquito Aedes aegypti. Uma vez inoculado na pele, ele se multiplica e, passados sete dias, vai para a corrente sanguínea, o período chamado viremia. Há três tipos de zika: o da Ásia, o da África do Leste e África Oeste. Não há um exame de diagnóstico para a zika por meio de anticorpos.

“É difícil de ser trabalhado, porque a viremia é de curta duração e pouco intensa”, disse Luz. “Há pouca matéria-prima para se desenvolver o exame.” Uma dificuldade que não existe com o vírus da dengue, considerado seu “primo”. “Na chikungunya, a viremia é de três dias, mas considerada muito alta.”

Aviso obrigatório

Diante do avanço de casos, o Ministério da Saúde declarou, na última quarta-feira, emergência nacional em saúde pública. A medida visa reforçar a vigilância e agilizar as ações de prevenção e assistência.

Agora, com o reforço na suspeita de que a situação tenha relação com o vírus zika, o governo definiu que todos os Estados notifiquem novos casos de microcefalia ao Ministério da Saúde.

Essa notificação compulsória visa permitir que o governo tenha controle sobre o avanço do quadro no país. “A preocupação é enorme, porque é uma situação nova, e é grave”, diz o diretor.

Após ser identificado no país em junho deste ano, o vírus zika se espalhou e já tem circulação confirmada em 14 Estados. São eles: Roraima, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Alagoas, Bahia, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro, São Paulo, Mato Grosso e Paraná.

A doença, porém, pode ter circulação ainda maior, uma vez que 80% dos pacientes infectados por zika não apresentam sintomas, o que torna “impossível” estimar a magnitude da epidemia, diz Maierovitch. Frequentemente, a doença é confundida com a dengue. O tempo de duração dos sintomas da zika, mais brandos, é menor - menos de cinco dias.

Microcefalia

O recém-nascido com microcefalia tem o perímetro da cabeça menor do que a média, que é de 34 a 37 cm. A Saúde definiu como critério para notificação os casos em que o perímetro da cabeça é menor ou igual a 33 cm.

Todos os registros ainda devem ser confirmados após exames.

Em geral, crianças com essa condição podem ter problemas no desenvolvimento, com limitações para falar, andar, escutar, entre outros. Cerca de 90% dos casos de microcefalia estão relacionados a deficiência mental. Em situações mais graves, a ocorrência pode levar à morte do bebê - no Rio Grande do Norte, uma morte é investigada como possível decorrência da microcefalia.

Para identificar os casos, o Ministério da Saúde recomenda que profissionais de saúde sigam os protocolos formulados ou utilizados pelas respectivas secretarias de saúde, que informam quais exames devem ser realizados e estabelecem hospitais de referência para atendimento às mães e bebês.

Alguns Estados, como Pernambuco, já elaboram protocolos para atendimento às gestantes que suspeitam, por meio de ultrassonografia, que seus bebês tenham o quadro ou que tenham tido contato com zika. A ideia é orientar os profissionais sobre novos exames a serem realizados.

Entre as medidas de precaução, estão não tomar remédios sem orientação médica, evitar ambientes com mosquitos e contato com pessoas suspeitas de infecções.

Gravidez

Já quem ainda pretende engravidar neste período deve conversar com seus familiares e médicos sobre possíveis riscos ao bebê, diz o Ministério da Saúde.

Maierovith afirma que a recomendação ocorre devido à falta de informações claras sobre as causas da microcefalia e sua relação com a zika. Para ele, mulheres precisam “pensar duas vezes [sobre a decisão de engravidar] diante de um vírus desconhecido”.

“É o que chamamos na saúde de princípio da precaução: quando declaramos nossa ignorância em relação a um assunto, mas não podemos nos omitir diante dele”, diz.

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